Análises e Recomendações: Fantaspoa 2022. — P.06.

Teteus
11 min readJun 13, 2022

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Para terminar os reviews dos filmes do Fantaspoa (semana que vem eu encerro esta série com um top 10 dos filmes citados até agora), temos a segunda e última parte dos longas-metragens. Na semana passada, os filmes analisados eram mais voltados para o terror e suspense. No artigo de hoje, os filmes já são bem diferentes, com animação, comédia e mistério.

Como sempre vou deixar linkado os outros artigos desta série sobre o Fantaspoa (art. 01; art. 02; art. 03; art. 04; art. 05) e o site do festival. Então vamos começar.

Dozens of Norths (2021) — Koji Yamamura.

“O Norte é onde tudo é solitário. Aqui, tudo é o Norte. Este é o registro das pessoas que conheci no Norte. Contudo, minha memória está fragmentada e não faz sentido algum. Agora me pergunto se não foi um esforço em vão. Estou apenas agora começando a perceber a existência do mundo através de uma tola percepção que muda suas formas pouco a pouco.” — Sinopse Oficial.

Dozens of Norths é o primeiro longa-metragem do diretor Koji Yamamura, famoso por seus curtas. É difícil dizer sobre o que este filme é exatamente. Ele não possui uma linha narrativa muito clara, e se mostra mais como vários fragmentos de histórias ou memórias que vão sendo conectados a costurados a medida que o filme avança. Não entenda errado, isso não é algo ruim do filme. Ele é feito propositalmente desta forma, criando uma sensação de que estamos assistindo a um sonho. Talvez o sonho do próprio autor, que aparece logo no começo do filme e que nos adverte que essa história é um conjunto de memórias fragmentadas.

O filme é uma animação feita a mão. A sua estética é completamente impecável. Os desenhos transmitem a sensação de solidão e isolamento que o filme busca para representar seus vários “nortes”. As cores mais desbotadas, os traços mais “borrados” são um verdadeiro charme, criando um visual belíssimo. A música acompanha muito bem as pequenas histórias e momentos que são passados no filme, nunca seguindo uma narrativa direta, sempre mais parecida como um sonho. O trabalho de design de som é fantástico.

O filme não possui diálogos, mas o autor conversa com nós através de textos na tela que aparecem eventualmente, com frases existenciais ou que buscam explicar algumas situações do filme, alguns locais entre outras coisas.

Dozens of Norths não é o tipo de filme fácil de assistir. Seu ritmo extremamente lento, sua narrativa quebrada, a falta de diálogo, a repetitividade, o tornam uma obra da qual você precisa se preparar para ver. Felizmente o filme tem apenas uma hora de duração.

A sensação que eu, particularmente, tive com o filme, foi a de viajar através de um sonho. Como se eu pudesse ver o autor (o autor narrativo, o que inicia na história) adormecendo, e dentro de seus sonhos, ele iniciasse uma viagem por terras distantes, como memórias de uma jornada da qual ele teve, mas que agora se lembra delas de uma forma mais distorcida, simbólica, retratando os conflitos humanos, a solidão, o isolamento entre vários outros temas existenciais.

Cena do filme retirado do site https://poff.ee/en/film/dozens-of-norths/
Cena do filme retirado do site https://poff.ee/en/film/dozens-of-norths/
Cena do filme retirado do site https://poff.ee/en/film/dozens-of-norths/

Como você pode ver, as ilustrações e a arte são maravilhosas. Infelizmente não encontrei o filme disponível da internet. Para quem se interessar pode conferir o trailer do filme. Também vou deixar o link do site de portfólio do próprio Yamamura.

Archipel (Arquipélago) (2021) — Félix Dufour-Laperrière.

“Uma animação sobre ilhas inventadas. Sobre imaginação, linguística, territórios políticos. Sobre um país real ou sonhado — ou algo entre isso.” — Sinopse Oficial.

Se Dozens of Norths é uma viagem pela memória de inúmeros nortes representados, Arquipélago é uma viagem poética, através de um real, e ao mesmo tempo imaginado, rio São Lourenço no Canadá. Os dois filmes tem muito em comum. Ambos são animações, mas Arquipélago possui algumas cenas reais de arquivos antigos. E ambos os filmes exploram uma jornada através de regiões meio reais e meio imaginadas, de uma forma poética e estética.

Em Arquipélago, temos dois personagens, a mulher, a guia, que não nos poupa detalhes e histórias a cerca das 1000 ilhas, reais ou imaginárias, que existem ao longo do rio, enquanto viajam. O outro protagonista é um homem, o qual na maior parte do tempo escuta a história, e questiona a mulher.

A trama é uma viagem através do rio São Lourenço e da história do Quebec. A mulher, uma possível representação do próprio rio ou talvez da terra, nos conta a história do Quebec desde a chegada dos primeiros colonos franceses na região. A narrativa não se preocupa em ser precisa. O objetivo é mais poético do que fidedigno historicamente. Mas através dos diálogos entre os dois personagens, e de suas reflexões existenciais, vamos descobrindo um pouco sobre a região francófona do Canadá, sobre seu povo, sua cultura, e principalmente, o que define uma região, um território.

