Os curtas na era da internet: quais são e como funcionam os canais de difusão desses filmes na web

Streamings e iniciativas de democratização do acesso tornam possível a existência do cinema de curta-metragem para além dos festivais

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Cena do filme Vaga Carne, de Grace Passô e Ricardo Alves Jr.

Há cerca de dez anos, numa época em que a internet já era tão intrínseca às atividades cotidianas que mal se discutia qual o papel ela desempenhava na vida das pessoas, o fabuloso Prince teve a audácia de dizer que “a internet já era”. Segundo o ídolo pop, a internet “é como a MTV. Por um tempo ela foi legal, mas de repente ela saiu de moda”.

Elaborando a ideia, Prince chegou a dizer que sempre estava à procura de novas maneiras de distribuir o trabalho dele, mas que não enxergava como disponibilizar sua obra no iTunes poderia ajudá-lo — uma vez que a plataforma não o pagaria antecipadamente. Todas essas questões, vale dizer, aconteceram numa época anterior aos serviços de streaming de música. Quando surgiram, porém, Prince manteve a postura restritiva e não autorizou que sua discografia circulasse nesses serviços. As reflexões do cantor sobre o tema podem ser facilmente rotuladas como o pensamento de alguém que simplesmente não compreendia o que novos modelos de distribuição de música (modelos estes que já nem eram tão novos assim em 2010) poderiam fazer por um artista.

Na contramão de Prince, bandas como Arctic Monkeys, anos antes, conquistaram o primeiro lugar das paradas europeias com seu single de estreia, antes mesmo de ter um disco de verdade. Tudo porque conseguiram disponibilizar, gratuitamente, uma demo de sua música — gerando assim curiosidade no público inglês. A surpresa dos donos das gigantes gravadoras ao verem uns meninos recém-saídos da adolescência tomando de assalto o topo das paradas, deixando para trás veteranos queridos da terra de lá como o Oasis, foi tamanha que passaram a prestar (ainda) mais atenção no que rolava pela internet. Estava óbvio, desde os anos primários da década passada, que possibilitar o acesso à música pela rede era um caminho que poderia trazer frutos para o artista (e também para as gravadoras). Para olhares mais atentos, isso já poderia ser antecipado mesmo no fim dos anos noventa com todas as polêmicas que envolveram o Napster.

A discussão no audiovisual se fomentou com alguns anos de atraso em relação ao mercado sonoro, muito pela dificuldade, em décadas passadas, de poder trabalhar com dados de vídeos da mesma maneira que dados sonoros na internet (do ponto de vista técnico, vídeo demandava uma internet rápida e um volume de dados muito maior do que música). O Youtube, por exemplo, não existia até 2005 e a ideia de se assistir a vídeos em alta qualidade era algo simplesmente impensável para a maioria das pessoas.

No entanto, era inevitável pensar que essas questões, mais cedo ou mais tarde, chegariam e, a partir dela, se levantassem questões outras como o livre acesso a conteúdos de vídeo, a maneira justa de remunerar artistas e como fazer um determinado conteúdo, sendo este pago ou não, alcançar o máximo de pessoas possível.

Cena do filme Sulanca, de Katia Mesel

Mesmo que o mercado de música seja intensamente diferente do mercado de filmes, as situações descritas acima nos ajudam a pensar, de maneira análoga, o recorte que mais nos interessa aqui: o da difusão e da democratização do acesso aos curtas-metragens.

“A grande questão é que não é nada fácil conseguir alugar filmes pela internet e a dificuldade me parece ainda maior para os curtas. Serviços que consigam disponibilizar os filmes gratuitamente para o público e, ao mesmo tempo, dar algum retorno para os produtores/realizadores, parece-me um caminho adequado” | Daniel Queiroz

Em comparação a longas-metragens, é muito mais fácil (e ainda assim não é exatamente fácil) produzir filmes de curtas-metragens. Mas no que se refere à distribuição, talvez os desafios que os curtas enfrentam sejam ainda maiores do que os longas. Sabemos que longas-metragens têm sobrevida para além de festivais e de sua estreia no cinema. Há a possibilidade de vender ou alugar o filme, de revê-lo em serviços de streaming ou mesmo de encontrá-lo gratuitamente disponibilizado no Youtube.

