Sete #5 — Alcançar estrelas.

Renato Nascimento
Sete Crônicas
Published in
4 min readOct 2, 2017

Humanos... seres tão contraditórios, gritam por liberdade mas vivem presos, "ganham" a vida gastando-a em horas e horas no trabalho, clamam por amor mas o ignora quando o recebem, e tentam a qualquer custo se encaixar em uma sociedade que insistem em julgar.

As leis são dos homens, as regras, o estilo de vida, as etiquetas, todas elas são lei dos homens, ainda assim se não segui-las você será taxado de anti-social, inapropriado e até mesmo louco. As pessoas passam toda uma vida querendo se encaixar, colocando suas máscaras e saindo aos risos em público para se mostrarem normais porquê, segundo elas, esse é o comportamento normal, e seria loucura não ser como os demais. Vejo o mesmo rosto, mesmas vozes e os mesmos gostos por onde quer que eu ande e isso tudo é tão entediante.

Meu vizinho, Gabriel, é diferente, nunca conseguiu se encaixar, acho que nem tenta na verdade. Sua história é bem trágica. Foi adotado quando criança, tinha uma nova família que o amava e não conseguia demonstrar o mesmo, tinha dinheiro mas não o gastava, acho que nem se divertia. Ele passa boa parte da noite observando as estrelas e uma vez o vi querendo alcança-las com a palma da mão.

Quando adolescente sofreu um horrível acidente de carro onde perdeu a mãe adotiva. Foi aí que o conheci. Quando o vi no hospital, o percebi tão diferente das pessoas comuns, uma espécie de luz o cercava e seu rosto sempre de tranquilidade. Mesmo depois de saber da morte de sua mãe. Me senti intrigada com sua expressão, o modo que ignorava as coisas que não lhe importava, a simplicidade de seus atos e ainda assim não indiferente com o destino de seus parentes. Um sujeito deveras intrigante.

Levei leite e pão e me sentei ao seu lado, no seu leito de hospital naquela ocasião. Sua expressão não fora de espanto, ele apenas me agradeceu e sorriu. Me pegou de jeito, eu que adorava testar a reação dessas pessoas me peguei sem reação alguma.

Passamos a nos conhecer melhor, ele ria das minhas roupas e eu ria dos machucados que fazia nele por ter rido de minhas roubas. Pescamos e descobrimos que não sabemos pescar, dançamos e ainda assim não somos bons nisso. Gosto de colecionar fotos, imagens, rostos, lugares, o comportamento dessas pessoas e quando o levei para meu quarto e ele viu todas aquelas fotos nas paredes achou tudo fascinante. Eu o acho fascinante. E o que ele viu de diferente em mim o atraiu também.

Mas nem tudo é flores. Eu posso observa-lo sempre que quiser e ele não percebe. Sei de alguns de seus segredos. Percebi que não possuía nenhum machucado sério quando nos conhecemos no hospital, ele nunca se fere, nunca sente dor, tem dificuldade em entender afeições, e o mais assustador, em uma certa noite de chuva quando ele encurralou um homem no beco...

Vi seu outro lado. Seu lado mais íntimo e assustador. Não sei quem era ou do que se tratava, mas, esse homem lhe deu cinco tiros a queima roupa e nada aconteceu. Gabriel continuou andando em sua direção e fez algo profano. Quando terminou o homem de aproximadamente trinta anos estava morto, e seu corpo parecia de alguém com o dobro da sua idade. Vi ira e satisfação em seus olhos brilhantes. Essa era sua outra face. Ele possui tatuagens assustadoras pelo corpo, um anjo, um velho, uma lula, um rei, uma estátua de ouro, uma mulher com cabeça de cabra e a cabeça de um bode vedado. Não sei o que isso significa mas suspeito do que ele possa ser.

As pessoas tentam mais que tudo se conectar, para não se sentirem excluídas, ou sozinhas. A solidão é o pior castigo que se possa ter. Por isso as máscaras, por isso tentam a todo custo se encaixar. Até mesmo eu, busquei em Gabriel uma conexão e isso só deu certo porque somos diferentes. Ele e suas faces, eu e minhas faces.

Dois desconhecidos numa terra hostil. Dois aliens que não se encaixam. Que caixinha de surpresa é essa vida que tanto falam. Espero que não descubra minha outra face tão cedo. Quando o vejo querendo alcançar as estrelas eu sei que ele sente como se aqui não fosse o seu lugar. E ele está certo. Não somos parecidos mas também não sou daqui, fui enviada para buscá-lo, levá-lo para seu lugar. Isso me deixa triste porque antes disso quero vê-lo alcançar as estrelas.

Gostaram? Deem palminhas!

Esse é o quinto conto de uma série de contos sobre 7 grupos de 7 personagens cada e a descoberta de seus dons sobrenaturais, em meio a uma luta invisível travada entre a Ordem e o Caos.

Para continuar acompanhando os contos siga Sete Crônicas.

A batalha entre a Ordem e o Caos está apenas começando.

Contos anteriores:

I — Sonhar é sua sina.

II — Dia da caça.

III — Apenas um desenhista.

IV — Dance comigo esta noite.

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