Um lugar querido

Marcela Leon
Design pra Vida
Published in
4 min readMay 4, 2018

Passei boa parte da minha pré-adolescência e adolescência em um pequeno sobrado de dois dormitórios. Sou a mais velha de cinco irmãos. Basta fazer as contas para ver que as sete pessoas dessa família precisavam dividir sempre os lugares da casa.

Então, nesse momento de construção da identidade, buscava um refúgio "solitário" sempre que podia. Valorizava muito aqueles breves momentos em que todos se juntavam para assistir alguma coisa na televisão e eu podia ficar sozinha no quarto ouvindo rádio, escrevendo no meu diário ou simplesmente mexendo nas minhas miudezas de jovem menina.

Às vezes, tudo o que eu tinha era o espaço da minha cama. Dormia na cama de cima de uma beliche e ali, quase que em um segundo andar daquele quarto, construía meu microcosmos.

Então, teve uma época, enquanto eu me preparava para prestar o vestibular, que o quarto da parte baixa da casa — aquele que seria o quarto de empregada, uma espécie de edícula junto ao quintal — foi transformado em quarto de estudos onde eu passava boas horas dos meus dias separada de todos.

Aquele ano poderia ser resumido nos três períodos que se dividiam os meus dias: 3o ano no colégio pela manhã, cursinho preparatório para o vestibular de tarde e estudo no quarto à noite.

Depois casei e morei em um outro sobrado, também de dois quartos, que desta vez era habitado por um casal e seus dois filhos. Eu dediquei quatro anos a essa rotina de dona de casa e ainda guardava aquele lugar de quietude e afastamento dentro de mim.

Os anos seguiram. Continuei dividindo pequenos espaços. Ora com algum irmão, ora com universitárias no começo da vida adulta. Teve até um ano em que todos os filhos se juntaram e foram morar com a mãe recém separada. Estava mais uma vez dividindo aquele mesmo quarto com os irmãos mais novos. Só que desta vez, tinha também os dois filhos pequenos.

Avançamos mais alguns anos, pouco mais de seis, chegamos ao apartamento da Aclimação. Dar uma localização geográfica para esse lugar ajuda a significar os sentimentos que habitam nele. Nesse apartamento mora um lugar querido. Precisamente, junto à grande janela que roubou minha atenção desde a primeira vez que entrei nele, onde estão cuidadosamente arranjadas cada uma das plantas que venho cultivando: o pé de café, a erva cidreira, os três vasos de lírio da paz, a bromélia, a abre caminho, a salsinha, as mudas de algodão e da roseira; presentes de pessoas queridas ou meus mesmo. E onde, três semanas depois do transporte dos móveis e objetos pessoais, fiz os furos na parede e coloquei os suportes para a rede.

A rede imaginada desde aquele primeiro olhar na janela. Que ao ser colocada por mim mesma — sim, furadeira e muita paciência envolvidas para vencer as estruturas das paredes firmes dos prédios de antigamente — ganhava um valor ainda mais precioso, imbuindo mais significado para esse lugar querido.

Um lugar querido

Hoje, escrevo esse texto observando esse lugar enquanto ouço os passarinhos que todas as manhãs vem fazer festa na árvore que observo do lado de fora. Alguns dias, gosto de me sentar nesse lugar e apenas estar. Às vezes com uma xícara de café, às vezes com um livro, às vezes com ambos. Me aninho na rede e me sinto abraçada por essa história construída ao longo dos anos.

Até amanhã ❤

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este texto faz parte do #Desafio30DiasdeEscrita proposto pelo Tales Gubes

Desafio 30 dias de escrita — Ninho de Escritores

Ninho de Escritores
  • esse devaneio faz parte da série 2018 de textos que me comprometi a compartilhar na jornada de Design da Vida. Se ainda não teve a oportunidade de ler os anteriores: Desenhando a minha bússola, Vestindo minhas orelhas de girafa, Jogabilidade e Letra por Letra; escolha um lugar gostoso e mergulhe comigo :)
  • quer conhecer o meu #laboroflove — aquele projeto que conto com brilho nos olhos e sorriso na alma — vem ouvir o Baseado em Fatos Surreais, um podcast que conta histórias de outras mulheres, em primeira pessoa, com empatia, intimidade e leveza ❤
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Marcela Leon
Design pra Vida

oi! eu sou criadora e produtora do podcast de histórias Baseado em Fatos Surreais. tô no www.papodeprodutora.com.br compartilhando sobre produção em áudio 😉