Crônicas do Tempo 20:00 — Os espólios da minha vida

Bruno Oliveira
Reflexões
Published in
3 min readOct 24, 2020

Por onde o tempo passa, nada fica indiferente. O tempo destrói, constrói, transforma, deixa seu resquício em tudo que sobrevive. Os espólios do tempo são muitos e são diversos. Nós somos a prova viva disso, e também carregamos vários traumas disso. Olhamos para nós e vemos várias representações dessas passagens: tanto representações físicas, como cicatrizes, marcas de sol de viagens a praias, cortes de cabelo mal feitos que cobram seu preço até hoje; até representações mais internas e abstratas, como pensamentos, reflexões, saudades e outras tantas coisas que tiram nossos ais. Cabe a nós inventariarmos essa herança, tal como uma herança de um tio antigo, que pode não nos deixar ricos financeiramente, mas nos deixa ricos em lembranças, memórias, saudades e reflexões. Os espólios são nossas máquinas de viajar no tempo, nossos episódios de Dark preferidos (e as vezes até tão complexos quanto).

Panorama de Toledo (El Greco, 1610)

Poemas que abordam estas temáticas:

  • Silêncio: Se tem algo que carregamos da maioria de nossas experiências é o silêncio. Tudo o que não dissemos, o que não fizemos, o silêncio incomoda. Não só o silêncio em que ficamos no passado, mas os momentos em que ficamos em silêncio no presente podem ser aterrorizantes. Passar um tempo conosco mesmo, sem distrações, sem nossos fones de ouvidos. São os espólios mais difíceis de carregar.

Perdi meus fones de ouvido,
e agora só me resta sentar em silêncio
mas o silêncio também é música
é auto-encontro, um mergulho em si mesmo

  • Barra: Cada espólio vira uma barra. E não é só uma música do Raça Negra, são coisas que devemos segurar. Para seguirmos em frente não podemos soltá-la, senão ficamos para trás, perdemos a dignidade, o decoro, a vida. Precisamos acumular as barras do tempo nos nossos armários.

Seguro um retrato na parede
o tempo é uma desculpa para um abraço
e o motivo da minha sede

  • Relicário: O maior dos espólios é a mudança. Tudo é passageiro, e o que fica é o “novo normal”, o nosso mais novo relicário. Tudo parece voltar ao normal, mas nada é igual ao que era antes. O novo está lá, e o velho também — mas repaginado. Penso em deixar algo para trás, mas sozinho não consigo fazer nada. Os espólios se acumulam e evoluem — mas talvez algumas coisas nunca mudem. As sinas são avessas aos espólios.

As praças voltam a ter alguém
as solidões voltam a ter alguém
as estatísticas voltam a ter alguém
o amor continua a não ter ninguém

“Nesse caderno sei que ainda estão / Os versos seus” (Skank — Respostas)

Este post faz parte de uma série de posts denominados “Crônicas do tempo”, um compilado de poesias já publicadas neste espaço e uma dissertação a respeito de uma característica ou fenômeno do tempo. Ao total, serão 24 textos (referentes às 24 horas do dia) e o grande objetivo é registrar uma resposta para algo que as pessoas sempre me perguntam: por que o tempo é tão importante para você? Tentarei responder nessas 24 crônicas (que não são exatamente crônicas).

“Dói o peito só de olhar o jeito que tu posa / Saudades, pontos de exclamação, você está maravilhosa” (Jovem Dionísio — Pontos de Exclamação)

Crônica Passada:

Crônica Futura:

“Por ser de lá / Na certa por isso mesmo / Não gosto de cama mole / Não sei comer sem torresmo” (Gilberto Gil — Lamento Sertanejo)

--

--

Bruno Oliveira
Reflexões

Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.