Depressão e Remédios: perguntas e respostas sobre antidepressivos

A depressão é um transtorno altamente prevalente, mas vários mitos ainda cercam os medicamentos capazes de tratá-la.

Amanda de Vasconcellos
O Prontuário
9 min readSep 13, 2020

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Dando continuidade à temática que introduzi semana passada, hoje vamos falar um pouquinho mais do Setembro Amarelo e da prevenção ao suicídio, e não dá para falar de prevenir suicídio sem antes falar de tratamento de transtornos mentais. Esse é um tema potencialmente inesgotável, e, por isso, vou restringir-me a falar de um dos mais frequentes em todo o mundo: a depressão.

É claro, também o tratamento da depressão tem possibilidades inesgotáveis. A cada dia a ciência descobre novas possibilidades terapêuticas, e seria impossível falar de todas elas. Minha intenção, então, é dar um panorama geral sobre os tratamentos mais frequentes para a depressão. A começar pela pergunta mais básica:

Como se trata depressão?

Casos de depressão leve a moderada costumam ser eficientemente tratados com psicoterapia, que pode ser oferecida por um psicólogo ou por um psiquiatra. Há vários tipos de psicoterapias, e as mais comuns para quadros depressivos são a terapia cognitiva, a terapia comportamental, a terapia interpessoal, e a terapia de orientação psicanalítica. Suas eficácias parecem semelhantes, de modo que cada paciente precisa ser examinado de forma extremamente individual. A melhor opção para uns pode não funcionar para outros, e vice versa.

É importante também que o paciente pratique atividades físicas e mantenha um estilo de vida saudável. Além disso, outras condições de saúde, como o hipotireoidismo e a deficiência de vitamina B12, podem causar sintomas depressivos. Nesses casos, o tratamento da primeira condição seria por si só suficiente para eliminar a depressão.

Todavia, para alguns indivíduos, a combinação de psicoterapia a exercícios físicos pode ser insuficiente para melhora do quadro depressivo. Nesse caso, é preciso iniciar um tratamento com remédios, o que nos leva a questionar…

Quais medicamentos são empregados no tratamento da depressão?

De forma geral, são empregados medicamentos antidepressivos, sendo que, em algumas situações, o lítio pode ser usado como potencializador de seus efeitos. Outra alternativa, para casos bastante específicos, são os antipsicóticos.

Antidepressivos podem pertencer a diferentes classes, e cada uma delas é caracterizada por uma forma distinta de atuação, com suas vantagens e desvantagens. A saber, as principais são:

  • Antidepressivos Tricíclicos (ADT): Imipramina (Tofranil), Clomipramina (Anafranil, Clo), Amitriptilina (Trytanol, Amytril, Limbitrol, Protanol), Nortriptilina (Pamelor), Maprotilina (Ludiomil);
  • Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS): Fluoxetina (Prozac, Daforin, Verotina, Fluxene, Prozen), Sertralina (Zoloft, Serenata, Assert, Tolrest, Dieloft), Paroxetina (Aropax, Pondera, Paxil, Celebrin, Paxan, Paxtrat), Citalopram (Cipramil, Procimax, Citta, Denyl, Maxapran), Escitalopram (Lexapro, Reconter, Exodus, Espran, Esc, Sedopan), Fluvoxamina (Luvox);
  • Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina e Noradrenalina (ISRSN): Venlafaxina (Efexor, Venlift, Venlaxin, Alenthus), Desvenlafaxina (Pristiq), Duloxetina (Cymbalta, Velija, Neulox);
  • Inibidores da Recaptação de Noradrenalina e Dopamina: Bupropiona (Welbutrin, Zyban, Bup, Zetron, Noradop);
  • Inibidores Seletivos da Recaptação de Noradrenalina (ISRN): Reboxetina (Prolift);
  • Inibidores da Monoaminoxidase (IMAO): Tranilcipromina (Parnate), Moclobemida (Aurorix);
  • Outros antidepressivos: Trazodona (Donaren), Mirtazapina (Remeron, Menelat, Razapina), Agomelatina (Valdoxan).

Antidepressivos funcionam?

SIM! E não deixe que te digam o contrário.

Na medicina, fala-se muito da “pirâmide de evidência”. Pesquisas científicas nunca nos dão certezas, mas, quanto mais alta na pirâmide estiver uma pesquisa, maior será a chance de seus resultados estarem corretos. A saber, os melhores estudos científicos são meta-análises, ou seja: revisões sistemáticas de vários estudos prévios na área.

É justamente uma meta-análise, publicada na The Lancet (uma das mais importantes revistas científicas do mundo), que aponta para a conclusão de que antidepressivos são úteis. O estudo apontado avaliou 21 dos medicamentos mais empregados no tratamento da depressão, e descobriu que todos aliviam sintomas depressivos — e o fazem melhor que o placebo.

O debate quanto ao funcionamento desses medicamentos é antigo, e levou a achados importantes. Descobriu-se, por exemplo, que antidepressivos provocam uma melhora, mas que essa melhora não é tão grande quanto parecia ser nos primeiros estudos. No entanto, é importante compreender que mesmo os cientistas que mais participaram desse debate hoje concordam que os remédios são eficazes. Dois deles — Erick Turner e John Ioannidis —, inclusive, participaram do estudo da Lancet.

