Preconceito acima de tudo, repressão pra cima de todos

Uma análise dos impactos políticos de Bolsonaro nas minorias sociais: LGBTQ+s, indígenas, imigrantes/refugiados e negros.

Revista Torta
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17 min readJul 26, 2019

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Por Arthur Almeida e Eduarda Motta

Editado por Arthur Almeida e Giovana Silvestri

Foto por Vinicios Rosa | Modelos Gustavo Forcim, Thayna Santos, Isadora Santos e Juliê Bittencourt

Por que estamos falando sobre isso?

Jair Messias Bolsonaro é — agora, em âmbito internacional — reconhecido por suas diversas declarações polêmicas no que envolve populações e grupos sociais tidos historicamente como marginalizados e vulneráveis. Ele sendo, inclusive, já várias vezes condenado legalmente a pagar indenizações por danos morais. Dentre elas, pode-se citar como exemplos:

“Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja, eu não corro esse risco e meus filhos foram muito bem educados, e não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu”, em resposta à pergunta “e se seu filho se apaixonasse por uma negra?” da cantora Preta Gil, em entrevista de 2011 ao extinto programa CQC (TV Bandeirantes).

“Porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece”, em episódio de 2014, envolvendo a deputada Maria do Rosário, atual deputada federal pelo Rio Grande do Sul, filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT).

“Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”, em discurso de pré-candidatura no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, em 3 abril de 2017.

O político, porém, foi eleito. Assim, enquanto representante do cargo Executivo, é exigido que ele assuma responsabilidades e proponha medidas políticas que contemplem e visem o bem-estar social dessas populações.

Foto por Vinicios Rosa | Modelo Juliê Bittencourt

E, como dialoga o artigo “Como Entender e Atender aos Direitos das Minorias?”, da Mestra em Direito e pesquisadora Maria Cristina Alves Delgado de Ávila, é necessário que as minorias reivindiquem seus direitos a fim de tê-los assegurados e protegidos pelo governo, bem como sua identidade própria.

Desta forma, os grupos compostos por minorias representativas participam e contribuem para as instituições democráticas por meio da Constituição Federal de 1988, vigente na atualidade. Essa proíbe expressamente qualquer ato discriminatório, como se vê no Artigo 216:

“Constituem o patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.”

Dessa forma, estabelece-se a pluralidade social como patrimônio cultural e é garantido o direito de serem diferentes aos grupos minoritários. Assim, explicitando que quaisquer formas de preconceito ou discriminação são vedadas e intoleráveis, sob pena de afronta aos princípios constitucionais.

Foto Por Vinicios Rosa | Modelos Gustavo Forcim (bissexual), Thayna Santos (genêro-fluído), Isadora Santos e Juliê Bittencourt (não-binária)

Nesse sentido, os posicionamentos de Bolsonaro — que se encaminharam no formato de medidas políticas efetivas após a sua eleição — revelam-se problemáticos; não apenas em reforçar e legitimar o estado de repressão e violência para com grupos historicamente marginalizados, mas também de infringir aquilo expresso na Constituição.

Por exemplo, em movimento contrário ao que governos anteriores propunham no que diz respeito ao debate acerca dos direitos políticos e civis, isso é, a criação de ministérios e secretarias específicas para cada discussão e grupo sociais, Bolsonaro implementou logo no seu primeiro dia no cargo uma Medida Provisória (MP) — a MP número 870/19 — que criou um único ministério na Esplanada Federal para responder para múltiplos assuntos.

O Artigo 43 da MP explicita que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos tem como políticas e diretrizes destinadas à promoção dos Direitos Humanos, incluídos nisso estão os:

  1. direitos da mulher;
  2. direitos da família;
  3. direitos da criança e do adolescente;
  4. direitos da juventude;
  5. direitos do idoso;
  6. direitos da pessoa com deficiência;
  7. direitos da população negra;
  8. direitos das minorias étnicas e sociais;
  9. e direitos do índio, inclusive no acompanhamento das ações de saúde desenvolvidas em prol das comunidades indígenas, sem prejuízo das competências do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

(Vale a ressalva que esses elementos foram transcritos exatamente e na íntegra como foram apresentados na MP e disponibilizados no Diário Oficial da União)

Foto por Vinicios Rosa | Modelo Juliê Bittencourt (não-binária)

Essa política de união de ministérios e pautas em uma mesma instituição de política pública, como abordado no texto “Coalizão: Uma moeda de troca sem valor”, desta edição da Revista Torta, é problemática, pois não consegue atender a todas as suas demandas.

