Pingue-pongue Wayra: determinação e resiliência são destaques do brasileiro no cenário empreendedor global, conta Carol Morandini, head de portfólio e scout da Wayra

Wayra Brasil
Wayra Brasil
Published in
11 min readJun 30, 2020
“Os empreendedores brasileiros insistem, tentam de diferentes formas e buscam melhorar a cada dia. Eles vão atrás do que querem, são bastante determinados”, descreve Carol Morandini, da Wayra.

Muitas das startups que passaram pela Wayra nos últimos anos conheceram a Carol Morandini. Quem faz parte do hub de inovação aberta do grupo Telefónica e da Vivo também costuma ter diversas oportunidades de interagir com ela, que é head de portfólio e scout da Wayra Brasil e hoje também atua como country manager interina. Expansiva na fala e empática com as realidades dos empreendedores brasileiros, Carol é jornalista de formação, mas foi “picada pelo bichinho do empreendedorismo”, como ela mesma gosta de definir, na época em que atuava na assessoria de imprensa de parques tecnológicos e incubadoras de negócios. O salto da comunicação para o business do empreendedorismo aconteceu como um reflexo de sua grande conexão com o otimismo inabalável do empreendedor brasileiro.

“Quando acreditam, os brasileiros insistem, tentam de diferentes formas, vão atrás do que querem e são bastante determinados”, descreve ela sobre os brasileiros fundadores de startups que tem apoiado nos últimos anos.

Assim como uma startup, Carol se apresenta como uma profissional sempre pronta para “pivotar”. Depois da graduação em comunicação, passou 5 anos imersa na cultura europeia enquanto se tornava mestre em ciência política. “Tudo e qualquer coisa é aprendizado”, reflete sobre a experiência internacional. De volta ao Brasil, jamais parou de buscar novos conhecimentos para superar os desafios que apareceram à sua frente. Empreendedora de si mesma, a executiva se entende em constante evolução, e talvez por isso consiga apoiar as startups da Wayra a fazerem o mesmo. Além de gerir o portfólio da Wayra, Carol Morandini também está responsável pela operação do hub, sentindo na pele os desafios de ser “multi-funções”, situação muito comum entre os empreendedores. Apesar das muitas atividades, a executiva garante que nada disso a impede de curtir os prazeres da vida, que em tempos de quarentena tem se resumido (temporariamente) a ler bons livros, ver filmes, exercitar e cozinhar junto do marido.

Nesse pingue-pongue com a Wayra, Carol conta mais sobre o perfil dos empreendedores brasileiros no cenário global, como a Wayra avalia as startups que quer trazer ao seu portfólio e os desafios de empreender no Brasil. Confira abaixo a íntegra da conversa abaixo.

Wayra: O brasileiro é conhecido no exterior como um profissional criativo e multifacetado, o que combina muito com as necessidades das startups, que estão sempre ajustando ou pivotando. Quais outras habilidades você acha que os brasileiros podem trazer para uma startup?

Carol Morandini: Diversidade. O Brasil é um país de miscigenação, que costuma trazer várias ascendências, e isso ajuda a trazer mais diversidade até na forma de trabalhar. Resiliência é outro ponto importante. Vivemos em um país que é difícil, econômica e politicamente, e que sempre vive novos períodos de dificuldade. O brasileiro até cai, mas “levanta a cabeça, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Essa resiliência faz com que ele olhe o desafio e pense: tenho que continuar. E a criatividade, claro, que junto à resiliência acaba descrevendo muito o brasileiro, que não vê um “não” como o fim da linha.

W: E quais os critérios que você costuma usar na Wayra para qualificar uma startup como escalável?

CM: No nosso processo, estamos o tempo todo buscando startups que possam fazer negócios com a Vivo e/ou para investir. Por isso, procuramos startups com alto potencial de escalar e gerar grandes negócios local ou globalmente. É importante lembrar que, geralmente, o que torna essas soluções escaláveis e replicáveis é a tecnologia por trás da solução da startup. Com isso em mente, também buscamos por tecnologias interessantes que possam facilitar a vida das pessoas, seja a pessoa física ou consumidor final, em um business B2C, ou a pessoa jurídica, em um B2B. O objetivo é sempre tornar processos mais simples e ágeis, trazer novos produtos e co-criar com a startup para levar ao mercado soluções que possam gerar interesse.

