A Nação Eborá: Herança Africana no Brasil.

Brasil In The Darkness
Brasil na escuridão
19 min readJul 25, 2020

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Versão em Português-BR | Versión en Español

Por Porakê Martins, Eros Rosado e Kynni Kayode

ATENÇÃO: Este é um material de ficção inspirado em elementos históricos e culturais afro-brasileiros e produzido para dar suporte a crônicas do jogo de RPG de Mesa, Changeling: O Sonhar.

Exu Estouvada. Art by Keoma Calandrini

“Aqualtune de Nlanza, princesa do Congo, foi uma Exu que se meteu nos conflitos do Mundo Outonal e liderou um exército de dez mil homens na Batalha de Mbwila, por ordem de seu pai, o Rei Nvita a Nkanga. Em batalha, ela foi derrotada pelos portugueses, convertida em escrava e enviada ao Brasil em 1665. Essa humilhação fez seu semblante feérico e suas memórias fossem afogados pela Banalidade, mas ela possuía uma alma indomável e determinada, que a manteve viva e esperando uma oportunidade de se tornar livre novamente.

Na então Capitania de Pernambuco, Aqualtune foi vendida como escrava parideira para o Engenho de Porto Calvo, onde tomou conhecimento da existência de Palmares, Angola Janga. Com engenhosidade e determinação, ela conseguiu fugir de seu cativeiro e se juntou aos quilombolas, recebendo especial atenção de Acotirene, a poderosa feiticeira imortal que havia sido responsável pela criação do Quilombo, quase um século antes.

Eventualmente, por meio da orientação e da magia de Acotirene, Aqualtune conseguiu recuperar seu semblante feérico e passou pelo ritual de coroação do Manto dos Orixás, exaltada como a primeira integrante do Kith Oba desta lado do Atlântico, se vinculando ao território de Palmares e liderando e arregimentando, em torno de si, Changelings errantes das mais diferentes origens, estabelecendo as bases do que viria a se tornar, um dia, a Sociedade Eborá.

No entanto, com a morte de Aqualtune e a queda de Palmares, séculos se passariam antes que seus sucessores consolidassem seu sonho de organizar, em torno de princípios como solidariedade e justiça, os Changelings do Brasil, observando antigas tradições trazidas do continente natal de toda a humanidade.”

-Dona Jesuína de Dambirá, Obá Rezingona do Grande Conselho de Ewarë.

Por séculos, navios conhecidos como tumbeiros atravessaram o Atlântico abarrotados de pessoas trazidas à força para o “Novo Mundo”. Seu crime? Ter a pele mais escura que a dos europeus. Sua pena? Condenação vitalícia a trabalhos forçados, uma pena imposta com requintes de crueldade e estendida a seus descendentes.

Vindos ao Brasil no sangue e nos sonhos desses escravizados, inspirando e testemunhando sua luta por liberdade, também desembarcaram na costa do país Changelings nativos de África: Biloko, Djedi, Exu, Kuino, Oba, Obambo e Okubili. Fragmentos de diferentes povos, etnias e culturas africanas de onde eram oriundos os negros da guiné, congos, ambundos, benguelas, ovambos, iorubás, jejes, minas, huaças, tapas e bornus forçados à escravidão.

Deste lado do Atlântico, estes Changelings desbravaram territórios desconhecidos no “Velho Mundo”; conheceram e confraternizaram com os rebentos dos sonhos nativos; observaram com seus próprios olhos a tardia Fragmentação que se abateu sobre o continente acompanhando o fluxo de Banalidade trazida pelos colonizadores; resistiram ao lado de seus sonhadores se alimentado de sua esperança, de suas lembranças e de seu afã por liberdade, mas também inspirando-os a se manterem firmes, mesmo diante dos momentos mais difíceis, e os oferecendo suporte para se rebelarem e cobrarem a fatura de seus carcereiros, sempre que surgia a oportunidade. E por isso foram taxados como demônios e criaturas malignas pelos autointitulados “Senhores de Escravos”.

