A ALM e o controle dos riscos do passivo estocástico.

ALM: Riscos que influenciam o passivo estocástico.

Thomas Freud
thomasfreud
Published in
5 min readMay 18, 2020

--

Em um texto anterior, comentamos sobre o que é ALM - asset liability management e sobre sua relevância em fundos de pensão como um recurso para controle de riscos que possam causar desequilíbrios entre os valores dos passivos estocásticos de uma organização e seus ativos garantidores. Em fundos de pensão, ativo garantidor é um bem ou direito que a instituição mantém para liquidar os passivos no momento em que eles vencem. Por exemplo, o valor futuro das contribuições pagas pelo participante e pelo patrocinador ao fundo, ao longo da vida laboral do participante, forma parte dos ativos garantidores de sua pensão, um direito dele e uma obrigação do fundo.

Anteriormente também falamos sobre planos de pensão e como eles são estabelecidos, também falamos sobre análise de sobrevivência, ainda que de forma bem sucinta. Agora vamos combinar esses assuntos e introduzir o conceito de valor presente atuarial.

Foi dito que o participante de um fundo de pensão trabalha ao longo da vida e contribui para o fundo de pensão ao qual é filiado, esses recursos são poupados e investidos para gerar o montante necessário para financiar os pagamentos mensais que o participante receberá ao longo de sua aposentadoria. Não há como saber, por certo, por quanto tempo o indivíduo viverá após se aposentar, portanto o valor que ele receberá de pensão até o final de sua vida, é indeterminado, mas os atuários trabalham com médias.

A pergunta que se faz é: quanto o fundo precisa ter em recursos, no início da aposentadoria do funcionário, para cobrir os pagamentos futuros referentes ao seu benefício de aposentadoria, até o fim de sua vida? Bem, esse valor depende de uma série de fatores que são postos no cálculo. Depende de quanto o indivíduo receberá a cada t ano, a título de benefício — vamos pensar em valores anuais, para simplificar a ideia. Suponhamos que a função que modela o fluxo de pagamentos anuais que o aposentado receberá a partir da idade de aposentadoria r é dado pela função c(t, d), que indica o valor da pensão recebida a cada t período. Suponha uma força de juros dada por j (capitalização instantânea) com correspondente fator de desconto dado por v(t, j). Além disso, considere que a função c(t, d) tem como parâmetro adicional a taxa de inflação d. Por fim, considere que o benefício é vitalício, que o funcionário não deixará dependentes de nenhum tipo e que a função de sobrevivência é dada por tPx, segundo notação atuarial padrão. Juntando tudo, temos a função seguinte.

Valor presente atuarial de um benefício de aposentadoria vitalício.

A função APV calcula o valor presente atuarial dos benefícios de aposentadoria futuros para um indivíduo no instante r, que é a idade de aposentadoria. Ou seja, essa função indica o valor projetado o qual a instituição deverá ter disponível para cobrir o valor da aposentadoria desse indivíduo, à luz do que seria o equilíbrio atuarial. Dizer que o valor APV é o valor que a instituição precisa dispor para cobrir a aposentadoria incorpora outra hipótese, a de que o passivo atuarial deve ser igual ao total de ativos garantidores.

Partindo dessa função, podemos agora investigar os fatores de risco envolvendo o passivo atuarial. Pensemos nas componentes da função dada, c(t, d), v(t, j) e a função de sobrevivência tPx. Assumindo que o valor do benefício em c(t, d) será ajustado, no futuro, apenas para repor a inflação d, temos que o aumento da inflação é um risco (risco de inflação). Além disso, considere que uma diminuição na taxa de juros terá impacto direto no fator de desconto v(t, j), e como uma queda na taxa de juros impacta no aumento do valor presente atuarial, então esse é outro risco (risco de taxa de juros). Por fim, considere a função de sobrevivência que calcula a probabilidade de um indivíduo sobreviver da idade x ao longo do tempo até o fim de sua vida, previsto segundo a função que modela esse padrão de sobrevivência. Se o indivíduo sobrevive além da idade limite estimada pela função de sobrevivência, receberá o benefício por mais tempo do que se estimou anteriormente, esse é o (risco de longevidade).

A interação desses fatores de risco faz com que o passivo atuarial de um fundo de pensão seja bastante volátil. Afinal, estamos falando de riscos competitivos, ou seja, riscos que interagem, eles não impactam o passivo de forma isolada.

A queda na taxa de juros gera um aumento no passivo. Pense nas funções dadas a seguir.

Com j sendo a força de juros. Observe que quanto menor o valor de j, maior o valor de v(t, j) para dado t e, portanto, maior será o APV. Deixando tudo mais constante, note que o aumento de d acarreta o aumento de c(t, d) para dado t, aumentando o valor de APV. Um cenário no qual os juros diminuem e a inflação aumenta seria o pior deles, considerando esses fatores; o efeito combinado dos riscos tem impacto maior do que o efeito isolado de cada um.

Uma das maneiras de se contornar o risco de uma possível “explosão” na inflação é estabelecer uma regra limite, acima da qual o reajuste não será aplicado.

Agora considere o risco de longevidade, quando mais tempo um indivíduo permanecer recebendo seu benefício, além do tempo inicialmente estimado, mais tempo o passivo estará exposto à influência dos outros riscos — inflação e juros — e maior será o efeito dos eventos que alteram esses riscos sobre o valor presente atuarial do passivo. Uma função de sobrevivência que tende a zero mais devagar quando t tende ao infinito.

Mas como funcionaria na prática o risco de longevidade? Pense na história de Jeanne Calment, da qual falamos em outro texto. Quando os atuários fazem cálculos de valor presente atuarial eles seguem uma série de suposições, tais como taxa de juros, inflação, mortalidade, crescimento de salário, aposentadorias por invalidez, etc. A suposição de mortalidade escolhida, na prática, pelo menos no Brasil, se baseia na escolha de uma tábua atuarial. O problema é que nem sempre a tábua atuarial se ajusta bem a população do fundo e se um teste de aderência da tábua não for feito, esse fato pode ser ignorado. Se a tábua estimar que as pessoas vão viver menos do que elas realmente vão, o fundo de pensão vai fazer um cálculo subestimando o valor do passivo, o que será um problema. Pense em um fundo que imagina que os aposentados viverão vinte anos após as aposentadorias e eles vivem quarenta anos. Esse é o risco de longevidade.

Esses são, basicamente, os riscos envolvendo os passivos em um fundo de pensão, sob o ponto de vista da ALM. Um profissional responsável por criar uma estratégia ALM para gerenciar tais riscos pode usar de várias estratégias. Um contrato swap de taxa de juros, o estabelecimento de limites de reajuste de benefícios ante a inflação ou mesmo a cessão dos riscos da instituição e testes rigorosos para o ajuste de aderência da tábua.

--

--

Thomas Freud
thomasfreud

PhD Student, Actuary and master in statistics and probability | Accounting bachelor's degree.