W: Tem alguma coisa em especial que vocês sempre avaliam nas startups que querem fazer parte da Wayra?

CM: Nossas avaliações têm base em quatro critérios básicos. O primeiro ponto são as “pessoas”, porque uma boa ideia não se torna realidade sem uma boa execução. Não adianta ter uma ideia brilhante e uma execução terrível. Procuramos entender o background dos fundadores, o que fizeram, se abriram outros projetos ou startups anteriores… E veja, não existem atividades que sejam vistas como boas ou ruins. Se os empreendedores fundaram uma startup, fizeram um baita sucesso e venderam, ótimo. Mas se abriram uma startup (ou duas, ou três) e falharam, isso não é necessariamente ruim, porque a gente já sabe que são pessoas resilientes e que buscam empreender. Olhamos para a pessoa como um todo: o que a fez ter aquela ideia, querer mudar a realidade em que vive e criar um produto para resolver. Tentamos entender também como os fundadores se juntaram ou como um deles convenceu o outro a largar tudo para se tornar sócio da sua ideia. Essa é, afinal, a primeira venda de uma startup. Além disso, tentamos entender a relação da pessoa com a dor que ela está querendo resolver. Será que é algo que ela estudou? Se não, é algo que ela descobriu enquanto trabalhava? É algo familiar? Enfim, como ela chegou nisso? Ter muita clareza do problema que se quer resolver pode ser a chave de tudo.

O segundo ponto é se o produto ou serviço proposto realmente resolve aquela dor. Será que aquele é realmente um problema pelo qual as pessoas pagariam por uma solução? Porque ninguém vai comprar ou pagar por uma solução se aquela não for uma dor real. Não adianta criar um aplicativo bonito e ninguém pagar por ele. Se não resolver uma das minhas dores, desinstalo e pronto. O público só vai pagar por uma solução se perceber um benefício real.

O terceiro ponto é perceber se o problema que a startup resolve é de uma pessoa só ou de muita gente. Isso ajuda a entender o tamanho do mercado que essa startup está atacando. Se for um problema de um nicho muito pequeno, talvez a startup se beneficiasse mais com um investidor anjo amigo ou um familiar, alguém que possa investir, ver a empresa crescer e ter sua parte recomprada por algumas vezes o valor do investimento original. Agora, para um fundo de investimento ou um Corporate Venture Capital, a dor precisa ser de um mercado gigante: há muita competição no mercado e o mercado alvo precisa ser amplo o suficiente para que a startup consiga crescer bastante. Também conferimos a tecnologia que é usada, qual a inovação que a empresa está trazendo.

Além de tudo isso, também observamos o que a Vivo, como corporação, está buscando. Quais são os desafios que existem dentro do grupo Telefônica, para tentar conectar essa dor que a startup quer resolver com dores eventuais que existam dentro da corporação. Sempre tentamos fazer esse match com a Vivo, acompanhando os desafios da corporação e as oportunidades fora dela, para ver se é possível fazer negócios juntas e/ou investir.

Wayra: Você se lembra como foi trazer a sua primeira startup para o portfólio da Wayra?

CM: Entrei na Wayra em 2016, quando estavam chegando ao portfólio startups como Gupy, Netsupport, Netshow.me, mas a startup que eu trouxe mesmo foi a Mediação Online (MOL). Sinto que participei dessa chegada, até por conta do empreendedorismo feminino, tema com que me envolvo muito desde aquela época. Foi inclusive em um painel sobre empreendedorismo feminino que conheci a Melissa Gava, da MOL. Depois do painel, conversamos e ela contou um pouco mais sobre a solução da startup. Apresentei a startup ao nosso head de aceleração [na época, a Wayra ainda era uma aceleradora] e, em 2017, se tornou nossa investida, um investimento inclusive bem-sucedido, que trouxe um bom Exit! Foi um scouting que fiz ainda atuando na comunicação, de uma startup fundada por mulheres, é uma história que gosto de lembrar.

W: Na sua visão, qual a importância de programas de empoderamento de lideranças femininas e de incentivo da presença das mulheres em áreas técnicas?

