01. Silêncio vale ouro

Accenture Song Design Brasil
FJORD Fala
Published in
7 min readFeb 18, 2019

Estamos vendo um aumento dramático no número de pessoas que estão se desconectando, cancelando inscrições e dando opt out para acabar com a enxurrada de conteúdo e mensagens que recebem em seu dia a dia.

Como consumidores, percebemos que não é mais apenas uma opção de estilo de vida, mas um sério problema de saúde mental. À medida que colocamos mais barreiras entre nós e as tecnologias digitais, as organizações precisam aprender a oferecer valor aos usuários que anseiam por quietude em um mundo conturbado.

O que está acontecendo?

Nas Trends de 2015, nós previmos a Dieta Digital, que analisou como nossos comportamentos estavam evoluindo devido à crescente tensão entre nossa dependência do digital e a necessidade de nos concentrarmos no mundo real não-midiático. Em 2016, falamos sobre a Dissolução de Aplicativos e o aumento de alertas, notificações e serviços de voz baseados nesse pensamento.

Agora estamos (globalmente) direcionando nossa atenção para o medo de que as tecnologias digitais possam ter uma influência negativa de longo prazo na nossa saúde mental, especialmente para as crianças.

Diversas organizações de todo o mundo expressaram sua preocupação. Em outubro de 2018, a primeira Cúpula Global Ministerial de Saúde Mental discutiu maneiras de abordar o impacto prejudicial das tecnologias digitais, e o governo britânico recentemente pediu a especialistas médicos que elaborassem diretrizes que protejam a saúde mental de crianças e jovens que usam redes sociais. As próprias crianças também estão se afastando. Mais da metade (63%) das crianças britânicas agora dizem que ficariam felizes se redes sociais nunca tivessem sido inventadas, e metade da geração Z do Reino Unido — um grupo que cresceu com a internet — desistiu ou está pensando em abandonar pelo menos uma rede social.

Indiscutivelmente os mais conscientes sobre os riscos para crianças, os pais do Vale do Silício estão cada vez mais obcecados em manter seus filhos longe das telas — tanto que muitos pedem para as babás prometerem esconder celulares, tablets, computadores e TVs.

De acordo com uma pesquisa da revista Crescer, em 2013 84% dos pais permitiam que seus filhos usassem dispositivos eletrônicos na hora de comer ou dormir. Em 2018 o número caiu para 37% na hora de comer e 23% na hora de dormir.

Há também uma diferença entre os jovens mais privilegiados: pesquisas mostram que adolescentes americanos de renda mais baixa gastam em média 8 horas e 7 minutos por dia usando telas para entretenimento, enquanto jovens mais ricos passam 5 horas e 42 minutos.

A China está se esforçando para combater o vício em games, principalmente entre crianças. A gigante empresa de jogos Tencent está contribuindo ao ficar mais rígida quanto à fiscalização da idade dos jogadores.

Olhando pelo lado dos funcionários, a chinesa Hangzhou Zhongheng Electric Co., Ltd., é uma das crescentes organizações que usam dispositivos de vigilância cerebral para ajudar a repensar fluxos de trabalho, diminuindo o stress dos funcionários.

No México, a startup Docademic está fazendo uso do tempo de tela dos jovens para levar terapia de graça a eles. O APP gratuito Cool Emotions utiliza AI e metodologias de comportamento cognitivo para ajudar jovens a lidarem com depressão, bullying e gravidez na adolescência, identificando seu problema e propondo soluções. É o primeiro APP da América Latina oferecer terapia 24/7 face-a-face.

Talvez o mais impressionante seja a reviravolta na própria indústria de tecnologia. O Centro para Tecnologia Humana (um grupo de tecnólogos do Vale do Silício que foram funcionários de grandes empresas de tecnologia) está agora tão preocupado com os efeitos nocivos das redes sociais e smartphones, que está trabalhando para conscientizar sobre o perigo da tecnologia “sequestrar nossas mentes e sociedade” e a nossa necessidade de realinhar a tecnologia com os melhores interesses da humanidade.

O crescimento dos programas de tratamento para viciados em tecnologia digital e as leis de “direito de desconectar”, criadas para criar limites entre o trabalho e a casa, pressionam ainda mais os gigantes da tecnologia, que por sua vez estão trabalhando no redesenho da experiência do usuário considerando os princípios de controle e restrição.

