A origem do design: etimologia e história

Aline Ferreira
5 min readMar 27, 2023

--

Com essa publicação, inauguro uma série de textos que pretendo publicar aqui sobre livros que tenho lido sobre design e experiência do usuário.

Academicamente, minha formação é em história e ciências sociais. O livro Court traité du design (Curto tratado do design), de Stéphane Vial, é o primeiro que li sobre design. O que é, eu sei, “atípico”. Pois geralmente é recomendado aos iniciantes na área de UX o livro de Don Norman, The Design of Everyday Things.

Porém, comecei por ele por algumas razões práticas e do acaso. Primeiro, foi um livro que ganhei de presente de uma pessoa experiente na área, e que teceu elogios à leitura. Segundo, trata-se de um livro curto (88p.), generalista e objetivo ao mesmo tempo. Terceiro, ele não está tão longe do campo acadêmico do qual tenho certo domínio (filosofia, ciências humanas e sociais), ao mesmo tempo em que trata diretamente de um assunto que é, para mim, novo.

O objetivo principal do autor é pensar filosoficamente o design. Busca-se sistematizar as definições que envolvem o assunto. Outro ponto central é o fato de que é apresentado um panorama sócio-histórico deste domínio.

O livro, como pontuei, é curto. Possui 88 páginas e é dividido em pequenos capítulos (oito no total). Além disso, conta com um posfácio que sistematiza todas as definições, axiomas e proposições apresentadas no conjunto da obra. A leitura é bastante fluida, embora nas menções filosóficas é preciso ter um pouco mais de atenção e reler algumas passagens.

Filosoficamente, o livro está embasado na fenomenologia. A partir dessa chave, considera-se o design não no sentido do objeto, mas dos efeitos. Sendo os objetos apenas uma mediação para os efeitos de design.

Fonte: https://stephane-vial.net/

O problema para o leitor lusófono é que não há traduções para o português, nem para o inglês, limitando-se, portanto, à edição original francesa. Informação que pude conferir no site do autor. Assim, todos os trechos aqui reproduzidos serão de tradução livre minha.

Nesse sentido, o presente texto busca também contribuir para a divulgação do livro e suas ideias, as quais, a meu ver, são enriquecedoras.

Os temas desenvolvidos no livro podem ser categorizados em cinco, os quais abordaremos em sequência:

1) A origem do design: etimologia e história

2) Capitalismo e ética no design: “ser designer é tomar uma posição moral”

3) A essência do design: os três critérios do “efeito de design”

4) Defesa do design thinking para além do slogan

5) Design digital: sua especificidade e definição

Cada tema será publicado em uma parte diferente, para não haver textos demasiadamente longos, facilitando a leitura.

Comecemos com o primeiro tema, a origem do design.

A origem do design: etimologia e história

Stéphane Vial é um autor francês e, portanto, a sua abordagem tem como ponto de partida a cultura de seu país. Ele comenta que, na França, a palavra design se tornou, no senso comum, um adjetivo para se referir à decoração moderna. As pessoas, assim, podem adjetivar um móvel da seguinte forma: “isso é muito design!”.

Confesso que, ao ler isso, achei um pouco engraçado, pois até onde tenho conhecimento, não usamos essa acepção no Brasil, mesmo no senso comum. No sentido cotidiano, para mim, a palavra design sempre remeteu à forma de um objeto, de um produto digital, ou, ainda, a uma arte digital.

Vial toca nesse ponto, pois ele visa problematizar esse sentido vulgar, enriquecendo a definição e discussão em torno do termo. Mais do que isso, busca-se “tratar o design, ou seja, submetê-lo ao pensamento” (Vial, 2010, p. 03).

A ideia é tentar tirar o design do “limbo” entre a arte e a engenharia do qual ele parece, à primeira vista, pertencer. Propõe-se, enfim, uma teoria e uma filosofia do design.

