02. A última gota?

Accenture Song Design Brasil
FJORD Fala
Published in
9 min readFeb 18, 2019

Nosso clima está mudando, e a forma como pensamos sobre isso também. Nossas preocupações sobre aquecimento global, poluição e sustentabilidade sofreram uma mudança cultural. Foi de “grande demais para fazer algo a respeito”, para algo pessoal. Em 2019, não será suficiente que empresas simplesmente reconheçam as preocupações com o meio ambiente; os consumidores esperam que elas atuem para provarem o compromisso. Organizações precisarão redesenhar sistemas e modelos de negócio para se encaixarem na “economia circular”, na qual usuários são participantes ativos e a sustentabilidade faz parte de seus produtos e serviços.

O que está acontecendo?

Em 2018, a crescente ansiedade e raiva sobre o impacto do plástico no meio ambiente foram descontadas nos maiores culpados. Os produtores e distribuidores sacos plásticos, garrafas, copos de café e canudos descartáveis foram considerados os responsáveis pelo público e a grande mídia. O dicionário Collins até definiu “uso-único” como a palavra do ano, representando “itens cuja proliferação não fiscalizada são culpadas por danificar o meio ambiente e afetar a cadeia alimentar”.

No ano passado, nós destacamos o aumento da Economia Ética, com mais organizações se posicionando politica e eticamente que vão além das suas preocupações raiz. Nesses 12 meses que se passaram, o meio ambiente não saiu das manchetes. As alterações climáticas foram consideradas parcialmente responsáveis por uma série de catástrofes naturais. A China parou de importar e descartar resíduos internacionais, uma vez que estavam saturados. E as cenas aterrorizantes que mostram oceanos cobertos de plástico na série “Blue Planet II” de David Attenborough inflaram o debate do público e mídia sobre plásticos descartáveis.

Os governos se engajaram. A cidade do Rio de Janeiro foi a primeira capital no Brasil a banir o uso de canudos plásticos em julho de 2018.

Na Inglaterra, onde 4.7 bilhões de canudos plásticos, 316 milhões de mexedores de café e 1.8 bilhões de cotonetes são usados a cada ano, a secretaria do meio ambiente lançou uma consulta com a proposta de banir canudos plásticos e cotonetes dentro de 12 meses. Então, em outubro, o Parlamento Europeu votou a favor da proibição de plásticos descartáveis por toda a União Europeia até 2021.

Uma atenção considerável está sendo dada aos microplásticos, pedaços pequenos que variam de 5 milímetros a 10 nanômetros de diâmetro. Agora, eles são encontrados pelos oceanos, sendo digeridos pelas criaturas que os habitam e, como consequência, chegando aos nossos corpos. Em uma pesquisa recente, amostras de sal de mesa de 21 países da Europa, Américas e Ásia foram coletados e os microplásticos foram encontrados em 90% delas. Os microplásticos foram encontrados em fezes humanas pela primeira vez na história em 2018.

Cientistas britânicos e americanos estão até desenvolvendo uma enzima que “come” plástico, um grande avanço na luta contra a poluição.

A maioria dos países estão trabalhando para definir estratégias nacionais de transição para a economia circular, uma mudança que estima trazer economia de £523 bilhões, isso falando apenas de companhias europeias. A aplicação dos princípios da economia circular em grande escala nas cidades chinesas traria benefícios significativos, de acordo com o relatório publicado em outubro no Encontro Anual do Fórum Econômico Mundial. Isso tornaria as cidades mais habitáveis e os bens de serviços se tornassem mais acessíveis ao reduzir emissões de partículas finas em 50%, emissões de gases de efeito estufa em 23% e os congestionamentos em 47% até 2040.

Os consumidores não estão somente abertos a mudanças, eles estão demandando-as, conforme conseguimos ver em uma série de novas iniciativas e de indústrias e empresas. A Fundação Ellen MacArthur, que tem como missão ajudar instituições a fazerem transição para a economia circular, organizou para que 250 empresas, incluindo a Pepsico, Unilever e H&M, juntem-se aos governos para impulsionar a reciclagem e acabar com o fluxo de plástico até os oceanos.