A Apple e o Google têm introduzido ferramentas de bem-estar que limitam o uso de tela. A Microsoft acrescentou funcionalidades nos seus produtos para minimizar a distração. Junto de empresas de tecnologia como a Amazon e a Cisco, está apoiando a Tecnologia Consciente, um negócio focado no desenvolvimento de tecnologias respeitando o tempo, atenção e privacidade das pessoas

Além das experiências, as empresas estão desenhando produtos físicos que dão maior controle aos usuários sobre exposição à tecnologia. O Light Phone, por exemplo, é um smartphone minimalista que foi desenhado com apenas ferramentas essenciais para o menor uso possível. Claramente, há demanda: quando os empreendedores Ivan Cash e Scott Blew lançaram no Kickstarter sua campanha para os IRL Glasses — óculos que bloqueia ondas de luz de LED e LCD –, eles ultrapassaram a meta de acúmulo em apenas três dias. Existem até programas de reabilitação de 12 passos para viciados em redes sociais.

Dispositivos com tela fizeram com que ficássemos mais distraídos e deprimidos. Talvez seja inevitável e, por isso, as tecnologias mais simples e que demandem menos atenção estão se aproveitando desse momento. Em 2018, a Sony trouxe de volta o PlayStation Classic, e a Palm Inc., criadora do pioneiro PalmPilot, renasceu.

O valor que os usuários buscam em produtos, serviços e organizações com os quais escolhem interagir está mudando. Se antes nós celebrávamos novidades e gratificação instantânea, hoje nós reprimimos empresas que gritam para ter a nossa atenção

O que vem aí?

O design consciente está cada vez mais presente na agenda de grandes empresas de tecnologia. Outras organizações devem seguir sua liderança mas, para isso, precisam aprender novas maneiras de construir relacionamentos e fidelidade com usuários que não respondem bem à abordagem “gritante” antiga.

Para evitarem ser ignoradas — ou pior, abandonadas –, as empresas precisam baixar o tom ao invés de tentarem serem grandes, ousadas e barulhentas. Será difícil para as empresas que estão acostumadas com esse tipo de comportamento, mas é extremamente crucial. O novo foco deve ser na criação de produtos que atendam às necessidades holísticas dos clientes, que se moldem para se encaixar no ecossistema de outros produtos que também buscam atenção.

Elas também precisarão repensar as métricas que usam para medir o sucesso, priorizando valor a longo prazo, como por exemplo tempo de uso acima da média.

Nas Trends de 2017, falamos sobre Consequências Inesperadas — especificamente, como as organizações precisam ter mais foco nas suas experiências sociais (bem como nas experiências de consumidores e funcionários) de modo a remover ou mitigar quaisquer tipos de consequências inesperadas sobre suas ações.

Em 2019, as consequências inesperadas das atividades das organizações farão com que os consumidores se sintam sobrecarregados; elas precisam adotar um novo design “ethos” que coloca de volta o valor humano no centro das inovações. Os designers que assumirem esse papel terão que adotar uma postura mais ética, evitando a criação de produtos e serviços que as pessoas não precisam. Pense nisso como o Juramento de Hipócrates para designers.

Também devemos considerar como podemos usar o design para explorar o tédio de forma criativa, não como um solucionador para ele, mas como um catalizador. Assim como a podcaster Manoush Zomorodi disse muitas vezes, o tédio gera pensamentos que levam a ideais e criatividade que podem ser bem aproveitadas. Ao construir oportunidades de pausa e reflexão com caminhos e interfaces, as organizações podem tornar usuários em parceiros proativos, engajados e genuínos nesse mix digital.

A mudança em direção ao consumo digital minimalista ficará cada vez mais rápida. Consumidores definirão seus próprios limites, que podem variar conforme eles mudam de lugar. Por exemplo, eles podem interagir mais com o digital no trabalho, do que em suas casas. Para acertar o equilíbrio, organizações precisam ter uma visão holística, incluindo outros produtos, serviços e usuários.

Consumidores querem ser ouvidos e compreendidos como pessoas como um todo, e não simplesmente como receptores de serviços isolados. Será crítico que as organizações considerem os amplos contextos de interações dos quais o seu produto faz parte. Consideração e respeito pelo contexto do indivíduo fundarão os pilares para relacionamentos significativos, de valor e de longo prazo que sustentarão o futuro sucesso de negócio das organizações.

Fjord Sugere

01 Seja silencioso

Use a falta de engajamento como uma sugestão para ser mais silencioso, e não barulhento. Repense métricas e encontre novas formas de mensurar a performance de seus serviços que não sejam puramente relacionadas a engajamento.

02 Simplifique radicalmente pesquisas de satisfação

Escute as necessidades mutáveis dos clientes e faça com que dar feedback seja instantâneo e o mais fácil possível. Preste atenção às avaliações online — os consumidores provavelmente já estão falando o que você precisa saber.

03 Invista em Content Design

Quando o número de interações que você tem com seus consumidores é mínimo, cada uma delas conta. Mude a linguagem da comunicação, e faça isso com frequência. Não se trata apenas do que você fala, mas também de como você fala.

04 Mensure o esforço cognitivo que você espera dos seus consumidores

Reconheça a atenção e esforço que o seu serviço espera de seus usuários e exija apenas quando for útil para eles.

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