Esteticamente o filme é bonito, talvez não tão impressionante quanto a de Dozens of North, mas certamente bonita. O filme mistura animações de vários tipos com arquivos históricos, o que faz dele uma espécie de documentário semi-ficcional.

A mulher é sempre nos mostrada dessa forma. Apenas seu contorno, com imagens da natureza a preenchendo, indicando que ela possivelmente é o próprio rio ou a própria natureza.
A mistura de cenas reais e animação.

É um pouco inevitável não comparar Archipel com Dozens of Norths, dado sua proximidade tanto narrativa (os dois são uma viagem) quanto por sua forma (os dois usam uma forma poética e abstrata de contar algo). E assim como o longa anterior, Archipel, apesar de uma narrativa menos fragmentada e mais coesa, pode ser difícil de assistir por inteiro por alguns, pois também possui um ritmo lento e cadenciado a maior parte, que contrasta com alguns momentos de explosão de comentários da protagonista que nos guia pela viagem e pelo local, e sua linguagem mais existencial e rebuscada.

O estilo de animação varia bastante ao longo do filme.

Infelizmente também não encontrei o filme disponível na internet, mas você pode conferir o trailer pelo youtube.

Sujeito Oculto (2022) — Leo Falcão.

“Para escapar de um bloqueio criativo, Max, um famoso romancista, muda-se para uma casa perto de uma isolada e estranha vila. Logo, muitas ideias começam a surgir, mas não da maneira que o escritor esperava. À medida que aumenta a sensação de estar em contato com histórias (e não com pessoas), ele percebe o misterioso aparecimento de páginas em sua escrivaninha, aparentemente escritas pelo antigo morador da casa. Isso é o suficiente para fazer Max levantar dúvidas sobre sua criatividade, sua sanidade e até mesmo sua existência.” — Sinopse Oficial.

Sujeito Oculto é um longa brasileiro que teve sua estreia mundial no Fantaspoa. A obra de Leo Falcão é original, com um roteiro muitíssimo bem elaborado e intrigante que parte de uma ideia também bastante original, mas que infelizmente, acaba pecando um pouco em sua execução.

(SPOILERS). Max compra uma casa perto da floresta com a intenção de se isolar enquanto escreve seu novo romance. A casa é perto de uma cidadezinha, da qual Max, frequentemente vai para fazer compras e até mesmo conversar com seus moradores. Em suas conversas, ele descobre que a casa era habitada por um antigo morador chamado de Doutor pelos habitantes. Intrigado, e tendo descoberto vários arquivos desse Doutor, Max começa a investigar a vida desse antigo morador. Conforme a história avança as coisas vão ficando mais e mais confusas. Ana, uma mulher da qual Max passa parte da história paquerando, possui uma versão criança de si mesma, uma outra Ana, que não só conversa com a Ana maior, mas da qual vive na mesma cidade, como se fossem duas pessoas diferentes, mas na verdade são as mesmas. Além disso, Max frequentemente acorda com páginas e páginas de textos escritos do qual ele não se lembra de ter escrito, e começa a deduzir que foi o antigo morador, ou sua alma, que estava escrevendo. Ele começa a pesquisar pela casa e encontra uma biblioteca secreta onde haviam vários livros, cada qual com o nome de um dos habitantes da cidade, com todas as características descritas no livro. Após quase ficar louco, Max termina de escrever seu livro e volta para a cidade para publicá-lo. Porém, ao vender os exemplares, todos eles estão vazios, sem nenhum texto escrito. Desesperado e com raiva, Max volta para a cidadezinha, e lá, descobrimos que Max é na verdade um personagem ficcional, todos são, e que aquela história, estava sendo escrita pelo tal Doutor. Disposto a vencer, Max queima todos os livros de personagens que havia encontrado, inclusive o seu, e mata todos os personagens da história. (FIM DO SPOILER).

A ideia da história de Sujeito Oculto é algo fantástico. O próprio nome do título casa perfeitamente com a ideia da trama. Leo Falcão escreve um roteiro muito bem pensado para fazer essa história funcionar. Trata-se de um filme de suspense e mistério, não de terror. O ponto da trama é entender o que está acontecendo. Todas as coisas estranhas, os acontecimentos sem muito sentido, tudo isso cria em nossa mente uma vontade de ir até o final.

Mas infelizmente nem tudo são flores. O roteiro, original e inteligente, ganha desafios durante sua execução. As cenas do filme parecem um pouco mal executadas, talvez pelos diálogos irrealistas (que fazem sentido, se você for parar para pensar sobre o que é a história. A maneira como escrevemos e falamos é bastante diferente afinal), ou talvez pela atuação. De qualquer forma, entendemos as razões das cenas estarem lá, mas em alguns momentos elas parecem forçadas ou não naturais.