Mas o que acontece com os filmes de curta-metragem quando eles saem do mapa dos grandes festivais? Eles não estreiam mais nos cinemas (embora a Lei do Curta não tenha sido invalidada) e dificilmente chegam aos grandes serviços de streaming (atualmente, apenas a Spcine Play tem uma parte de seu catálogo dedicada aos curtas).

Com sorte, pode-se encontrar um link ou outro espalhados no mar da internet. Ainda assim, pode levar anos para que um filme seja disponibilizado, em parte pela regra do ineditismo que alguns festivais impõem, em parte por causa de direitos que não estão exatamente nas mãos do cineasta, em parte também porque a distribuição focada no grande público não é lá muito levada em consideração.

Ainda assim, há meios e meios de se distribuir os filmes. Para Daniel Queiroz, um dos cabeças da distribuidora Embaúba Filmes, um dos caminhos possíveis é que os filmes sejam distribuídos em VOD (vídeo on demand). “A grande questão é que não é nada fácil conseguir alugar filmes pela internet e a dificuldade me parece ainda maior para os curtas. Serviços que consigam disponibilizar os filmes gratuitamente para o público e, ao mesmo tempo, dar algum retorno para os produtores/realizadores, parece-me um caminho adequado. Mas não são muitas as opções neste sentido. De qualquer forma, creio que o principal seja a possibilidade de acesso aos filmes pela internet. Vivemos um tempo em que não se tinha acesso a alguns títulos fora do circuito de festivais ou mostras especiais. Hoje a internet permite que esses filmes se tornem acessíveis. Mas persiste o desafio para que sejam efetivamente vistos por um número significativo de pessoas.”

Cena de Só Sei Que Foi Assim, de Giovanna Muzel

Enxergando os curtas e médias como terreno fértil para o exercício da criatividade, Daniel diz que sempre se interessou pelos formatos. A experiência de Daniel trabalhando com curtas e longas vem de longa data: fazendo a curadoria de curtas brasileiros em festivais de cinema desde 2003, ano em que fez parte da comissão de seleção do Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte pela primeira vez, o executivo pôde constatar de perto, ao longo dos anos, a força do curta brasileiro que, de um modo geral, aos olhos dele, parece até estar um passo adiante dos longas, em muitos sentidos.

“Muitas vezes o curta fica preso durante anos, e acho que isso cria uma distância e dificulta a galera a conhecer e compartilhar o material mais recente feito no seu país” | Giovanna Muzel

O grande problema, no entanto, segue sendo a distribuição. Por essa razão, sua equipe decidiu juntar dois médias, Vaga Carne (2019), de Grace Passô e Ricardo Alves Jr., e Sete Anos em Maio (2019), de Affonso Uchôa, e lançá-los nos cinemas como um único título. Mas a pandemia afundou os planos e o lançamento acabou acontecendo pela internet. Disponibilizados para locação no site da distribuidora as obra, os filmes, segundo Daniel, tiveram uma resposta morna por parte do público.

Vaga Carne e Sete Anos em Maio estão disponíveis para locação pelo site da Embaúba há quase dois meses e os resultados até então foram pífios. Mas o Vaga Carne estreou também na plataforma Spcine Play, onde ficou disponível gratuitamente por pouco mais de duas semanas, atingindo um público de mais de 7 mil pessoas neste curto período, o que consideramos um resultado extraordinário. Esta experiência demonstrou, por um lado, o potencial imenso de circulação dos filmes pela internet, mas por outro reforçou as dificuldades práticas de retorno comercial, por meio de locações on-line. Vale observar que esta dificuldade não é apenas dos curtas e médias, mas também ocorre com os longas, em especial os longas de produção mais independente, de perfil mais autoral.”

Ainda assim, Daniel e sua distribuidora pretendem distribuir outros títulos de curta e média-metragem no futuro, embora o lançamento de longas ainda seja o foco principal — pelas próprias contingências do processo.

Talvez por causa dessa dificuldade em rentabilizar suas produções, muitos cineastas começaram a disponibilizar as suas obras em seus canais no Youtube, no Vimeo ou afins. É o caso de Giovanna Muzel, vencedora da mostra de curtas gaúchos em Gramado. Para a jovem, a distribuição dos filmes assume um caráter central:

“Muitas vezes o curta fica preso durante anos, e acho que isso cria uma distância e dificulta a galera a conhecer e compartilhar o material mais recente feito no seu país. Esse ano postei o Só Sei Que Foi Assim (leia nossa crítica) no Youtube, que até agora é a plataforma mais amplamente acessível que conheço. Eu pretendo liberar os outros trabalhos eventuais que eu fizer do mesmo jeito”, destacou Giovana.

