X. Governador Valadares e a Pandemia
Diagnósticos e perspectivas para a cidade.
A pandemia do novo coronavírus se provou um grande imprevisto premeditado. Epidemiologistas já alertavam para a possibilidade de a ocorrência de eventos deste tipo há bastante tempo, ainda assim, o mundo pareceu ter sido pego de surpresa e poucos países souberam lidar com a situação de forma eficiente, reduzindo a contaminação, evitando mortes e reduzindo as perdas na economia.
Infelizmente, o Brasil se destaca como um caso trágico. Os casos se Covid-19 seguem crescendo exponencialmente e o país ocupa o segundo lugar no mundo em número de casos confirmados e mortes, respectivamente 978.142 e 47.748, até 18 de junho. Especificamente na região sudeste do país, São Paulo e Rio de Janeiro lideram as estatísticas de casos acumulados. Por outro lado, o vizinho Minas Gerais apresenta uma situação comparativamente mais controlada, o que de qualquer forma não representa um cenário não preocupante. O estado ostenta o título de unidade federativa com o maior número de municípios (853) no país e, portanto, lida com as mais distintas realidades no enfrentamento da crise de saúde pública.
Neste contexto, Governador Valadares, o município com 9ª maior população em Minas Gerais (IBGE, 2010), é um caso interessante a ser observado para tentar compreender o que se pode esperar de municípios de médio porte e afastadas das grandes metrópoles. A cidade está inserida no médio Rio Doce e ocupa um lugar de protagonismo entre as pequenas cidades em seu entorno, funcionando como ponto de referência para serviços de saúde, comércio e outras atividades econômicas.
Seguindo as diretrizes de atuação do estado de Minas Gerais, a Prefeitura Municipal decretou estado de emergência na saúde pública no dia 18 de março, dando início a uma série de medidas sanitárias restritivas e de isolamento social nos dias seguintes. No dia 24 de março a cidade registrou o primeiro caso confirmado de Covid-19 e manteve um quadro estável no crescimento no número de casos durante algumas semanas. Em meados de abril, os decretos municipais passaram a seguir uma tendência de flexibilização e abertura gradual para as atividades econômicas. O gráfico a seguir apresenta a progressão dos casos confirmados na cidade a cada segunda-feira, desde a data de publicação do primeiro boletim epidemiológico da prefeitura:
Atualmente, boa parte das atividades econômicas da cidade seguem funcionando mediante a restrições sanitárias e medidas de distanciamento social, o que não necessariamente garante que a população vem cumprindo as recomendações. Após a rápida aceleração do espalhamento da doença na cidade, que nesta quinta-feira (18 de junho) atingiu o patamar de 559 casos registrados, um novo decreto da prefeitura aumentou as restrições para o funcionamento de estabelecimentos de alguns seguimentos e reforçou as medidas de incentivo ao uso de máscaras.
Do ponto de vista da economia, logo nos primeiros meses da pandemia, formou-se um consenso entre os economistas brasileiros a respeito da importância do isolamento social e das medidas restritivas de contato de contato físico para superar a crise na saúde pública. Tratando-se de Governador Valadares, boa parte de sua atividade econômica concentra-se nos setores de serviços e comércio, correspondendo a 58% de seu PIB em 2017 (SIDRA), 81% dos estabelecimentos e 72% dos empregos em 2018 (RAIS). Muitas vezes as atividades desempenhada nestes setores dependem de contato entre empresa e cliente, sendo assim das mais afetados por medidas de distanciamento social.
Em um esforço para levantar e divulgar informações socioeconômicas relevantes sobre a realidade do município, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento (SMDE) passou a elaborar boletins informativos, um destes (Boletim nº 5) apresentou uma perspectiva de como a economia do município pode ter se comportado durante a pandemia e o que se espera durante o período de recuperação. Baseando-se em relatórios do Sebrae, Bain & Company, Elo e Deloitte, foram propostos 5 cenários possíveis nos quais estão inseridos os seguintes setores econômicos:
I. Aumento na demanda durante a crise e se mantém alta no longo prazo: Saúde humana, serviços de tecnologia da informação e ferramentas de trabalho remoto.
II. Aumento na demanda durante a crise e retomada do nível normal seguida: Varejo alimentício, supermercados, farmácias e fabricação produtos de limpeza e alguns EPIs.
III. Demanda estável sem perspectiva de grandes mudanças em seguida: Educação, administração pública, agropecuária e fabricação de produtos alimentícios.
IV. Queda na demanda durante a crise com recuperação em seguida: Comércio (exceto bens alimentícios), atividades ligadas a transporte e serviços de beleza.
V. Queda na demanda durante a crise com lenta retomada: Indústrias de base tecnológica, alimentação e lazer fora do lar, construção civil e turismo.
Utilizando dados do número de estabelecimentos e empregos formais disponíveis na RAIS para o ano de 2018, o boletim apresentou o panorama da seguinte distribuição nos cenários propostos:
De forma complementar, ao observar os números dos microempreendedores individuais disponíveis Portal do Empreendedor, 84% dos MEIs de Governador Valadares (fevereiro, 2020) podem ser encaixados nos dois cenários mais graves propostos.
Se comparada a outras cidades, o período de isolamento social mais rígido em Governador Valadares não foi tão extenso, contudo, este tempo pode ter sido suficiente para colocar muitos empresários e comerciantes em situação de fragilidade, ameaçando empregos e a geração de renda no município. Além disso, os hábitos dos consumidores e as preferências na alocação de recursos têm passado por significativas mudanças, o que deve impactar toda a economia durante um horizonte de tempo significativo, assim, a perspectiva futura apresentada anteriormente se faz relevante no sentido de tentar compreender o desafio que os valadarenses devem enfrentar nos próximos tempos.
A situação enfrentada pela cidade e pelo país é preocupante, provavelmente junho será o mês mais dramático da primeira onda do novo coronavírus. Como foi apresentado neste texto, os problemas não residem apenas nos grandes centros, é preciso que todas as localidades estejam atentas e precavidas. No momento, ainda não foi encontrada uma vacina ou medicamento comprovadamente eficiente para sanar a pandemia, o que resta é escutar os especialistas e tomar todas as precauções conhecidas para evitar a contaminação e propagação do vírus.
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Este texto faz parte do projeto Revista Jabuticaba e finaliza uma série especial de textos relacionados à pandemia do coronavírus.
Outros textos da série Covid-19:
I. Coronavírus: de onde vem, pra onde foi e como está se dissipando, por Victor Moraes.
II. Coronavírus nas economias latino-americanas, por Mateus Moreira de Jesus Ferreira e Renzo Heli Rodrigues.
III. Economistas no Brasil da Pandemia, por João A. Leite.
IV. Será o Plano Pró-Brasil um investimento em elefantes brancos?, por Bruna Araújo.
V. Os ecos da Covid-19 no Mercosul, por Bruno Machado.
VI. Uma história de presidentes e vírus, por Pedro Rezende.
VII. Economia, pandemia e guerra: o desafio de juntar os destroços, por Ana Letícia Pastore.
VIII. A Uberização do trabalho em tempos de pandemia, por Daniel Guzzo Moratti.
IX. Indústria 4.0 e coronavírus: oportunidades e desafios, por Maria Luiza Artuzo.