O resultado final é um filme que nos ganha pela história, interessante e original, mas que deixa um pouco a desejar em sua execução. Para quem quiser ver outras críticas deste filme, recomendo esta em inglês (sim, o filme já é internacional), e finalizo dizendo que o filme é uma esperança de uma revitalização do cinema brasileiro.

Some Like It Rare (Quanto mais mal passado melhor) (2021) — Fabrice Eboué.

Um casal de açougueiros estão passando por tempos difíceis, tanto em seu negócio, quanto em seu casamento. Para piorar a situação, seu estabelecimento é atacado por um grupo de veganos ativistas, e enquanto suas vidas parecem ir de mal a pior, o casal amigo de Vincent e Sophie, que também trabalham no ramo da carne, estão lucrando como nunca, vendendo carnes cheias de hormônio e água. Tudo muda quando o casal principal acaba matando, meio que sem querer, um dos ativistas veganos que havia atacado sua loja. Eles levam o corpo até sua casa, e lá, Vincent, seguindo as dicas de sua esposa viciada em séries True Crime, corta todo o corpo do ativista, o transformando literalmente em um presunto. No dia seguinte, a mulher, sem querer e sem saber, dá um pedaço da carne do vegano morto para uma de suas clientes que imediatamente adora o sabor. Vincent mente dizendo que aquilo era porco iraniano, e depois conta a verdade para a esposa. A partir daí, Sophie começa a pressionar Vincent para matar mais veganos, pois as vendas do “porco iraniano” estavam altíssimas. Vincent hesita por algum tempo, até que finalmente cede, e os dois passam a caçar veganos, como carnívoros caçam herbívoros, reestabelecendo sua vida amorosa e financeira. Mas por quanto tempo?

Quanto mais mal passado melhor é um filme de humor negro, mas com uma pegada leve e dinâmica. Acompanhamos a história do casal Sophie e Vincent, que mesmo se transformando em serial killers, de alguma forma, continuamos torcendo por eles (a não ser que você seja vegano). Vale dizer que o filme não tem nada de anti-vegano, bem como não tem nenhuma crítica ao consumo de carne. Ele apenas possui um humor bastante escrachado, criando personagens um tanto estereotipados, mas que funcionam perfeitamente na comédia.

É engraçado acompanhar as cenas do casal de açougueiros aparecendo na rua fazendo campanha para os direitos dos animais, ou em feiras de produtos veganos, fingindo serem o que não são, para procurar o melhor vegano para o abate, como um predador que se disfarça de presa. Aliás, as comparações entre predador e presa aparecem bastante, tendo uma cena inteira de Vincent caçando um vegano em meio a um pequeno gramado, e cenas de um documentário sobre vida animal aparecendo junto.

O humor do filme é muito baseado nessa comparação entre veganos e herbívoros, bem como essa representação mais escrachada dos veganos. Vincent e Sophie, desde o começo do filme, quando conversam com o primeiro vegano, o namorado da filha do casal, não conseguem entender suas conversas e passam a enxergá-los como estranhos e, posteriormente, como caça.

(SPOILERS). Vincent, apesar de continuar caçando veganos, começa a se questionar de suas ações. Sophie continua o manipulando e o forçando a continuar com a caça. Sua chantagem emocional é baseada no novo fôlego do casamento e também na “coragem” de vincent. O casal, visita novamente seus dois amigos, o outro casal que trabalhava no ramo da carne, e oferecem a ele um pouco do “porco iraniano”. Mas enquanto comem, um deles acha um marca-passo na carne, e começam a questionar. Vincent, que desde o começo do filme não gostava da arrogância do outro casal, começa a ofender o outro homem até que ambos entram em uma briga. E após Vincent morder a orelha do homem, eles decidem não voltar mais. Vincent decide parar com a caça, e é justamente nesse momento que um grupo de veganos militante, previamente enganados pelo casal, descobre a farsa e vai até a loja deles. Com Vincent ausente, eles prendem a mulher na parte das carnes embaixo do açougue e ameaçam torturá-la. Vincent retorna e consegue salvar a esposa, matando os veganos, mas no final são capturados pela polícia. O filme termina com uma cena de julgamento. (FIM DO SPOILERS).

O resultado final da obra, é um filme divertido e engraçado, com uma forma de humor que funciona muito bem. Não a toa, ganhou o prêmio de melhor filme do Fantaspoa (não sei se eu daria este prêmio, mas com certeza foi merecido). Infelizmente, não encontrei o filme disponível na internet, mas acredito fortemente que em algum tempo poderemos encontrá-lo. Vou deixar o trailer do filme linkado para quem quiser ver.

Na semana que vem, encerro esta sequência sobre o Fantaspoa (ufa), com um top 10 pessoal dos filmes citados até aqui. Importante dizer que nem todos os filmes que eu vi estão nestes artigos. Alguns deles eu optei por não colocar. Estes que não estão aqui, são por eu não ter os considerado tão interessante assim. Por hoje é isto. Até mais.

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Teteus

Formado em Comunicação, aspirante a escritor e roteirista, e interessado em aleatoriedades