“A gente acredita muito no poder do audiovisual de transformação pessoal e social, e os curtas, por serem mais fáceis de produzir e não precisarem de muitos recursos, possibilitam que pessoas de diferentes realidades contem suas histórias e gerem impacto com elas” | Danielle Villanova

Otávio Gaudencio, cineasta de Ibaté, interior de São Paulo, compartilha da opinião de Muzel sobre as cláusulas de ineditismo que alguns festivais exigem. Para ele, cineastas, especialmente os iniciantes, querem mostrar seus filmes para o público, sem esse tipo de limitação.

“Pensei em colocar [o filme] em outras plataformas como o Vimeo, mas o YouTube me pareceu suficiente e universal. Tive a sorte de fazer parte de um grupo no Facebook de cinema e eles ajudaram muito na divulgação do curta [Depois da Meia-Noite (2019)]. Atualmente, [o filme] está com 3 mil visualizações e eu me sinto muito orgulhoso, não só pelo fato de ter chegado a esse número, mas quando faço uma reflexão sobre como muitas pessoas se interessaram no meu projeto, é algo tão tocante que mal consigo colocar em palavras.”

Cena de Depois da Meia-Noite, de Otávio Gaudêncio

O mesmo caminho de disponibilizar títulos no Youtube é trilhado por Katia Mesel, uma das realizadoras mais importantes e com mais tempo de estrada do país. Em seu canal na plataforma, é possível encontrar filmes premiados como Sulanca (1986) e Recife de Dentro Pra Fora (1997). Mas basta uma busca na plataforma por seu nome para percebermos que seus filmes não aparecem apenas em seu canal oficial, outras contas, sem fins lucrativos, parecem difundir o conteúdo da autora.

Uma iniciativa diferente e promissora é a do canal Kinobox Curtas, também no Youtube. Idealizado por Danielle Villanova e Vitor Damárcia, ambos graduados em cinema pela PUC — Rio, o projeto enxerga no vácuo deixado pelos grandes serviços de streaming de vídeo uma possibilidade de negócios.

Nascendo com uma proposta política clara, o canal tem como principal objetivo difundir curtas-metragens de maneira gratuita para o espectador, possibilitando que o realizador associado receba, através dos anúncios do próprio Youtube, uma porcentagem do valor arrecadado por eles. O interessante é que não há exigência de exclusividade: os filmes podem estar disponíveis em outros canais e veículos e ainda assim fazer parte do catálogo do Kinobox. Quando indagada sobre isso, Danielle afirma que “é uma escolha totalmente política. Nosso objetivo é difundir essas histórias, então não faz sentido restringi-las à nossa plataforma. Se o filme tiver disponível também em outros canais, ele vai atingir a outros públicos e nosso objetivo estará sendo cumprido. A gente acredita muito no poder do audiovisual de transformação pessoal e social, e os curtas, por serem mais fáceis de produzir e não precisarem de muitos recursos, possibilitam que pessoas de diferentes realidades contem suas histórias e gerem impacto com elas. Então, de uma vontade de assistir mais curtas (que geralmente ficam restritos aos festivais de cinema), divulgar a diversidade de histórias que existe no Brasil e provocar reflexões e pensamento através delas, surgiu o Kinobox”.

Esse carinho de Victor e Danielle para com os curtas se reflete justamente nas escolhas dos filmes presentes no canal. Com uma curadoria bastante cuidadosa e preocupada em contemplar propostas distintas, o Kinobox conta atualmente com 93 títulos disponíveis — e toda semana um novo curta é inserido na plataforma. Para eles, interessa que a diversidade, tanto temática quanto geográfica e estética se faça presente na seleção dos filmes (no catálogo há, inclusive, filmes de Torquato Joel, cineasta paraibano que é tema do nosso 3x4 dessa semana).

“Nos interessam muito as histórias que, de tão específicas, não teriam espaço na grande mídia. Quanto aos conteúdos que mais agradam, a gente percebe que filmes LGBT fazem muito sucesso, acredito que pela carência do público em se ver representado (algo que felizmente vem mudando) e também pela presença forte da comunidade nas redes”, avaliou Danielle Villanova.