LGBTQ+s

Foto por Vinicios Rosa

A Torta já, algumas vezes, analisou a relação de Jair Bolsonaro com a Comunidade LGBTQ+ (Lésbica, Gay, Bissexual, Transgênero, Transexual, Travesti, Queer, entre outras identidades sexuais e de gênero), como no texto “LGBTQ+fobia na sociedade e na mídia”, de nossa primeira edição. Em síntese: essa relação não é nada boa.

Desde muito antes de sua candidatura, “Bolsonaro” já era um nome comum em polêmicas envolta de casos de LGBTQ+fobia. Com comentários que, sem sombra de dúvida, ferem os Direitos Humanos, o presidente, inclusive, já declarou ser “homofóbico com muito orgulho”.

Assim, não foi surpresa para ninguém que seu discurso eleitoral, em muitas vezes, fazia alusão à inviabilização e à descredibilidade da população LGBTQ+, como foi toda a polêmica envolta da fake news do — pejorativamente — chamado “kit gay” (projeto oficialmente nomeado como “Escola Sem Homofobia”). Quando eleito, Bolsonaro fez jus ao nome.

Logo no primeiro dia de mandato, Bolsonaro assinou a MP 870/19, que criou o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, como já apresentado neste texto. Essa medida retirou — e você pode conferir isso acima — os LGBTQ+s das diretrizes do principal órgão público responsável por garantir os Direitos Humanos no país.

Foto por Vinicios Rosa | As modelos Thayna Santos (genêro-fluído) e Isadora Santos se consideram parte da Comunidade LGBTQ+ e são um casal

Dessa forma, as políticas pelos direitos da Comunidade serão retiradas do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, ficando, assim, a cargo de uma diretoria subordinada à Secretaria Nacional de Proteção Global do ministério. Isso representa um grande retrocesso na garantia de direitos da população queer.

Ainda na primeira semana do Governo Bolsonaro, o Ministério da Saúde retirou, a princípio sem justificativa, de ar a cartilha “Homens Trans: vamos falar sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis?”, documento voltado aos cuidados da saúde da população transmasculina.

Após reclamações diversas, a cartilha voltou à página do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério sob o pretexto de “atualização, revisão e correção”.

Em abril, Bolsonaro em coletiva de imprensa, após o Museu de História Natural de Nova York (EUA) recusar-se a alugar o espaço e sediar o evento de premiação do político como “Pessoa do Ano” pela Câmara de Comércio Brasil-EUA, afirmou que isso deu-se por sua “imagem de homofóbico”. Em seguida, ele justificou sua homofobia dizendo que:

“O Brasil não pode ser um país do mundo gay, do turismo gay. Temos famílias”

Nem um mês desde esse acontecimento, o presidente assinou um decreto que criou o Plano Nacional de Turismo de 2018 a 2022, elaborado durante o governo de Michel Temer. O texto formulado pelo ex-ministro do Turismo, Marx Beltrão, foi seguido à risca, com exceção de um ponto: o incentivo ao turismo LGBTQ+.

Foto por Vinicios Rosa | Modelos Gustavo Forcim e Thayna Santos

Um estudo do Fórum de Turismo LGBT, realizado pela Associação Brasileira de Turismo LGBT (ABTLGBT) apontou que o Brasil é o país latinoamericano que detém o maior potencial econômico do turismo neste setor. Em 2017, foi registrado crescimento de 11% nesse segmento, enquanto o turismo geral subiu só 3,5%.