Apesar de tudo, e por muito tempo, estes Changelings africanos, exilados no que viria a se tornar o Brasil, mantiveram boas relações com os Faes Nativos e se mantiveram em bons termos com os Kithains, que eventualmente desembarcavam na costa, acompanhando os colonizadores europeus, eles próprios sobreviventes e renegados. E foi por aqui que surgiram os Eborás, a partir criaturas errantes que diversas que sentiram a necessidade de seu unirem para resistir ao avanço da Banalidade e reverenciar sua ancestralidade.

Ipins Eborá. Arte de Luis Edu original para a Brasil in the Darkness.

Léxico Eborá

Axé: termo análogo a Glamour ou Mirakamby.

Biloko, O Kith: no singular, Eloko. Ipin nativo do continente africano, formado por Changelings que são a personificação viva das tradições de seu povo.

Caapuãs: Changelings nativos do Brasil.

Djedi, O Kith: Ipin nativo do continente africano, formado por Changelings que amam multidões, festas e trabalho em equipe, possuem uma grande afinidade para a magia e as confusões.

Eborá, A Nação: A Comunidade Changeling que se organiza em torno de tradições afro-brasileiras como o Candomblé, a Umbanda e o Tambor de Mina.

Egbé: unidade básica da sociedade Eborá, formada pelos Changelings e Mortais que se agregam em torno de um Templo das tradições afro-brasileiras.

Egbomi: O líder Changeling de um Egbé Eborá.

Exu, O Kith: Ipin nativo do continente africano que foi admitido e completamente assimilado pela sociedade Kithain, formado por contadores de histórias e adoram colocar o pé na estrada.

Ewarë: território que correspondem à Amazônia Legal brasileira e parte do Pantanal, também conhecido como “Reino da Amazônia”, que se mantêm autônomo do Império do Crepúsculo e é controlado pelos Caapuãs, Changelings nativos do Brasil. A Regente da Casa Jêje dos Eborás faz parte do Grande Conselho de Anciões que governa Ewarë.

Iku: o aspecto mais sombrio, rebelde, caótico e contestador do Ori de um Eborá, equivalente ao termo Unseelie dos Kithains.

Império do Crepúsculo, O: Domínios reivindicados pelo Kithains brasileiros que se estende pela maior parte dos territórios do país. A Casa Nagô dos Eborás aceitou fazer parte da estrutura política do Império do Crepúsculo, embora mantenha em segredo a existência de sua própria estrutura interna de poder.

Ipin: em ioruba significa, literalmente, “porção”. Usado pelos Changelings de origem africana para designar a essência de seus Oris que compartilham entre si e que os define como criaturas que, embora diferentes, possuem em comum uma “porção” de suas almas imortais. É quase sempre compreendido de forma análoga aos Kiths entre os Kithains ou aos Povos entre os Caapuãs, mas costuma ser reservado aos Changelings nativos do continente africano e aos Sacis.

Iyabás, As: sociedade secreta ancestral, formada por representantes dos Ipins Djedi, Okubili e Biloko, responsáveis por eleger, coroar e orientar os Regentes Eborás das Casas Nagô e Jêje.

Jêje, A Casa: Uma das duas Casas secretas que regem os Eborás no Brasil, cuja influência se estende pelo Maranhão e o Piauí, além das Regiões Norte e Centro-oeste do país.

Kithain: Changelings oriundos das culturas europeias.

Kuino, O Kith: Ipin nativo do continente africano, formado por negociantes astutos e perspicazes que adoram uma boa barganha.

Nagô, A Casa: Uma das duas Casas secretas que regem os Eborás no Brasil, cuja influência se estende pela maior parte do Nordeste e pelas regiões Sul e Sudeste do país.

Oba, O Kith: Ipin nativo do continente africano que cumpre o papel de líderes de seu povo, ungidos pelos Orixás e orientados pelas Iyabás.