“cada filme é um universo à parte a ser explorado” | Júlio Calvani

A ideia de veicular gratuitamente os filmes faz com que pessoas que normalmente não conheceriam os filmes acabem assistindo-os e expressando suas opiniões sobre eles. Atualmente, mais de vinte e sete mil pessoas seguem o canal no Youtube — o que é um grande feito se pensarmos que o projeto existe há tão poucos meses. Segundo Villanova, os cineastas se surpreendem com a recepção do público — uma vez que, usualmente, eles não teriam acesso a comentários tão espontâneos e orgânicos acerca de suas obras.

Outra proposta interessante para os cineastas que desejam disponibilizar os seus filmes é a oferecida pelo serviço de streaming Cardume. Para os diretores que se dispuserem a acrescentar seus filmes ao catálogo do projeto, não há custo e há a garantia de que serão remunerados não de acordo com a performance de seus filmes, como acontece com o Kinobox, mas sim com o sucesso do projeto como um todo. A equipe do Cardume garante que 30% de todo o valor arrecadado pela plataforma será dividido igualmente entre todos os cineastas associados.

O projeto, que teve início em dezembro do ano passado, tem como missão impulsionar e fomentar o cenário nacional do audiovisual e funciona aos moldes da Netflix ou do Amazon Prime Video: o usuário se associa, pagando uma taxa mensal de cinco reais (“mais barato do que uma cerveja”, nas palavras dos idealizadores), e tem acesso ao acervo disponibilizado por eles. Ao todo são 160 títulos diferentes, entre animações, documentários e curtas de ficção. Não sabemos ao certo qual a adesão do público, porém sabemos que eles contam com cerca de 8.300 seguidores no Instagram nesses sete meses e meio de iniciativa.

Cena do filme Ultima Puella, de Jota Bosco, disponível no Brazuca Trash

De maneira mais livre e aberta, há o Libreflix, que se propõe a ser um serviço de streaming aberto que exibe curtas e longas de maneira gratuita para o usuário. Com quarenta e oito curtas no acervo (alguns títulos bastante famosos e celebrados, como Hoje Eu Não Quero Voltar Sozinho (2010) e Quem Matou Eloá? (2015), o projeto celebra a disseminação de cultura sem barreiras.

Nas palavras dos próprios, “a ideia do Libreflix está diretamente ligada com o conceito de cultura livre, que defende a liberdade para modificar e, principalmente, distribuir obras criativas. O projeto tomou forma pela necessidade de um canal que reunisse produções audiovisuais assim, que, no mínimo, pudessem ser transmitidas gratuitamente pela web sem ferir nenhum direito autoral”.

De maneira ainda mais transgressora, o Brazuca Trash disponibiliza conteúdos sem se preocupar exatamente com a ideia de direitos autorais. A intenção não é lucrar com produções de terceiros, mas, segundo os organizadores, Leonardo Vicente e Eduardo Vicente (o mesmo sobrenome é mera coincidência, eles avisam que não são irmãos, são apenas amigos), o objetivo maior é difundir as produções independentes do cinema trash, facilitando assim o acesso dos filmes aos fãs de terror.

Considerando o nicho em que se insere, eles afirmam que “os fãs de trash em geral têm dificuldade em formar grupos” e por isso criaram o espaço de streaming: para ajudar a comunidade desse tipo de produção a encontrar material e trocar ideias sobre esse tipo de produção. Ao todo, há 30 títulos brasileiros e mais alguns estrangeiros. Sobre a variedade do catálogo, Leonardo afirma: “a ideia do projeto é levar conteúdo independente e autoral para mais pessoas, e principalmente para aquelas que por algum motivo não tem acesso, seja por grana ou qualquer outra razão. A gente quer diversificar o conteúdo pra não ficar preso nos mesmos títulos que já estão por aí. Nossa meta é garimpar mais e mais raridades e produções independentes que não tem espaço nos grandes streamings. Ser uma janela pro pessoal divulgar o seu trampo e mais gente conhecer o trabalho dessa galera dedicada e empenhada. A gente tem muita coisa boa em solo nacional, mas o complexo de vira-lata de muitos não deixa enxergar”.

Plataformas próprias à parte, a iniciativa Um Curta Por Dia, do jornalista e cineasta Júlio Cavani, utiliza o Instagram para difundir curtas-metragens. “Não somos uma plataforma, não disponibilizamos arquivos para download e nem queremos vazar os filmes clandestinamente de forma pirata. O que fazemos é um gesto de mediação, de divulgação, de compartilhamento de algo que já está disponível na internet e muitos não sabem, mas acreditamos que gostariam de saber.”