Ainda precisamos estudar (mais) quais as melhores dosagens e protocolos, e novos tratamentos serão sempre bem vindos, porém é importante ter em mente que já há boas opções disponíveis no mercado. Em suma, há esperança.

Como antidepressivos funcionam?

Depende da classe à qual pertencem, e mesmo dentro dessas classes haverá diferença. Os mecanismos biológicos que causam tal atuação são bastante variados, mas, normalmente, eles atuam para aumentar a disponibilidade de monoaminas (serotonina, noradrenalina, e dopamina) no cérebro do paciente. Essas monoaminas são neurotransmissores associados a uma sensação de bem estar, e acredita-se que estão em baixas concentrações nos organismos de indivíduos deprimidos.

Eu deveria tomar antidepressivos?

Não faço a menor ideia. Essa é uma pergunta que você deveria fazer ao seu médico, e não à internet. Por mais que nem sempre seja fácil marcar uma consulta, é muito importante que a necessidade de um novo medicamento seja corretamente avaliada por um profissional, pois há risco de efeitos colaterais e de interações medicamentosas.

Via de regra, antidepressivos costumam ser incluídos no tratamento após o esgotamento de alternativas comportamentais. Ou seja: se um somatório de psicoterapia, exercício físico, e hábitos saudáveis não tiver sido suficiente para melhora da depressão, é hora de buscar atenção médica.

Toda pessoa que tem depressão precisa tomar antidepressivos?

De forma alguma! Cada vez mais, evidências têm mostrado que a psicoterapia sozinha pode ser capaz de tratar casos de depressão leve a moderada, desde que acompanhada por um estilo de vida saudável. Da mesma forma, alguns pacientes podem curar-se da depressão apenas pelo uso de medicamentos por determinado período. Tudo deve ser analisado individualmente, e, caso os sintomas depressivos estejam desaparecendo sem o auxílio de remédios, não há por que iniciar seu uso.

Antidepressivos são “tarja preta”?

Aqui no Brasil, os antidepressivos exigem prescrição (receita) médica, e alguns possuem controle especial, o que significa que a receita precisa ser retida na farmácia. Contudo, eles não possuem a famigerada “tarja preta”, que é dada apenas a medicamentos que podem causar dependência.

De qualquer forma, alguns pacientes têm medo de antidepressivos serem medicamentos “fortes”, e esse medo também não é tão justificado. A maior parte desses remédios possui efeitos colaterais pequenos e toleráveis, e são muito poucos os que causam sedação (que poderiam, portanto, deixar o indivíduo “chapado”). Mais importante que isso, nenhum deles tem efeito psicoativo.

Antidepressivos podem viciar?

Não! O que acontece é que, caso a causa latente da depressão não tenha sido tratada, o paciente que tiver seus remédios retirados retornará ao estágio anterior. Além disso, a redução da dosagem não pode ser abrupta, para evitar sintomas desagradáveis de síndrome de descontinuação.

É importante diferenciar isso de vício. No caso do vício, a descontinuação do medicamento levaria a sintomas de abstinência, levando o indivíduo a forte desejo pela substância retirada. Há, também, a criação de tolerância, situação em que doses cada vez mais altas do remédio precisam ser dadas para se obter os mesmos efeitos de antes.

Em suma, o viciado é incapaz de manter seu funcionamento típico em sociedade sem a substância de abuso, coisa que não ocorre aos pacientes que tomam antidepressivos.

Antidepressivos são perigosos?

Como dito acima, os antidepressivos possuem efeitos colaterais bastante toleráveis, e, quando o paciente considera inaceitáveis aqueles causados por um antidepressivo específico, é sempre possível experimentar outras opções. É bem comum que o indivíduo precise testar vários remédios antes de encontrar um que alivie seus sintomas de maneira satisfatória, e não há nada de errado com isso.

Todo tratamento envolve uma análise de riscos e benefícios, e pessoas diferentes avaliam esses fatores de maneiras diferentes. Um efeito colateral comum de alguns medicamentos do tipo ISRS, por exemplo, é a insônia. Nem todos os pacientes a terão, e ela pode não ser um problema para todos eles (pense, por exemplo, em um aposentado, que pode tirar uma soneca durante o dia se tiver tido uma má noite de sono). Para avaliar quais são os riscos e quais são os benefícios de cada tratamento, é preciso que o paciente tenha uma discussão franca com seu médico.

Outra preocupação é quanto a efeitos de longo prazo do uso de antidepressivos, e a realidade é que não possuímos dados tão concretos nesse sentido, visto que seu uso tornou-se popular nas décadas de 1980 e 1990. Todavia, até hoje não houve nenhuma evidência de danos sendo causados por uso prolongado desses medicamentos.