Obambo, O Kith: Ipin nativo do continente africano, formado por exploradores ousados e sagazes conhecidos por seus dedos leves e ira implacável.

Ojo: o aspecto mais benevolente, passivo e conservador do Ori de um Eborá, equivalente ao termo Seelie dos Kithains.

Okubili, O Kith: Ipin nativo do continente africano, formado por sábios obcecados por suas vidas passadas e por sua busca pelo equilíbrio espiritual.

Ori: A Alma Changeling de um Eborá.

Orixás: Entidades equivalentes a divindades nas tradições afro-brasileiras.

Saci, O Kith: Ipin nativo da América do Sul, que foi completamente integrado a Cultura Eborá, formado por rebeldes irreverentes que amam a liberdade tanto quando as oportunidades de subverter o Status quo.

A Sociedade Eborá

Símbolo Caapuã para designar a Nação Eborá.

Negros que escravizam

E vendem negros na África

Não são meus irmãos

Negros senhores na América

A serviço do capital

Não são meus irmãos

Negros opressores

Em qualquer parte do mundo

Não são meus irmãos

Só os negros oprimidos

Escravizados

Em luta por liberdade

São meus irmãos

Para estes tenho um poema

Grande como o Nilo.

─ Solano Trindade, Negros.

O termo Eborá não se refere a nenhum recorte de natureza étnica ou racial, ele representa um vínculo cultural que une Changelings de diferentes origens (Gallains de origem africana ou nativa e Kithains), em torno de crenças, práticas e valores das tradições afro-brasileiras.

Eborás são uma sociedade secreta no interior da comunidade Changeling do Brasil, formada por Changelings que, de forma respeitosa, movidos por afinidades e convicções pessoais, escolheram se organizar em torno de tradições como o Candomblé e a Umbanda. Além de abraçarem essas tradições, os Eborás usufruem do abundante fluxo de Glamour que emerge de seus adeptos, locais e rituais sagrados e do fato de serem reconhecidos e honrados por sua real natureza pelos sonhadores mortais que compartilham de suas crenças. Em contrapartida, eles estão comprometidos com templos e com as pessoas que observam tais tradições, prestando serviços e auxiliando-as sempre que for possível ou necessário.

Changelings nascidos no Brasil que pertençam a Kiths de origem africana (Biloko, Djedi, Exu, Kuino, Oba, Obambo e Okubili) possuem um vínculo muito estreito com a cultura afro-brasileira e quase sempre estão associados aos Eborás, nascendo e crescendo dentro de suas práticas ou sendo imediatamente contatados por Eborás mais experientes antes, ou logo depois, de emergirem da crisálida. Além destes, há um Kith Changeling Nativo do Brasil que foi quase completamente integrado à cultura Eborá, estes são os Sacis.

Adicionalmente, Changelings de qualquer origem (Caapuãs ou Kithains), independente de etnia ou cor de pele, podem se juntar aos Eborás, desde que sejam formalmente iniciados nas tradições afro-brasileiras. E é importante ressaltar que nem todo o Changeling de origem africana no Brasil pertencerá às fileiras Eborás, pois para tanto é preciso ser contatado e iniciado por alguém que já faça parte desta sociedade secreta e seus membros costumam ser bastante discretos e criteriosos em recrutar novos membros.

Os Eborás se organizam em torno de templos ou terreiros, locais que muitas vezes podem servir como verdadeiros Territórios Livres (o acesso a eles deve ser representado pelo Antecedente Posses), formando o que chamam de Egbé, um grupo de Changelings que frequentam um mesmo templo e compartilham crenças, deveres e afinidades. Membros de um Egbe Eborá quase sempre assumem obrigações para com o templo, protegendo-o, participando de rituais periódicos, contribuindo com sua manutenção e até prestando serviços para os Sonhadores que os frequentam, mas dificilmente assumem a posição de responsável por conduzir os trabalhos. Os frequentadores mortais do local costumam se vincular a esses Changelings através de Antecedentes como Aliados, Séquito e Sonhadores.