CM: É fundamental. Muitos podem pensar que é “conversa” nossa, mas é claro, nítido e é fato: as estatísticas da Associação Brasileira de Startups mostram que quase 40% das startups do Brasil não tem nenhuma mulher no time. Não estou nem falando de ter fundadora, estou falando de não ter mulheres no time. É gritante. Nas grandes corporações, em cargos de vice-presidência ou diretoria, a grande minoria é mulher. Ouvimos muito o discurso de “a mulher consegue, tem total capacidade”, e é verdade, mas se você tem duas pessoas concorrendo a mesma vaga, com as mesmas capacidades e habilidades, e não der oportunidade da mulher entrar, você vai manter o mundo corporativo como sendo masculino. Por isso, acho de extrema importância existirem programas de empoderamento.

Foi na Wayra que eu tive a chance de abraçar a causa do empreendedorismo feminino. Em 2016, a Telefônica Global criou na Wayra o movimento “Women’s Age” (hoje com o nome de XXX), para celebrar o Dia Internacional do Empreendedorismo Feminino. Naquele ano, coordenei um megaevento de recrutamento, que era aberto a homens e mulheres, mas insisti que as startups enviassem vagas que tivessem a pretensão de trazer uma mulher para o time. Não era uma limitação, mas um convite, sabe? Foram mais de 96 vagas abertas, além de uma série de palestras. Durante o evento, algumas mulheres me procuraram para me contar a diferença que eu estava fazendo na vida delas, pois as ajudava a ganhar voz no mercado. E é nesse sentido que esses programas de empoderamento endereçam muitas coisas que ajudam as mulheres.

Deveria ser assim a vida inteira? Não. Acho que deveriam parar de existir quando tivermos mais mulheres ativas, fundando startups e trabalhando em startups, ou quando percebermos que quando se abre uma inscrição online, existe uma proporção equilibrada de gêneros se inscrevendo. Ainda não é o caso. Então, enquanto isso, precisamos desses programas para ajudá-las até o dia em que o mundo tenha se tornado mais igualitário.

W: Em 2020, a Wayra completa 8 anos. O que você espera para os próximos 8 anos da Wayra?

CM: Espero que a gente consiga trazer startups ainda mais incríveis e mais saídas extraordinárias. Espero que possamos ajudar muitos empreendedores e empreendedoras a conseguirem novos investimentos e negócios com empresa. Quero dar às startups novas possibilidades de crescer, com “smart money”, e que amanhã ou depois elas venham a se tornar unicórnios, ou fazer um IPOs! Acho que a Wayra tem uma grande história. Ao longo dos anos, assim como as startups, nós também fomos pivotando: éramos uma aceleradora, depois fomos mudando a forma como fazemos negócios, atraindo empreendedores mais maduros e finalmente nos tornamos um Corporate Venture. Assim como o mundo está em constante evolução, a Wayra também segue mudando e evoluindo. Afinal, quem não inova, morre mesmo. Por isso, tenho certeza de que a Wayra dos próximos 8 anos trará ainda mais oportunidades e conexões para os empreendedores.

W: Se você pudesse voltar atrás, teria feito algo diferente?

CM: É difícil responder isso, porque a gente só sabe que teria feito diferente porque já vivemos aquilo. No estágio que estou, como head de portfólio e investidora, se eu pudesse, teria começado a estudar exatas mais cedo, porque minha vida mudou e eu deixei a área de comunicação. Em todo caso, acredito muito que as pessoas se reinventam. Mas, se eu pudesse dar um conselho para a Carol jovem, eu diria o seguinte: faça estágio ou trabalhe em uma startup. Na minha época não tinha essa opção, mas hoje tem. Trabalhar em uma startup te dá acesso diretamente ao CEO e a lideranças. Ter a oportunidade de ser um faz-tudo, de experimentar diferentes áreas e ajudar na estratégia da empresa.

W: Do seu lado do balcão, como parte de um hub de inovação aberta que investe em startups, qual o principal desafio para investir no Brasil?