Neste ano, a 23ª edição da Parada LGBTQ+ da cidade de São Paulo (23/06), considerado o maior ato do mundo, reuniu, segundo os organizadores, cerca de 3 milhões de pessoas nas áreas da Avenida Paulista, Consolação e República. Em homenagem ao aniversário de 50 anos da Rebelião de Stonewall, foi a maior manifestação LGBTQ+ já registrado na história.

Foto por Vinicios Rosa | Modelo Juliê Bittencourt

Segundo a Prefeitura de São Paulo, a Parada movimentou cerca de R$ 403 milhões na economia da cidade, valor 40% maior do que o registrado na edição de 2018 do evento. A Secretaria Municipal de Turismo afirmou, também, que houve um aumento de 78% no número de visitantes em relação a 2017, o último ano do estudo.

Foto por Vinicios Rosa | Modelos Thayna Santos e Isadora Santos

Ainda em abril, Bolsonaro, em reunião com agências de publicidade, criou uma espécie de “Dicionário da Censura”, que proibe a utilização de termos e expressões que remetem ao universo LGBTQ+ em peças publicitárias de empresas estatais. A medida teve como origem um veto do presidente em uma campanha marcada pela diversidade do Banco do Brasil.

Esses são somente alguns exemplos de como a estratégia política e as prioridades de Bolsonaro seguem muito mais uma linha de atuação associada às suas ideologias e ao seu conservadorismo moral do que à busca pelo bem-estar social e o desenvolvimento econômico liberal.

Em contrapartida aos retrocessos impulsionados pelo presidente eleito, porém, nesse pouco mais de um semestre de Governo Bolsonaro, outra medida política, essa uma vitória à Comunidade, tomou espaço de discussão no Poder Judiciário e nos veículos comunicativos: a Criminalização da LGBTQ+fobia. Aprovada em junho, o projeto foi o tema do Dossiê inaugural da Revista Torta.

Indígenas

Foto por Vinicios Rosa | Modelo Yndyana Souza

A Constituição Federal de 1988, no Capítulo VIII, reconhece a existência indígena no país e descreve as responsabilidades do Estado para com essa população. No Artigo 231, consta:

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”

Segundo o programa “Povos Indígenas no Brasil” do Instituto Socioambiental (ISA), a institucionalização dos direitos indígenas foi de extrema importância na luta indígena no sentido de ter superado a “perspectiva assimilacionista, que entendia os índios como categoria social transitória, fadada ao desaparecimento” e o fato das terras das comunidades serem definidas enquanto “direitos originários”, isto é, anteriores à criação do próprio Estado.

Foto por Vinicios Rosa

Com forte apoio do Agronegócio — inimigo histórico da luta indígena -, Bolsonaro foi eleito defendendo pautas contrárias aos direitos indígenas, que, inclusive, podem ser vistas como inconstitucionais.

Por meio da, já citada algumas vezes neste texto, MP 870/19, Bolsonaro realocou a responsabilidade pela Fundação Nacional do Índio (Funai) do Ministério da Justiça (MJ) para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Também, a partir do Decreto 9667/19, ele entregou a competência de identificação, delimitação, demarcação e registro das terras indígenas da Funai para a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

“Se eleito eu vou dar uma foiçada na Funai. Uma foiçada no pescoço. Não tem outro caminho. Não serve mais.”, falou o — então — presidenciável em palestra com empresários no Espírito Santo.

Outro ponto importante nessa discussão é a maior flexibilização do Estatuto do Desarmamento: Bolsonaro, promoveu, por meio dessa, uma facilitação do porte e posse de armas por parte dos fazendeiros. Como defendido por Cleber César Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), essa medida tem capacidade de provocar um grande desastre, como o retorno da prática do genocídio indígena.

Foto por Vinicios Rosa | Modelo Yndyana Souza

Assim, concomitantemente, o presidente eleito, de um lado, está cercando os indígenas a partir de limites aos órgão responsáveis pela fiscalização e manutenção de seus direitos e, de outro, potencializa, disponibilizando armamento aos grandes latifundiários, a radicalização de um conflito antigo e já muito violento.