O Eborá vinculado há mais tempo a um determinado local sagrado é considerado a Autoridade Local sobre todos os assuntos referentes à Sociedade Changeling e recebe o título honorifico de Egbomi (irmão mais velho). Para todos os outros assuntos, a autoridade máxima é o Mortal responsável por conduzir os trabalhos no local, quase sempre alguém com acesso Magia Limitada ou Verdadeira, Fé ou outra fonte pessoal de poder sobrenatural, como a Qualidade Médium.

Como em qualquer sociedade de natureza iniciática, os Eborás guardam muitos segredos, apenas alguns deles estão disponíveis aos recém-iniciados, outros são reservados apenas aos membros mais experientes, reconhecidos por seus serviços prestados aos Orixás, seus templos e seu povo.

De uma forma geral, os Eborás mantêm boas relações com Caapuãs (Gallains nativos do Brasil) e Kithains do Império do Crepúsculo. Porém, um dos segredos mais bem guardados por eles, reservado apenas aqueles com anos de bons serviços aos Orixás, seus Templos e seu Povo, é a existência de uma Nobreza Eborá no Brasil, representada por duas Casas Nobres de membros do raro Kith Obá. Estes são seus verdadeiros líderes em todo o território brasileiro e, entre os Eborás, sua autoridade se sobrepõe a qualquer outra autoridade Mortal ou Changeling, pois ela lhes é conferida pelos próprios Orixás e ambas traçam sua ancestralidade até a lendária Princesa Aqualtune de Nlanza. Assim, a autoridade dos Reis e Rainhas Obas do Brasil, embora se limite aos Egbés e seus Egbomis, se estende secretamente por todo o território do Brasil, sem se importar com as fronteiras estabelecidas por Caapuãs ou Kithains.

Embora Eborás costumem integrar a sociedade Caapuã abertamente e sejam admitidos como súditos plenos de direitos nós domínios de nobres ou Kithain, pertencendo a Grupos de Caça ou Mixórdias, Famílias ou Cortes e, até mesmo ocupando posições como Membros de Conselhos de Anciões Caapuã ou Títulos da Nobreza Kithain, Eborás precisam harmonizar tais status entre Caapuãs e Kithains com suas obrigações para com os Orixás, a sociedade Eborá e seu Egbé. Esta dupla fidelidade pode eventualmente colocar um Eborá em situações especialmente delicadas, mas costuma ser harmônica a maior parte do tempo. Os próprios Caapuãs e Kithains costumam encarar o vinculo dos Eborá com seus templos e rituais como uma questão meramente religiosa e não se importam para que deus ou deuses um Changeling dirija suas preces desde que cumpra com os deveres que se esperam dele.

As Casas Nagô e Jêje

“Que luz tão linda clareou a mata.

Iluminou e estremeceu a serra.

Que luz tão linda clareou a mata.

Iluminou e estremeceu a serra.

É mãe Obá vibrando sua espada.

Semeando forças, fecundando a Terra.

É mãe Obá vibrando sua espada.

Semeando forças, fecundando a Terra.”

─ Ponto de Obá

Poucos além dos Egbomis Eborás estão cientes disso, mas o fato é que, contrariando o senso comum entre os Kithains, os lendários membros da Nobreza Changeling de origem africana também estabeleceram seus territórios no Brasil.

A primeira e mais antiga Casa Obá mantidas em segredo no Brasil mantém seu protetorado na Bahia e é conhecida como A Casa Nagô, regendo os Eborá na maior parte do Nordeste e estendendo sua influência a todos os Eborás do Sudeste e Sul do país e possuindo, desde sua origem, um estreito vínculo com o continente africano.

