Coisas que aprendi fazendo hamburgers

Beto Galetto
Perestroika Blog
Published in
6 min readJan 20, 2016

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Depois de ter sido convidado a participar de uma das edições do PechaKucha em Porto Alegre, onde tentei contar em 6:40 um pouco da minha história e a do Burger101, fiquei com vontade de dividir algumas coisas que tenho aprendido (e várias outras que ainda estou tentando aprender) nesse tempo cozinhando por aí.

Se tudo der certo (spoiler: não vai dar), este é o primeiro de uma série de posts. Talvez seja o mais longo, talvez o mais curto, talvez o único.

Como hors-d'oeuvre, o pensamento mais recorrente e importante (e, às vezes, difícil de lembrar) no meu dia a dia:

Abrace o caos.

Após passar um tempo trabalhando com planejamento em agências de propaganda e produtoras de eventos (some isso ao fato de eu ser um cara bastante ansioso, mas quem hoje em dia não é?), desenvolvi a mania de sempre tentar prever todos os cenários possíveis. Afinal, era sempre fundamental tentar antecipar resultados e enxergar problemas que poderiam surgir ao longo de um projeto ou campanha.

Ironicamente (ou não), a decisão de largar a vida de publicitário e começar a viver de hamburgers não foi nem um pouco planejada. Na verdade, o jeito com que tudo começou, lá em 2011, também não.

<senta que lá vem história>

Um dia, simplesmente me dei conta que estava cansado de “mentir”. Sair de casa pra passar 8, 10, 28 horas por dia dentro de um lugar pensando em formas de convencer pessoas que não conhecia a comprar coisas que muitas vezes não precisavam ou não eram tão boas assim de repente não parecia mais um motivo aceitável pra sair da cama. Nenhuma festinha de agência ou prêmio justificava essa rotina. Não que eu ache que 100% da propaganda seja irrelevante (até porque acabo fazendo do meu próprio negócio), mas convenhamos: se fosse algo bom, os outros 94% das pessoas não clicariam no botão “skip ad”.

Foi por isso que resolvi tentar ir atrás de algo que me satisfizesse mais. Por mais clichê que soe hoje em dia, cozinhar parecia uma ideia interessante. Juntei uma grana por um tempo e fui morar no Canadá. Afinal, já que era pra mudar de carreira, nada melhor que aproveitar e mudar de país e idioma.

Por uma série de fatores aleatórios, comecei a trabalhar numa hamburgueria muito legal lá em Vancouver, BC. Um roommate trabalhava lá, resolvi conhecer o lugar, achei demais, fiz um post, o chef ficou sabendo e boom, na outra vez que fui lá, me perguntou se não queria começar a trabalhar lá também.

Depois de começar como dishwasher (o chef dizia que era importante que todos que soubessem fazer tudo dentro do restaurante), acabei virando sous chef em alguns meses (ainda acho que foi engano, mas ok), cargo que ocupei por mais alguns meses até voltar ao Brasil.

(Poderia seguir horas falando aqui sobre a diferença entre as duas profissões, mas vai ser assunto pra outro post)

Foi nesse retorno que me prostituí. Não pra comer cheeseburger, mas sim pra conseguir juntar dinheiro e voltar pro Canadá e continuar fazendo hamburgers (ou qualquer outra comida). Não virei michê nem nada, mas quase. Ao invés disso, voltei pra propaganda. “Só pela grana”, she said.

Em seis meses, sentia um peso de dois anos nas costas. Depois de ter me dado conta que era uma função vazia, não tinha como voltar atrás. Foi assim que saí. Não tinha um plano B, um projeto paralelo e muito menos grana guardada. Só sabia que essa vida não dava mais.

O que tinha tudo pra ser o momento mais assustador da minha vida acabou se mostrando uma das melhores coisas que acabou acontecendo. De uma hora pra outra, senti como se qualquer coisa fosse possível. Tanto que, quando alguns amigos brincaram (até hoje não sei se era sério) que eu deveria ensinar as pessoas a fazer hamburger, achei que isso realmente era uma boa ideia. Foi assim que, num domingo, surgiu o primeiro curso de burgers (por isso o 101 no nome) de Porto Alegre. Não teve planejamento, teste ou muito tempo pra pensar. Tanto que esse foi o vídeo que fiz pra convencer as pessoas a se inscreverem no curso:

Por algum motivo que jamais vou entender, 30 pessoas acharam que podia ser legal e se inscreveram. E foi mesmo legal. E caótico. Mas todos se divertiram e foi a maior prova que sim, aquilo podia dar certo.

