X. Governador Valadares e a Pandemia

Diagnósticos e perspectivas para a cidade.

João A. Leite
Revista Jabuticaba
6 min readJun 19, 2020

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A pandemia do novo coronavírus se provou um grande imprevisto premeditado. Epidemiologistas já alertavam para a possibilidade de a ocorrência de eventos deste tipo há bastante tempo, ainda assim, o mundo pareceu ter sido pego de surpresa e poucos países souberam lidar com a situação de forma eficiente, reduzindo a contaminação, evitando mortes e reduzindo as perdas na economia.

Infelizmente, o Brasil se destaca como um caso trágico. Os casos se Covid-19 seguem crescendo exponencialmente e o país ocupa o segundo lugar no mundo em número de casos confirmados e mortes, respectivamente 978.142 e 47.748, até 18 de junho. Especificamente na região sudeste do país, São Paulo e Rio de Janeiro lideram as estatísticas de casos acumulados. Por outro lado, o vizinho Minas Gerais apresenta uma situação comparativamente mais controlada, o que de qualquer forma não representa um cenário não preocupante. O estado ostenta o título de unidade federativa com o maior número de municípios (853) no país e, portanto, lida com as mais distintas realidades no enfrentamento da crise de saúde pública.

Av. Minas Gerais, uma das principais ruas da cidade. Autoria própria.

Neste contexto, Governador Valadares, o município com 9ª maior população em Minas Gerais (IBGE, 2010), é um caso interessante a ser observado para tentar compreender o que se pode esperar de municípios de médio porte e afastadas das grandes metrópoles. A cidade está inserida no médio Rio Doce e ocupa um lugar de protagonismo entre as pequenas cidades em seu entorno, funcionando como ponto de referência para serviços de saúde, comércio e outras atividades econômicas.

Seguindo as diretrizes de atuação do estado de Minas Gerais, a Prefeitura Municipal decretou estado de emergência na saúde pública no dia 18 de março, dando início a uma série de medidas sanitárias restritivas e de isolamento social nos dias seguintes. No dia 24 de março a cidade registrou o primeiro caso confirmado de Covid-19 e manteve um quadro estável no crescimento no número de casos durante algumas semanas. Em meados de abril, os decretos municipais passaram a seguir uma tendência de flexibilização e abertura gradual para as atividades econômicas. O gráfico a seguir apresenta a progressão dos casos confirmados na cidade a cada segunda-feira, desde a data de publicação do primeiro boletim epidemiológico da prefeitura:

Fonte: Elaboração própria a partir de dados obtidos na página oficial da Prefeitura Municipal de Governador Valadares no Instagram.

Atualmente, boa parte das atividades econômicas da cidade seguem funcionando mediante a restrições sanitárias e medidas de distanciamento social, o que não necessariamente garante que a população vem cumprindo as recomendações. Após a rápida aceleração do espalhamento da doença na cidade, que nesta quinta-feira (18 de junho) atingiu o patamar de 559 casos registrados, um novo decreto da prefeitura aumentou as restrições para o funcionamento de estabelecimentos de alguns seguimentos e reforçou as medidas de incentivo ao uso de máscaras.

Do ponto de vista da economia, logo nos primeiros meses da pandemia, formou-se um consenso entre os economistas brasileiros a respeito da importância do isolamento social e das medidas restritivas de contato de contato físico para superar a crise na saúde pública. Tratando-se de Governador Valadares, boa parte de sua atividade econômica concentra-se nos setores de serviços e comércio, correspondendo a 58% de seu PIB em 2017 (SIDRA), 81% dos estabelecimentos e 72% dos empregos em 2018 (RAIS). Muitas vezes as atividades desempenhada nestes setores dependem de contato entre empresa e cliente, sendo assim das mais afetados por medidas de distanciamento social.

Em um esforço para levantar e divulgar informações socioeconômicas relevantes sobre a realidade do município, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento (SMDE) passou a elaborar boletins informativos, um destes (Boletim nº 5) apresentou uma perspectiva de como a economia do município pode ter se comportado durante a pandemia e o que se espera durante o período de recuperação. Baseando-se em relatórios do Sebrae, Bain & Company, Elo e Deloitte, foram propostos 5 cenários possíveis nos quais estão inseridos os seguintes setores econômicos:

I. Aumento na demanda durante a crise e se mantém alta no longo prazo: Saúde humana, serviços de tecnologia da informação e ferramentas de trabalho remoto.

II. Aumento na demanda durante a crise e retomada do nível normal seguida: Varejo alimentício, supermercados, farmácias e fabricação produtos de limpeza e alguns EPIs.

III. Demanda estável sem perspectiva de grandes mudanças em seguida: Educação, administração pública, agropecuária e fabricação de produtos alimentícios.

IV. Queda na demanda durante a crise com recuperação em seguida: Comércio (exceto bens alimentícios), atividades ligadas a transporte e serviços de beleza.

V. Queda na demanda durante a crise com lenta retomada: Indústrias de base tecnológica, alimentação e lazer fora do lar, construção civil e turismo.

Utilizando dados do número de estabelecimentos e empregos formais disponíveis na RAIS para o ano de 2018, o boletim apresentou o panorama da seguinte distribuição nos cenários propostos:

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Boletim nº 5 da SMDE, Retomada da economia valadarense.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Boletim nº 5 da SMDE, Retomada da economia valadarense.

De forma complementar, ao observar os números dos microempreendedores individuais disponíveis Portal do Empreendedor, 84% dos MEIs de Governador Valadares (fevereiro, 2020) podem ser encaixados nos dois cenários mais graves propostos.

Se comparada a outras cidades, o período de isolamento social mais rígido em Governador Valadares não foi tão extenso, contudo, este tempo pode ter sido suficiente para colocar muitos empresários e comerciantes em situação de fragilidade, ameaçando empregos e a geração de renda no município. Além disso, os hábitos dos consumidores e as preferências na alocação de recursos têm passado por significativas mudanças, o que deve impactar toda a economia durante um horizonte de tempo significativo, assim, a perspectiva futura apresentada anteriormente se faz relevante no sentido de tentar compreender o desafio que os valadarenses devem enfrentar nos próximos tempos.

A situação enfrentada pela cidade e pelo país é preocupante, provavelmente junho será o mês mais dramático da primeira onda do novo coronavírus. Como foi apresentado neste texto, os problemas não residem apenas nos grandes centros, é preciso que todas as localidades estejam atentas e precavidas. No momento, ainda não foi encontrada uma vacina ou medicamento comprovadamente eficiente para sanar a pandemia, o que resta é escutar os especialistas e tomar todas as precauções conhecidas para evitar a contaminação e propagação do vírus.

As opiniões e ideias expressas aqui são de única e total responsabilidade do autor, não refletindo o posicionamento de organizações e instituições das quais o mesmo faz parte. Os dados e informações chaves estão referenciados em hiperlink.

Este texto faz parte do projeto Revista Jabuticaba e finaliza uma série especial de textos relacionados à pandemia do coronavírus.

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João A. Leite
Revista Jabuticaba

Mineiro e bacharel em ciências econômicas pela UFJF. Externalizo aqui alguns pensamentos, análises e reflexões que ebolem na minha mente inquieta.