Os Eborás Nagôs contam que sua Casa foi fundada por três sábias Changelings brasileiras: Mepere, do Kith Djedi; Bambá, do Kith Okubili; e Bokolo, do Kith Biloko. Elas empreenderam uma grande jornada até o continente africano para recuperar conhecimentos ancestrais e, ao retornar, obtiveram dos Orixás, evocando o Legado de Aqualtune, o poder para realizar o Ritual de Coroação de um Exu descendente da Matriarca Eborá, que se tornou o primeiro representante do Kith Obá deste lado do Atlântico, o Rei Kiniun de Xangô, em torno do qual efetivamente teve inicio a estruturação da Sociedade Eborá a partir de Salvador, por volta de 1830.

Na atualidade, os Eborás Nagôs são Aliados dos Kithains e estão integrados ao Império do Crepúsculo, a maioria como meros plebeus, mas alguns, até como detentores de títulos de nobreza

A segunda Casa Nobre oculta dos Eborás, um pouco mais recente, está sediada no Maranhão e é conhecida como Casa Jêje. Seu poder e influência se estende, além dos territórios do próprio Maranhão e do Piauí no Nordeste, a todos os Eborás nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil, com uma especial influência sobre todo o território do Protetorado de Ewarë, além de possuir muitos emissários e espiões nos Reinos Kithains de Xaréis e dos Cristais, bem como, conexões com a misteriosa comunidade sobrenatural do Caribe.

Os Eborás Jêje afirmam que a origem de sua Casa remonta a uma insólita Trupe, formada por um Exu, um Okubili e uma Llorona, que emigraram do Haiti após a revolução que aboliu a escravidão naquele país, ainda no Século XVIII. Estes idealistas teriam vindo para a Amazônia brasileira buscando disseminar seus ideais revolucionários, onde entraram em contato com as histórias locais sobre a Cobra Grande e a identificaram com Dambalah, um dos mais importantes Loas do Vodu haitiano. Eventualmente eles tomaram parte nos eventos que culminaram coma deflagração da Cabanagem, o levante popular que incendiou a então Província do Grão-Pará, na primeira metade do Século XIX, e tiveram seus corpos mortais destruídos durante a dura repressão promovida pelo Império do Brasil.

Só décadas mais tarde, suas almas Changeling ressurgiriam e voltariam a se reunir, dessa vez em São Luís, no Maranhão, em torno do culto local aos Voduns, o Tambor de Mina, através do qual foram capazes de contatar a própria Cobra Grande, reconhecida pelos adeptos do Tambor de Mina como Dambirá, que os permitiu coroar o membro Exu da Trupe, reencarnado em um corpo feminino, como a Primeira Rainha Obá deste lado do Atlântico. Segundo a tradição, tal Rainha vestia a casca mortal de uma descendente de Aqualtune e deu início a Casa Jêje dos Eborás.

Embora sempre tenha havido uma boa dose de rivalidade e eventuais conflitos, ambas as Casas Eborá se consideram irmãs entre si e honram a memória de Aqualtune e do lendário Quilombo dos Palmares, o que, unido a influência e sabedoria da sociedade secreta conhecida como Iyabás, possibilitou a formação de uma forte aliança entre elas, como dois ramos complementares de Grande Nação Eborá.

Tradicionalmente uma das famílias encarna o aspecto Ojo (Seelie), enquanto a outra se deixa reger pelo aspecto Iku (Unseelie), buscando manter o equilíbrio entre o Orun e o Aiye.

Na atualidade o aspecto Ojo é representado pela Nação Jêje, no Maranhão, cuja Rainha é a poderosa Síocháin Oba, conhecida como Dona Jesuína de Dambirá, a quem se costuma creditar grandes méritos pela formação do Grande Conselho Ewarë e a instituição deste Protetorado.

Enquanto o aspecto Iku rege a Família Nagô da Bahia, cujo Rei é o próprio Dom José da Gama, talvez o mais importante aliado dos Kithain do Império do Crepúsculo em terras tupiniquins, por ter aceitado compor seu Império como o Co-regente do Reino do Eterno Verão ao lado de sua esposa, a Sidhe Outonal, Dona Marina, da Casa Fiona. Sobrepondo sua vassalagem ao Triunvirato do Império do Crepúsculo e seu papel como Soberano dos Eborás da Casa Nagô.