A importância desse abordagem se dá pela constatação de que essa domínio falou pouco dele mesmo ao longo de sua constituição. É precisamente nesse aspecto que se enquadra a relevância deste curto tratado.

Começa-se, então, pela etimologia. Num primeiro instante, parece óbvio dizer que a palavra design advém do inglês e, portanto, a sua utilização na língua francesa (e portuguesa) seria um anglicismo. Todavia, na realidade, a origem da palavra design vem do latim e, nesse sentido, trata-se de um latinismo. Ao mesmo tempo, é verdade que quem primeiro tomou essa palavra e a difundiu para o resto do mundo foi a língua inglesa.

Mais precisa, a palavra foi introduzida no inglês a partir do termo latino designare. Sendo formado pela preposição de e pelo nome signum. Assim, refere-se a um “‘marcador de signo’, um signo que tem a qualidade de ser distintivo, ou seja, o poder de criar diferença” (Vial, 2010, p. 07).

Na língua inglesa, o verbo adquiriu dois sentidos: 1) o sentido de desenhar; 2) o de “‘conceber’ em função de um ‘plano’, ou seja, de projetar em função de uma ‘intenção’” (Vial, 2010, p. 8). Nesse sentido, fazer design é também projetar e dar um sentido a algo.

Tal informação é muito interessante, pois logo aqui já podemos perceber que o sentido de design que hoje associamos à “experiência do usuário” não é uma invenção atual. Na verdade, ele está no cerne da palavra em si. Se hoje reduzimos, no senso comum, design apenas à forma ou à arte, é por pura falta de conhecimento da palavra.

Voltando à argumentação do autor, após essa apresentação etimológica, passa-se para a história. A palavra design existia há séculos na língua inglesa. Contudo, apenas em 1849 ela foi utilizada pela primeira vez no sentido de “tentar qualificar uma prática nova” (Vial, 2010, p. 8). Nesse momento, nasce a ambição do design, “fazer convergir as artes com a indústria” (Vial, 2010, p. 9), no sentido de melhorar a arte industrial.

Começa-se a conceber a ideia de que o design pode salvar o ser humano da industrialização, a partir da defesa das artes decorativas. Anuncia-se, com isso, a Art Nouveau. Isso ocorre especialmente com William Morris, um socialista assíduo leitor de Marx.

Esse processo, no entanto, não é exatamente o nascimento do design, mas sua origem, no sentido da projeção para a criação de um mundo melhor. Revela-se, aqui, o seu lado utópico.

O seu nascimento de fato se dá na segunda metade do século XIX, por meio da colaboração entre arte e indústria. Aqui, encontra-se a importância da escola alemã Bauhaus, que se torna “um verdadeiro laboratório do design moderno”, “paradoxalmente centrado no artesanato e na pintura” (Vial, 2010, p. 13).

O design não nasce com a indústria, mas graças a ela, quando os artistas buscam trabalhar com ela, e não contra ela. Nas palavras de Vial (2010, p. 14), “[…] o design nasce com a assunção da indústria, ou seja, a partir do momento em que os artistas, arquitetos, artesãos, não a rejeitam e decidem assumir a produção industrial e trabalhar não mais contra ela e por causa dela, mas com ela e graças a ela”.

Geograficamente, enfim, o design tem como origem a Inglaterra, passando por seu desenvolvimento na Alemanha, e, em seguida, se realiza nos Estados Unidos. Mais tarde, volta para a Europa e a palavra passa a ser amplamente utilizada, sem tradução.

Ele está em consonância, portanto, com a história do capitalismo e do socialismo. Com isso, desde os seus primórdios surge uma problemática ética e moral. É o que veremos como próximo tema do Court traité du design, na continuação dessa série de resumos deste livro. Clique aqui para ter acesso à Parte II.

--

--

Aline Ferreira

I'm a sociologist with a Ph.D. in Social Sciences. Visit my portfolio: www.alineferreira-phd.com