</senta que lá vem história>

Corta pra 2 anos, 25 turmas, 600+ “alunos” e algumas dezenas de eventos e caterings depois.

A mania de tentar prever e planejar tudo acabou me acompanhando nessa transição. Acho que é uma daquelas coisas que gruda em você até o fim da vida. O problema é que, por mais que eu me organizasse, sempre dava algo “errado”. E isso era a coisa mais irritante do mundo.

Aos poucos, fui entendendo (embora às vezes ainda esqueça) que, por mais que você planeje, faça mil checklists e tudo esteja ok, pode ser que:

  • Chova quando era pra fazer sol;
  • Faça MUITO calor quando era pra ser um dia com clima ameno;
  • Acabe o gás;
  • Falte luz;
  • Acabe a bateria do celular (adeus Waze e endereço do evento que você precisa ir);
  • Alguém entregue a encomenda no lugar errado (e você precisa sair em meia hora);
  • Estrague a geladeira;
  • Você aperte o botão “degelo” da geladeira sem querer (o que, aparentemente, é algo irreversível);
  • A voltagem no lugar seja diferente e você esteja a 100km de casa — e de um transformador.
  • Fure o pneu do carro no caminho pro evento;
  • Tenha um engarrafamento gigante num dia e horário que não faz sentido;
  • Vai subir o preço de algum ingrediente depois que você já aprovou um orçamento (coisa que se tornou cada vez mais frequente graças à nosso belo momento econômico);
  • Algum fornecedor esqueça da encomenda e só lembre quando você chegar lá pra buscar (ou seja, fodeu);
  • Algum ingrediente relativamente fácil de achar DESAPAREÇA da cidade;
  • Algum fornecedor te entregue produtos a menos;
  • Algum fornecedor te entregue produtos a mais — e cobre por isso — sem que você se dê conta na hora;
  • Alguma coisa quebre — incluindo você;
  • Seu tênis rasgue ou perca a sola inteira;
  • Você se corte/queime/fure;
  • A gasolina acabe;
  • Bloqueiem o WhatsApp EM TODO O PAÍS, mesmo que por algumas horas;
  • Tenha uma fila bizarra em algum lugar que costuma estar sempre vazio;
  • Estrague o elevador e você tenha que carregar uma cozinha inteira pelas escadas.

Acho que deu pra entender. As situações acima são apenas um exemplo de coisas que podem dar errado (no caso, TODAS já aconteceram comigo — algumas mais de uma vez). O ponto aqui é que, por mais organizado e control-freak-louco-do-excel que você seja, algum imprevisto vai acontecer. Sempre. E tá tudo bem. A vida é assim. Por que no trabalho (que, na minha cabeça, não deveria ser uma ~vida paralela~ e sim parte de uma coisa só) seria diferente?

Ser organizado e tentar prever o imprevisível é ótimo e pode te tirar de uma roubada ou outra, mas quase sempre vai ter alguma coisa no ponto cego. O que vai fazer toda a diferença é como você lida com isso.

Aqui, vejo duas opções:

A primeira é mandar todo mundo se foder e quebrar tudo. Pode ajudar a liberar um pouco do stress (fato: ajuda), mas o problema vai continuar ali, possivelmente piorando a cada segundo. Ainda mais com as pessoas achando que você é um louco.

A segunda é abraçar a merda, respirar fundo (a menos que a situação envolva literalmente merda. Nesse caso, não abrace literalmente) e usar a energia pra tentar achar uma solução criativa. Pode ser que não adiante, mas as chances são boas e tendem a melhorar com o tempo e experiência.

The circumstances won’t change. You are always, always going to face forces that can bring you to your knees. No matter how well set up you are, how early you came in, how tight and awesome your mis en place is, there will be days, forces, events that just conspire to fuck you and the struggle to stay up — to not sink down into the blackest, meanest hole — to stay psychologically up and commited to the fight, is the hardest, by far, part of the day. - Gabrielle Hamilton

A partir do momento que você se der conta que a vida é uma série de acontecimentos aleatórios e caóticos e toda a sensação de controle que você tem não passa de uma ilusão, as coisas talvez melhorem. Ou não.

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Você pode ler os outros textos da série aqui, aqui, aqui e aqui.

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