As Iyabás

Arte de Alyne Leonel

“Não precisa ser Amélia pra ser de verdade

Cê tem a liberdade pra ser quem você quiser

Seja preta, indígena, trans, nordestina

Não se nasce feminina, torna-se mulher

E não precisa ser Amélia pra ser de verdade

Cê tem a liberdade pra ser quem você quiser

Menos preta, indígena

Não se apropria

Quer ser preta dia a dia

Pra polícia cê num quer.”

─ Bia Ferreira, Não precisa ser Amélia.

Nem só de Reis e Rainhas dependem os Eborás, outro segredo, reservado aos Egbomis é a existência de uma antiga ordem formada exclusivamente por mulheres Eborás que não pertencem a nenhuma das duas Casas Obás, chamada de Iyabás.

As Iyabás existem mesmo antes de existirem Nagôs e Jêjes, na verdade, foram, em grande parte, as responsáveis por sua criação destas duas Casas. A ordem foi instituída originalmente pela Rainha Aqualtune, com a função de conselheiras de seu filho, Ganga Zumba, Rei de Palmares, para quando ela própria lhe faltasse.

No entanto, após a morte de Aqualtune, os conselhos das Iyabás não foram suficientes para evitar o fim trágico de Ganga Zumba. Elas então serviram também a seu sucessor, Zumbi de Palmares, mas, tão pouco, foram capazes de evitar a destruição do Quilombo. Mas a perseverança é a marca das Iyabás e, ainda assim, a ordem se manteve ao longo dos séculos, renovando-se e resistindo, aprendendo com seus erros, servindo aos Orixás e inspirando, guiando e moldando com paciência e determinação o que viria a se tornar a Sociedade Eborá.

Desde sua fundação, as Iyabás são formadas por três poderosas feiticeiras Changeling. Sempre uma Djedi, uma Okubili e uma Eloko. A Djedi representa a Orixá Iansã, uma guerreira geniosa, ousada e indomável. A Eloko representa a Orixá Oxum, uma mediadora paciente, sensível e benevolente. E a Okubili representa a Orixá Nanã, sábia, misteriosa e, por vezes, sombria.

Desde a origem da ordem, um trio de corujas quiméricas aconselha e orienta as Changelings exaltadas a uma posição entre as Iyabás, estas poderosas quimeras serviram e servem a todas, representando um fio de continuidade entre elas. Estas quimeras também servem como canal de comunicação, levando e trazendo mensagens, ligando todas as integrantes da ordem através do tempo e do espaço.

A primeira delas é uma rasga-mortalha chamada Generosa, que serve à integrante Biloko da Ordem. A segunda é uma murucututu chamada Audaciosa e serve à integrante Djedi da Ordem. E a terceira delas é uma coruja-diabo chamada Serena, que sempre serve à integrante Okubili do trio de feiticeiras. Elas não podem ser mortas por qualquer meio natural e possuem meios próprios para se manifestar tanto no Mundo Outonal quanto no Sonhar, na Umbra e até mesmo no Mundo Inferior. Adicionalmente, cada uma delas possui a capacidade de se tornar invisível, de utilizar qualquer efeito relacionado à arte Andanças (tanto no Fundo quanto no Mundo Outonal), de rastrear qualquer alvo indicado por uma das Iyabás e de projetar imagens e visões nas mentes destes alvos. Elas também são capazes de falar, no entanto, estão sujeitas a uma proibição que as limita a se comunicarem apenas com membros da ordem por meio da fala, o que quase sempre é feito por meio de sussuros.

Outra distinção das integrantes da ordem é a posse de poderosos Tesouros em forma de cabaças: a Cabaça de Oxum é uma espécie de cantil capaz de saciar qualquer tipo de sede; o Maracá de Iansã é um instrumento de percussão capaz de obrigar qualquer um que o ouça a seguir o seu ritmo; e a Bolsa de Nanã é uma bolsa sem fundo, capaz de armazenar qualquer objeto e da qual a usuária sempre será capaz de retirar sem esforço o objeto do qual estiver precisando.