CM: Temos muito dinheiro para investir no Brasil hoje em dia. Tivemos a entrada de grandes VCs, como o SoftBank, e vários fundos que no último ano levantaram bastante capital. Então dinheiro tem. A dificuldade é achar as soluções certas dentro da tese de investimento. Isso vale pro mundo todo, provavelmente. No Brasil, a principal dificuldade é que precisamos de mais educação empreendedora, mais base, para podermos ser uma máquina de fazer soluções incríveis e manter os bons cérebros no país. Precisamos criar uma cultura empreendedora desde sempre, para que possamos ter uma oferta incrível para investir, gerando ainda mais investimentos e fazendo o ecossistema crescer.

W: Qual seu principal aprendizado nessa jornada de apoiar empreendedores brasileiros?

CM: Que nada é o que parece. Às vezes as pessoas reclamam de onde estão e dizem que por isso querem empreender. “Não vou trabalhar mais, vou ser dono!”, elas dizem. Nada é o que parece: você vai trabalhar mais, muito mais! Em startup não tem essa coisa de feriado… Você é dono do negócio, passa a ser responsável pelo emprego de outras pessoas, então empreender e achar que vai trabalhar menos é uma ideia totalmente equivocada. E nada é o que parece porque vi a maioria das startups, quase 90% das que eu conheço, mudarem o seu negócio ao longo do tempo. Elas acreditavam que estavam fazendo um negócio e que ia ser de um determinado jeito, mas não era bem isso. A Netshow.me, por exemplo, era um streaming para músicos, para você assistir shows remotamente. Como não funcionou bem, eles pivotaram para o B2B e passaram a trabalhar com corporações. Isso significa que a startup teve que fazer toda uma mudança. Nada é o que parece.

W: Qual o impacto que você espera que a Wayra possa ter no ecossistema de startups brasileiro?

CM: A Wayra, ao longo dos seus 8 anos, já teve muito impacto. Fomos a primeira aceleradora de fato corporativa no Brasil, e entre as três primeiras no país. A Wayra já veio para o Brasil investindo e também inovando! Em 2012, trouxemos o conceito de espaço de co-working, que era algo que não existia antes no Brasil. Muitas corporações procuravam a Wayra para entender como esses espaços colaborativos eram organizados, as interações que se davam, como era o trabalho com startups, a seleção… Sempre fomos um benchmark, e também fomos rápidos em deixar de ser uma aceleradora para nos tornarmos um Corporate Venture. Afinal, temos uma grande corporação por trás da Wayra, e precisávamos utilizar melhor esse recurso.

Aos poucos, a Wayra vem se redescobrindo e mudando, tentando inovar o seu próprio modelo, e acredito que vamos continuar trazendo outros impactos e outras formas de se trabalhar. Podemos nos tornar uma grande plataforma global de acesso às startups, afinal temos presença em 10 países e mais de 900 startups investidas globalmente. A Wayra, portanto, pode ser uma grande porta de acesso global para as startups do Brasil, especialmente nesse futuro em que o trabalho é cada vez mais remoto e digital.

W: Se puder dar um conselho para as startups e os empreendedores que estão começando, ou que estão pensando em se aplicar para a Wayra, o que diria?

CM: Para quem está começando, eu diria: conheça bem quem você quer se relacionar, porque qualquer investidor ou sócio vai querer saber tudo que acontece na empresa. Todos irão de alguma forma interferir no seu negócio. É como um casamento. O benefício é que você vai ter mais gente ajudando, mas os ônus e os bônus são bem claros e documentados quando você é sócio de alguém. Agora, se você já está em um nível de buscar investimento, olhe quem é o investidor e se faz sentido estar junto. Verifique se ele investe na área em que você atua, se tem como te ajudar a melhorar sua solução e te conectar com o mercado. Fale empreendedores que já foram investidos e entenda como esse fundo ou essa empresa ajudou a startup a abrir portas e a conseguir mais investimento. Pesquise bastante! Ter uma empresa pode ser o dinheiro e o tempo da sua vida. Então é preciso saber que você está fazendo isso com as pessoas certas. Você vai acertar 100%? Não, ninguém acerta 100%. Mas você precisa sentir que aquelas são as pessoas, a empresa ou o fundo de investimento certo, que vai te levar para o próximo ponto do seu negócio. Isso fará a diferença lá na frente.

--

--