A municipalização da saúde indígena — que, apesar, de ser uma discussão antiga no país, existente desde a década de 1960 — foi outra medida polemizada durante o Governo Bolsonaro. Sobretudo durante os meses de março e abril, quando diversos atos indígenas foram organizados pelo país.

A municipalização pode ser entendida como um plano de descentralização da gestão do sistema de saúde. Nesse sentido, a ação transfere as responsabilidades legais do âmbito da saúde da esfera federal (Estado) para a municipal (prefeitura).

Porém, em “Municipalização da saúde: Os caminhos do labirinto”, Carmen Fontes Teixeira aponta que o projeto oculta uma lógica precarizante, podendo flexibilizar os projetos de privatização de órgãos e mecanismos da saúde pública, além de desresponsabilizar o Estado pela proveniência de verbas, fiscalizações e garantia de funcionalidade dos serviços prestados.

No que diz respeito à saúde indígena, a medida pioraria o já problemático atendimento desta população, pois o município, sem a responsabilidade de providenciar a saúde dos civis, já enfrenta muitas adversidades.

Ainda em abril, em audiência pública, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, Marco Antonio Toccolini, atual secretário da Secretaria Especial da Saúde Indígena (SESAI), desconsiderou a possibilidade da municipalização, encerrando o debate do assunto.

Foto por Vinicios Rosa | Modelo Yndyana Souza

Imigrantes/Refugiados

No que diz respeito à situação dos refugiados — sobretudo daqueles advindos da Venezuela — o presidente Jair Bolsonaro toma posicionamentos contraditórios desde a sua candidatura. Durante a campanha pelo interior de São Paulo, por exemplo, o político criticou a Lei de Imigração em vigor e afirmou:

“O Brasil não pode ser um país de fronteiras abertas.”

A solução proposta, na época, pelo presidente para resolver a problemática do elevado número de venezuelanos que adentravam o país foi a de criar campos de refugiados próximos às fronteiras para abrigar a população venezuelana, contando, para isso, com o auxílio da Organização das Nações Unidas (ONU).

A proposta era justificada pelo político a partir da preocupação com a aproximação do Brasil para com o regime venezuelano. Outros receios alegados foram a falta de recursos que enfrentaria Roraima, bem como os casos de violência e vandalização dos imigrantes.

Foram realizadas reuniões com o intuito de debater o fechamento da fronteira, opção defendida por Nicolás Maduro (presidente da Venezuela), abolida, porém, pelo governo brasileiro, que seguiu com os planos de ajuda humanitária, como propunha o artigo “Roraima, prioridade do governo federal”, escrita por Bolsonaro no jornal Folha de Boa Vista em janeiro deste ano.

Sobrepondo-se às alegações iniciais do presidente — que apontavam o perigo em receber os refugiados -, esse artigo propõe um ponto de vista mais empático sobre a situação dos venezuelanos e dos moradores das cidades de Boa Vista e Pacaraima.

No documento, ele afirma que, como país democrático, o Brasil não poderia abandonar os venezuelanos, que “clamam por ajuda”. Assim, no dia 30 de abril, Bolsonaro assinou a MP 880/19, que liberou R$ 223,85 milhões destinados à ajuda humanitária.

Mesmo com tais medidas, a prioridade do presidente é o estado de Roraima. Para auxiliá-lo, as estratégias estabelecidas visam “tirar pressão sobre os serviços públicos do Estado e de seus municípios”:

“Por tudo o que Roraima tem feito, pelo seu potencial e importância estratégica, as ações do Governo Federal preveem a manutenção das medidas de ajuda e o programa de interiorização, mas vão além disso. Passam pela melhoria da qualidade de vida da população, pelo desenvolvimento da economia — em especial, da produção agropecuária — e pela geração de mão de obra. Sim, Roraima é prioridade para o Governo Federal.”, afirma Bolsonaro em trecho do artigo.

Entretanto, em paralelo a isso, o presidente revogou a adesão do Brasil ao Pacto Global para Migração, que orienta e estabelece instruções nos cuidados legais dos imigrantes. Bolsonaro justificou o seu ato a partir do que ele chamou de “preservação dos valores nacionais”.