Pertencer às Iyabás é uma honra vitalícia, sempre que uma delas deixa o grupo, o que só pode ocorrer pela morte quimérica ou feérica, é tarefa da respectiva coruja quimérica eleger uma sucessora adequada. Graças ao vínculo proporcionado por suas emissárias, elas raramente são vistas reunidas em um mesmo lugar. Estas raras ocasiões costumam ser as cerimônias secretas para incorporar novas integrantes ao grupo ou para coroação de Reis e Rainhas Eborás.

As próprias Iyabás são as responsáveis por escolher e coroar, entre os Exus Eborás, os novos Reis e Rainhas, tanto da Casa Nagô quanto da Casa Jêje, realizando o ritual do Manto dos Orixás, que os converte ao Kith Obá. Entre os Eborás, o direito a Coroa deve ser conquistado por feitos e méritos, não sendo um direito hereditário. Elas também têm o dever de aconselhar os soberanos Eborás nos momentos decisivos. Reis e Rainhas tomam as decisões, lideram e inspiram seu povo, mas são as Iyabás quem mantêm a Grande Nação Eborá unida, mediando eventuais conflitos entre as duas Casas e mantendo o fio de continuidade que as ligam a seu passado mítico à sombra de Palmares e fazendo cumprir a vontade dos Orixás.

Ipins Eborás

“Querido irmão branco:

Quando nasci, era negro.

Quando cresci, era negro.

Quando o sol bate, sou negro.

Quando estou doente, sou negro.

Quando morrer, serei negro.

E enquanto isso, você:

Quando nasceu, era rosado.

Quando cresceu, foi branco.

Quando o sol bate, você é vermelho.

Quando sente frio, é azul.

Quando sente medo, é verde.

Quando está doente, é amarelo.

Quando morrer, você será cinzento.

Então, qual de nós dois é um homem de cor?”

─ Léopold Senghor, Homem de Cor.

Ipin é um termo ioruba que significa “porção”, na cultura Eborá, este termo é análogo aos Kiths dos Kithains e aos Povos Caapuãs, mas é reservado aos Kiths nativos de continente africano e aos Sacis, que embora sejam um Kith nativo do Brasil, foram “adotados” pelos demais Ipins e admitidos entre eles. Assim, são ao total, oito os Ipins que compõem a base da Sociedade Eborá no Brasil:

BILOKO | DJEDI | EXU | KUINO | OBA | OBAMBO | OKUBILI | SACI

História Recente

Frame do Filme Besouro (2009) de João Daniel Tikhomiroff

“Ninguém ouviu

Um soluçar de dor

No canto do Brasil

Um lamento triste

Sempre ecoou

Desde que o índio guerreiro

Foi pro cativeiro

E de lá cantou

Negro entoou

Um canto de revolta pelos ares

No Quilombo dos Palmares

Onde se refugiou

Fora a luta dos Inconfidentes

Pela quebra das correntes

Nada adiantou

E de guerra em paz

De paz em guerra

Todo o povo dessa terra

Quando pode cantar

Canta de dor.”

─ Paulo César Pinheiro & Mauro Duarte, O Canto das Três Raças.

Com o Advento da Ressurgência, no final da década de 60, e o consequente retorno dos Sidhe Arcadianos, alguns membros do Kith dos nobres, para espanto de muitos, ressurgiram em solo brasileiro, o que foi atribuído por alguns estudiosos ao legado do lendário Rei Português, D. Sebastião, que teria sido, ele próprio, um singular Sidhe Outonal.

Porém, talvez em consequência do Ressurgimento brasileiro ter se dado em plena Ditadura Militar, é significativo o volume de nobres que romperam a crisálida num primeiro momento se entregando a seu legado Unsellie. Rapidamente os Sidhe ressurgidos transformaram a desorganização dos Kithain locais, reunindo reinos independentes e protetorados, em um pungente Império, o Império do Crepúsculo.

