Dez continhos catalanos #7 — O amor aos 12 anos

Victor Calcagno
4 min readFeb 13, 2019

Talvez o pior lugar da cidade pra se marcar um encontro, um “trem”, um “lugar pra nóis sair”, um date, um randez-vous ou outro programa cujo intuito final é beijar na boca seja o estabelecimento conhecido por Udi Pizza, Avenida José Marcelino n. 295, em frente ao Colégio Estadual David Persicano, próximo à praça Marca Tempo, sentido córrego (tel. 3442–3232, rodízio às quintas). Os motivos são vários e óbvios, nenhum que compromete o empreendimento enquanto restaurante acessível e honesto, mas todos que o diminuem quando o assunto é ir além da pizza de quatro queijos. Talvez o “ambiente familiar”, como apontam as resenhas no Google, seja mesmo o maior empecilho, ao que se soma o barulho dos carros descendo a avenida, passa pela presteza dos garçons atentos demais, e vai até a falta de privacidade das paredes gradeadas. Fora isso, ainda há seis pistas de boliche nos fundos da pizzaria. Quem consegue prestar atenção em namorar quando é preciso derrubar dez pinos, ainda mais se você é um adolescente que continua se divertindo no bate-bate da pecuária?

Em tudo isso pensavam mais ou menos do mesmo jeito a Jussara e o Reginaldo “Junin” Júnior, ambos de 12 anos, quando já davam quase 20h30 no relógio, os dois na Udi Pizza. Ainda assim não pararam de jogar, se olhando de vez em quando. O Maicon, o Paulo Afonso, o Ígor, a Nayara e a Ana Bruna, colegas do oitavo ano, já começavam a perder a paciência. Tinham vindo pra ver o beijo do casalzinho, mais ainda que os protagonistas, e recebiam em troca uma enrolação sem tamanho. Todos eles acreditavam que a pizzaria poderia ser um ótimo lugar para pré-adolescentes se agarrarem, não sabiam o que tanto os segurava. A Jussara estar tímida, tudo bem, afinal nunca tinha ficado com ninguém, agora o Junin não tinha motivo, já se enrolara com a prima várias vezes, diziam na escola. Foram perguntar pra ele, os três meninos: “é que aqui é muito ruim pra essas coisa”, tiveram como resposta. Do outro lado, a Jussara disse pras amiguinhas “que tinha que jogar o boliche, já que tinha pagado, uai”. Os amigos e amigas suspiraram fundo, até que alguém deu a ideia de irem pro Chiquinho.

Desceram a José Marcelino, viraram à esquerda lá em baixo, logo estavam com suas casquinhas na mão. A Ana Bruna e o Paulo Afonso tiveram a sacada de deixar o Junin e a Jussara sozinhos numa mesa, achando que assim as coisas andariam, o beijo sairia e todos voltariam felizes pra casa, público, atores, etc. Ninguém percebeu o embaraço entre os pré-adolescentes, o Juninho deixando o sorvete escorrer nos dedos, a Jussara claramente sem saber onde pôr as pernas, os dois ainda cheios de pizza de chocolate com nozes no estômago. Cinco, dez, quinze minutos, sorvetes engolidos, assuntos acabados, sorrisinhos torturados e nem mão na mão. O Maicon começou a falar pro Ígor que o Junin devia ter inventado esse trem da prima, e o Ígor respondeu dizendo “certeza”. A Nayara disse que talvez o problema fosse a hora, já tava tarde e a mãe da Jussara podia ligar a qualquer momento, desculpa que os meninos responderam com alguns “pode ser” indignados.

Meninos e meninas discutiam com cara de quem está sendo enganado, quando o Junin e a Jussara se deram por vencido, levantaram e vieram se sentar com o resto do pessoal. O Junin nem chegou a sentar, o Paulo Afonso já o levou pro canto. “Anem, Paulim, aqui a gente tá em plena 20 de Agosto, pode passar conhecido da família a qualquer hora”. Por sua vez, Jussara se limitou a responder um “uai, num sei…”, quando a Ana Bruna perguntou qual era o problema. Resolveram esticar pros banquinhos da praça Getúlio Vargas.

Além de contar apenas com gente na porção próxima ao cachorro quente, a praça é escurinha, tem um clima tranquilo e uns bancos mais pra dentro, os amigos juravam que agora ia. Colocaram os dois de frente ao coreto e se sentaram em um banco nas costas do casal, de forma a verem tudo sem serem observados de volta. Jussara puxou assunto olhando pro chão, Junin acompanhou e o Maicon começou a tentar decifrar o que acontecia. “Alá, agora vai dar certo”, disse, e quando a Jussara riu sem graça de qualquer coisa, jurou que “o Junin cabou de falar que gosta dela”. O resto do povo fez o mesmo: “uai, parece que eles tão falando da gente…”; “eles devem tá sem graça, normal, uai”; “eles gostam mesmo um do outro? Porque credo…” e nada. Ana Bruna resolveu ser mais literal, gritou “vai logo!” e deu uma risada que a Jussara até riu junto, mas por educação. Nessa hora os dois se olharam nos olhos e quando o caso parecia fechado, um carro tocando sertanejo muito alto fez o favor de cortar o clima, os dois se separando de vez. Vieram Maicon, Paulo Afonso, Ígor, Nayara e Ana Bruna, todos sem paciência: “anem, nós largarmos de mão de vocês”, resumiu algum deles.

Na volta pra casa, já separados, os meninos chamaram Junin de “frouxo”, as meninas disseram que a Jussara era “boba” e nenhum deles se deu conta de que só tinham 12 anos, nem que talvez comer pizza e jogar boliche fosse mesmo um ótimo programa.

*ilustração de Valter Costa

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