Dessa forma, por meio do Twitter, em janeiro, ele declarou que “quem porventura vier para cá deverá estar sujeito às nossas leis, regras e costumes”. O político disse, ainda, que a questão imigratória não deve ser tratada em âmbito mundial, mas sim de acordo com a “realidade e soberania de cada país”.

Foto, montagem e sobreposição por Erica Franzon

Assim, é possível notar que, ainda que tenha disponibilizado recursos financeiros para a causa, o presidente seguiu tomando providências que dificultam o zelo pelos Direitos Humanos dos refugiados no país.

Ademais, o referido seguiu fazendo alegações desrespeitosas sobre os imigrantes e refugiados, desta vez, internacionalmente. Em março, o presidente, acompanhado de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), causou polêmica nos EUA.

“A vasta maioria dos imigrantes em potencial não tem boas intenções. Eles não pretendem fazer o melhor ou coisas boas para o povo dos EUA”, declarou o presidente para a televisão de viés conservador Fox News.

Nessa entrevista, Bolsonaro não entrou em detalhes a respeito de suas intenções em Washington, entretanto, afirmou que se tratava de um “começo de uma parceria” entre ele e Donald Trump, presidente estadunidense. O brasileiro, ainda, destacou a sua admiração por suas propostas políticas, inclusive a de construir um muro divisório na fronteira entre os EUA e o México.

Na mesma viagem, o presidente dispensou os cidadãos estadunidenses da necessidade de visto para viajar ao Brasil, deixando ainda mais clara a sua intenção de criar uma aliança com o país e que sua preocupação para com imigrantes não se aplicava a eles.

Negros

Foto por Vinicios Rosa | Modelo Nayra Oliveira

Ainda antes de ser eleito Presidente da República, Jair Bolsonaro tomou posicionamentos e fez declarações racistas que causaram repercussões negativas durante a sua campanha presidencial. Essas falas, porém, não o impediram de ser eleito.

A primeira grande polêmica acerca do assunto foi envolvendo a cantora Preta Gil, em entrevista ao extinto programa CQC, em 2011, como já citado anteriormente neste texto. Entretanto, alegações preconceituosas, como essa, continuaram sendo feitas ao decorrer dos anos. Um exemplo disso é o ataque do presidente às populações quilombolas:

“Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles.”, disse Bolsonaro em atividade no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, em abril de 2017.

Diante de tal declaração, Raquel Dodge, Procuradora-Geral da República, se pronunciou a respeito do ocorrido, acusando Bolsonaro de alusão ao regime escravocrata, em que a população negra era tratada como mercadoria, além de ser animalizada, por utilizar a palavra “arroba” — usualmente utilizada para se referir à massa corpórea do gado — para designar seu peso.

Narrativa visual por Vinicios Rosa | Modelo Nayra Oliveira | Frase retirada da música “Cota não é esmola” de Bia Ferreira

Ademais, a procuradora afirmou que Bolsonaro feriu a ideia de igualdade como direito universal protegido pela Constituição brasileira e por todos os Tratados e Convenções Internacionais de que o Brasil faz parte.

Após este episódio, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro afirmou que as expressões usadas pelo parlamentar foram discriminatórias e injuriosas e causavam ofensa e ridicularização às comunidades quilombolas e à população negra. Por isso, em outubro de 2017, o, então, deputado foi condenado a pagar uma indenização de 50 mil reais pelo crime de danos morais.

Entretanto, em setembro de 2018, os desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF) alteraram a decisão. Logo em seguida, o Ministério Público Federal recorreu, a fim dar continuidade à condenação, porém, ele teve o seu recurso negado e desistiu da ação. Após isso, o TRF certificou o trânsito em “julgado” e o presidente livrou-se do caso.

Depois de eleito, o presidente tomou mais cautela com esse tipo de comentário sobre a população negra, entretanto, suas atitudes continuaram revelando uma posição, não só racista, mas também, intolerante para com todo o tipo de diversidade.

Em abril, como já citado neste texto, Bolsonaro exigiu que saísse do ar uma campanha do Banco do Brasil por conter “diversidade demais”. O comercial contava com atores e atrizes negros e jovens, tatuados, usando anéis, dreadlocks e cabelos compridos.