O Império logo tentou estender seus territórios por todo o Brasil, mas esbarrou em muitos obstáculos: ao Norte, a aguerrida resistência Caapuã; ao Sul, uma insólita aliança entre Changelings nativos e Plebeus Kithain; e no Nordeste, rebeldes liderados por D. José da Gama, líder da Casa Nagô dos Eborás.

O império nascente tratou de forma bastante conservadora e tradicional a resistência dos Nativos a um governo unificado, o que fatalmente fez ressurgir com renovado vigor a animosidade e o rancor entre Caapuãs e Kithains. No início, a resistência Caapuã era extremamente dispersa e desorganizada e os Sidhe tinham a seu lado a disciplina e a experiência militar. Uma aliança secreta entre Caapuãs e Eborás foi fundamental para organizar a resistência ao Norte em torno dos Eborás da Casa Jêje e quatro Kiths nativos principais (Caiporas, Curupiras, Karuanas e Mapinguaris), após duras derrotas. O que culminou com a criação do Grande Conselho de Ewarë, mudando maré da Guerra.

Tal articulação foi, ainda, favorecida pelo sucesso da rebelião que eclodiu no Nordeste, sob a liderança do carismático José da Gama, onde Eborás da Casa Nagôs tornaram impossível a criação de um Reino unificado, usando táticas de terror e guerrilha para combater as tropas imperiais. No final da década de 80, José da Gama foi secretamente coroado Rei Obá de Salvador e se tornou o legitimo soberano dos Nagôs, ungido pelos Orixás e derrotou em combate singular o poderoso Comandante Sidhe das Tropas Imperiais.

Ao fim de duas décadas de conflitos sangrentos encobertos pelo manto da Ditadura Militar, o Império estava seriamente abalado, mas D. José da Gama, estava inclinado a selar paz mediante a criação, no Nordeste, de um reino sob sua liderança, o Reino do Eterno Verão, num episódio marcado por sua união à bela Sidhe Outonal, Dona Marina de Scathach.

Esta aliança abriu o caminho que permitiu, ainda nos anos 90, o pacto entre o Império do Crepúsculo e o Grande Conselho Ewarë dos Gallains Amazônicos, habilmente intermediado por Dona Jesuína, com o auxilio de Dom José e das Iyabás, o que formalizou o Protetorado da Floresta e encerrou os conflitos entre Kithains e Caapuãs, apesar de muitos ressentimentos ainda latentes.

O Reino do Eterno Verão, no litoral nordestino passou a integrar o Império do Crepúsculo, sendo governado por sua própria casal real, os Da Gama: Dom José, um Obá que costuma ser tomado pelos Kithain como um Exu especialmente nobre ou arrogante, e Dona Marina, uma Sidhe Outonal da Casa Scathach, ela própria, secretamente, uma Eborá Nagô, filha de Iemanjá. Ambos possuem alinhamento “Unseelie”, embora sejam de orientação modernistas, e são peças fundamentais na estrutura de poder do Império, um fato agravado pela discreta, embora inegável, influência de Dom José sobre todos os Eborás das regiões Sudeste e Sul do Brasil. Tal influência, intuída pelos Sidhe politicamente mais habilidosos do Império, é tomada por muitos Kithains como uma admiração legítima por um membro do povo que galgou sua posição por méritos próprios, enquanto outros a veem como uma incômoda fonte de preocupação, por supostamente alimentar os sonhos de grandeza em plebeus insolentes.

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Então conheça mais detalhes de nossa proposta de cenário alternativo o jogo no link abaixo:

Ewarë, o “Reino” Encantado da Amazônia.

A Nação Caapuã: Herdeiros dos Sonhos Nativos.

Cosmovisão Caapuã: segredos e encantarias dos changelings nativos do Brasil.

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