Por fim, já houve preocupação com a possibilidade do aumento de risco de suicídio por pacientes que houvessem iniciado o tratamento com antidepressivos recentemente. As pesquisas mais atuais mostram que esse risco, se é que existe, é muito pequeno, e se torna irrelevante no longo prazo. Na realidade, o uso continuado causa o efeito oposto! Somente nos EUA, demonstrou-se que um aumento de 10% na taxa de prescrição de antidepressivos levou à diminuição de 3% na taxa de suicídios.

Existe alguma alternativa natural para antidepressivos?

Er… Mais ou menos. Vamos lá, nem todo paciente precisa tomar antidepressivos, mas os que precisam terão um benefício gigante ao tomá-los. Se os sintomas de um paciente estão sendo aliviados pela psicoterapia, não costuma haver mal em acrescentar terapias alternativas (o nome técnico, com o qual tenho discordâncias pessoais, é “práticas integrativas e complementares”, ou PICs) ao tratamento. Se, porém, eles não estão sendo, use antidepressivos. Eles são a única maneira cientificamente comprovada de tratar depressão quando a psicoterapia não surte efeito.

Não obstante, algumas práticas terapêuticas que costumam ser colocadas sob o rótulo de PICs possuem embasamento científico. A meditação, por exemplo, é uma excelente prática, mesmo para aqueles que encontram-se mentalmente saudáveis. Fitoterápicos (medicamentos e chás à base de plantas) também podem ser opções, porém é preciso lembrar que nem todos são bem estudados (não se sabe, por exemplo, qual seria a dose adequada, qual a melhor forma de cultivar e preparar a planta, entre outros problemas), e que alguns podem interagir negativamente com os antidepressivos ou com outros remédios. Devem, portanto, ser empregados com cautela.

Por outro lado, há algumas PICs que não possuem efeito algum. Medicamentos homeopáticos, como os melhores estudos demonstram, são tão eficientes quanto pílulas de açúcar, mas são bem mais caros que essas. Dessa forma, é importante ter cuidado com tratamentos que se propõem como “alternativas” à medicina tradicional. Afinal de contas, se os antidepressivos possuem benefício comprovado, qual o benefício de buscar terapias duvidosas?

Qual o melhor antidepressivo?

Depende muito de paciente para paciente. De maneira geral, a primeira escolha é por medicamentos da classe ISRS, que possuem menor quantidade de efeitos colaterais e são bastante eficazes. MAOIs e ADTs, apesar de sua eficácia, possuem maiores desses efeitos, o que significa que sua prescrição é menos comum.

Isso tudo, entretanto, são comentários gerais sobre escolha de antidepressivos. Como dito em tópicos (e textos) anteriores, apenas a conversa franca entre médico e paciente pode levar a uma boa decisão.

Há vários critérios que se leva em consideração: quais efeitos colaterais você considera aceitáveis? Você toma algum outro medicamento? Tem alguma alergia? Alguma outra condição de saúde? Por tudo isso, ninguém pode afirmar categoricamente que o remédio X ou Y é o melhor. Melhor para quem? Se os pacientes são diferentes, é óbvio que suas necessidades também serão.

Quanto tempo antidepressivos levam para fazer efeito?

A maioria deles levará entre 2 e 4 semanas para atuar. Isso ocorre porque todos esses remédios trabalham com o aumento na disponibilidade de certos neurotransmissores no organismo, e esse é um efeito cumulativo. Ou seja: é preciso tempo para que os níveis de disponibilidade cresçam até um ponto suficiente para que o paciente comece a notar melhora em seus sintomas.

Vale notar também que há um período de adaptação aos antidepressivos, pois o cérebro e um organismo como um todo não irão adequar-se imediatamente à mudança. Assim, alguns efeitos colaterais podem surgir nas primeiras semanas, e desaparecer logo em seguida.

Antidepressivos engordam/fazem perder peso?

Depende. Alguns deles possuem a perda ou ganho de peso entre seus efeitos colaterais. O que é preciso recordar é que pacientes deprimidos frequentemente passam por alterações em sua massa corporal: alguns reportam aumento, e outros reportam perda de apetite. Logo, o antidepressivo pode fazer com que eles retornem ao seu padrão antigo de alimentação, o que obviamente acarretará mudanças no peso.

Obrigada por ler este texto! Tentei trazer o máximo possível de informação, sempre buscando embasamento em fontes confiáveis, para desmistificar um pouco o tratamento medicamentoso da depressão — que é capaz de melhorar a vida de tanta gente!

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Ao longo do mês, continuarei escrevendo sobre depressão e prevenção ao suicídio, então, se esse tema te interessa, não deixe de me acompanhar nas redes sociais.

Fontes consultadas:

Ao longo do texto, inseri hiperlinks para fontes de citações indiretas. Contudo, para orientação geral, empreguei as seguintes referências:

  • Baes, C., Juruena, M. Psicofarmacoterapia para o clínico geral. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rmrp/article/view/127535. Acesso em: 12/09/2020.
  • SADOCK, B. J., SADOCK, V. A. Compêndio de Psiquiatria: ciência do comportamento e psiquiatria clínica. 11ª ed. Artmed, 2007.
  • Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais: DSM-V.

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