Com mais de novecentos seguidores na rede social, o projeto, que seleciona e aponta onde as pessoas podem ver os filmes, nasceu há pouco mais de dois meses e pode ser considerado um sucesso.

Calvani conta que durante a quarentena teve a ideia de postar um curta por dia em seu perfil do Facebook, para seus amigos, e, mais tarde, percebeu que poderia expandir aquilo. Tendo em mente que muitas pessoas não conseguem assistir a filmes de longa-metragem inteiros porque perdem a atenção ou dormem, ele pensou que poderia fazer da difusão de curtas uma forma de trocar afetos e compartilhar a cinefilia. “Foi aí que surgiu o @umcurta no instagram, organizado por mim e pela jornalista Paula Melo. É um perfil de instagram muito simples. As postagens seguem sempre o mesmo esquema. Publicamos principalmente o pôster do filme. Os links ficam reunidos na “bio”. O público pode usar de várias maneiras. Alguns podem copiar e colar o link para ver na TV, outros podem assistir-lhes pelo telefone celular mesmo. Outros podem enviar para amigos ou ver várias vezes. Apesar da simplicidade, acredito que o projeto carrega significados infinitos, pois cada filme é um universo à parte a ser explorado.” Dando preferência a divulgação de links oficiais, que são publicamente divulgados pelos próprios realizadores em seus próprios canais oficiais, o projeto aglutina curtas dos mais diversos tipos (há animações, documentários e longas ficcionais).

Cena de História Natural, de Júlio Calvani

Enxergando o que faz como uma espécie de festival que dura o ano inteiro, Júlio diz que o Um Curta Por Dia, tal qual cineclubes e festivais, tem sim um significado político. Na visão dele, “o conjunto de filmes pode ser interpretado como a construção de um discurso político e poético, mesmo que involuntariamente ou espontaneamente. Na verdade, considero que toda arte é política. Todo projeto que envolva arte vai sempre carregar isso. Investir em cultura é investir em educação, saúde, segurança, qualidade de vida, amadurecimento intelectual, além também de entretenimento. É uma forma de ver o mundo. Cultura é identidade. Acho que o @umcurta realmente contribui para a democratização da cultura, como você sugeriu, porque indicamos links de filmes que podem ser vistos gratuitamente e que estão ao alcance de todos, mas muitos não sabiam da existência deles. Curtas-metragens normalmente ficam muito restritos a festivais ou a horários muito específicos esporadicamente em alguns canais de TV. Muitos desses filmes inclusive foram produzidos com recursos públicos governamentais e ampliar o acesso a eles é também uma forma de fazer esse investimento retornar para a sociedade como uma contrapartida lúdica”, defende ele.

Pensando na dimensão pública que Júlio aponta, vale salientar iniciativas do Estado em relação à difusão de filmes curtas-metragens. A Cinemateca Pernambucana, por exemplo, disponibiliza em seu acervo dezenas de títulos, entre os quais destacam-se filmes de Adélia Sampaio, Camilo Cavalcante e da onipresente Katia Mesel. Com mais títulos ainda, o acervo da Cinemateca Brasileira permite que vejamos, gratuitamente, filmes de verdadeiras lendas do nosso cinema, como Glauber Rocha e Humberto Mauro.

Tão importante quanto, é o Porta Curtas. Com um acervo robusto, com 1379 títulos, o projeto, criado em 2002 por Julio Worcman, se mantém em parceria com o Canal Curta!; além de disponibilizar filmes gratuitamente, o repositório cataloga fichas dos curtas-metragens e funciona, em alguma medida, como uma boa radiografia da produção nacional.

No geral, a distribuição de curtas na internet acaba sendo inevitável, tal qual foi com a música e com os longas-metragens. Mas se o mercado sonoro e os longas encontraram nos streamings a força necessária para se renovar, os filmes de curta-metragem parecem ainda estar tateando caminhos e meios.

Do todo, uma coisa é fato: existe público e existe a vontade de fazer com que esses filmes cheguem até as pessoas. Da nossa parte, esperamos que iniciativas como as apontadas aqui despontem cada vez mais. Acreditamos que é questão de tempo para que essas formas de difusão se solidifiquem, fazendo com que exista vida para além dos festivais.

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Thiago Dantas
curta curtas :: curtindo curtas, curtindo cinema

Uma espécie de Macabéa, só que mais trouxa. 31 anos, paulistano, comunicólogo e professor.