Inclusive, Delano Valentim, o diretor de Comunicação e Marketing responsável pela peça publicitária, foi demitido de seu cargo em decisão consensual entre Bolsonaro e o presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes.

A repercussão causada pela censura gerou comentários negativos tanto para o político, quanto para o Banco do Brasil. Entidades que lutam pela inclusão da população negra, como a Educafro, consideram a propaganda uma “conquista dos excluídos”, enquanto sua retirada caracteriza um “retrocesso”.

“Essa atitude é um retrocesso ao debate de promoção da diversidade e da igualdade que cobramos do Banco do Brasil e de todo o sistema financeiro, que fere as ações que reivindicamos para combater a discriminação racial e a inclusão e promoção de mais negros no mercado financeiro.”, critica Neiva Ribeiro, secretária-geral do Sindicato dos Bancários de São Paulo.

Essas atitudes vindas de uma figura de autoridade reforçam na sociedade o imaginário de inferioridade e violências sistemáticas para com as minorias, colaborando, assim, com a permanência desses grupos em condições subalternas. Além disso, outras esferas do Governo Bolsonaro, como a econômica, podem afetar diretamente essas populações.

Segundo o artigo “Segregação ocupacional no mercado de trabalho segundo cor e nível de escolaridade no Brasil contemporâneo”, de Rosana Aparecida Ribeiro e Guilherme Silva Araújo, professores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), o que motiva os empregadores a preferirem a contratação de homens brancos são considerações a respeito de seu status na sociedade.

Dessa forma, a política do Governo Bolsonaro e as consequências mostradas pelos pesquisadores, conduzem a segregação ocupacional:

“Mais uma vez, a discriminação no mercado de trabalho e a segregação ocupacional têm estreita vinculação. O modelo de Becker (1957), baseado no raciocínio da maximização dos lucros dos empregadores, aponta que existe uma explicação econômica para o preconceito porque a produtividade real dos grupos discriminados é desvalorizada pelos empregadores”, revelam Ribeiro e Araújo no artigo.

Em paralelo a isso, a proposta apresentada por Paulo Guedes, atual ministro da Economia, que visa uma política neoliberal combinando a Reforma da Previdência e a alteração no modelo tributário brasileiro, recai de maneira desigual sobre a comunidade negra.

Como exemplo, pode-se citar a proposta de redução do valor máximo do Imposto de Renda, que fere o princípio de regressividade do sistema tributário. Essa proposta diminui o valor pago pelos mais ricos e aumenta o valor pago pelos mais pobres.

A medida afeta diretamente a população negra, visto que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 78,5% dos mais pobres no país são negros, contra 20,8% de brancos. Os dados se invertem entre os mais ricos: 72,9% são brancos e 24,8% são negros.

Foto por Vinicios Rosa | Modelo Nayra Oliveira

Com isso, Bolsonaro colabora com a permanência de uma base social que mantém os negros em posições marginalizadas que se fazem presentes desde a abolição da escravidão, além de aumentar a desigualdade do país e, consequentemente, a violência.

Quanto a isso, a política defendida por Sérgio Moro, ministro da Justiça, de flexibilização do porte de armas e maior justificação para a execução de pessoas por parte dos policiais, torna-se perigosa para esse nicho social. De acordo com o Atlas da Violência de 2017, das 62.517 pessoas que foram assassinadas no país, 71,5% eram negras.

Em suma, como conclui o artigo, para terminar com a segregação ocupacional racista são necessárias ações de política afirmativa implementadas através de legislação estatal, programas governamentais específicos e constante supervisão e avaliação do governo.

Entretanto, como aqui abordado, Jair Messias Bolsonaro, tampouco seus ministros, está realizando quaisquer políticas públicas que visem reverter o quadro de discriminação para com os negros — ou qualquer outro grupo social contemplado neste texto, diga-se de passagem — no Brasil. Pelo contrário, o governo tem fechado ainda mais seus olhos para essas questões.

Foto por Vinicios Rosa | Modelo Nayra Oliveira

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