Tratando-se de moda, o Make Fashion Circular, iniciativa da fundação, está incentivando a colaboração entre líderes da indústria e stakeholders chave. O objetivo é criar uma economia têxtil como novos modelos de negócio para aumentar o uso de materiais seguros e renováveis, para tornar roupas velhas em novas.

A Everlane, varejista americana, recentemente lançou uma coleção feita a partir da reciclagem de garrafas plásticas. A H&M está saindo do modelo linear (produzir, usar, descartar) e quer adotar a economia circular e renovável em 100% até 2030. Ela está implementando a circularidade em todos as etapas da cadeia de valor, incluindo os produtos desenhados e produzidos, os materiais e processos utilizados, e como os consumidores os usam e descartam.

A Nike passou por uma grande mudança, guiando o caminho para o design e materiais sustentáveis. O modelo Flyknit reduz o desperdício em aproximadamente 60% ao usar materiais que seriam descartados. A IKEA está trabalhando para se tornar um exportador de energia renovável até 2020. Ela também está ajudando seus fornecedores a serem mais eficientes com a energia.

Para reduzir resíduos e lixo, a organização e marketing IAMsterdam, o designer Explicit Wear e a Gumdrop, empresa de sustabilidade, se juntaram e colaboraram para criar um sapato chamado Gumshoe que é feito de chicletes que foram retirado das ruas de Amsterdam.

Em tecnologia, no lançamento do iPhone XS, a Apple anunciou que todas as suas instalações são 100% renováveis — uma grande notícia que não teria nem sido considerada dez, ou até mesmo cinco anos atrás. Além disso, muitos fornecedores da Apple se comprometeram para usar 100% e energia renovável para a parte de seus negócios que dizem respeito aos produtos da Apple .

Mais e mais empresas estão tentando devolver à sociedade aquilo que elas tomam, criando uma estratégia de rede positiva. A Dell é uma das empresas que está investindo em reciclagem com o design ao desenvolver produtos visando eventualmente reciclar o maior número de partes possíveis da forma mais eficiente. Richard Branson criou o Prêmio Global Cooling, uma competição de U$3 milhões para estimular a criação de ares-condicionados mais sustentáveis usando tecnologia. E o governo finlandês definiu a meta estratégica para se tornar pioneiro na economia circular.

No Brasil, a consultoria Novos Urbanos tem criado laboratórios de inovação social a fim de transformar sistemas conflitantes em ecossistemas mais conscientes. Nos últimos três anos, o Novos Urbanos se dedicou a mapear e entender o sistema alimentar brasileiro pela perspectiva da saúde. A Polen, empresa criada no Rio de Janeiro, age como intermediadora de empresas que desejam vender resíduos para empresas que os utilizam como matéria-prima.

A marca brasileira de calçados Insecta Shoes tem a economia circular como fundamento do seu negócio. Ela produz seus sapatos a partir de materiais recicláveis e incentiva seus consumidores a retornarem à loja os sapatos que não desejam mais usar. Então decidem se utilizarão os materiais para novos calçados, ou se farão reparos para doação. Os consumidores que devolverem os sapatos ganham R$50 de desconto em um novo par.

Em um estudo recente, 71% dos entrevistados afirmaram se importar mais com o impacto que a marca pode ter sobre eles e a sociedade, do que sobre o produto ou serviço oferecido. Esse número é ainda maior para Millennials e pós-millennials, chega a 80%.

No Brasil, observamos um crescimento à adesão do consumo consciente. Uma pesquisa do Instituto Akatu mostra que 38% dos entrevistados adotam práticas sustentáveis ante 32% em 2012. A pesquisa também mostra que 59% dos entrevistados acreditam que as empresas precisam fazer mais do que o que está previsto nas leis para trazer benefícios para a sociedade.

As organizações que se posicionaram como sustentáveis já estão colhendo as recompensas. Na Unilever, as marcas sustentáveis viram um crescimento 50% maior do que as marcas da empresa que não são. Inclusive, as marcas sustentáveis são responsáveis por 70% do crescimento da Unilever.

A Nestlé anunciou que vai substituir o canudo plásticos das embalagens de Nescau, substituindo-os pela versão em papel biodegradável.

A ASOS começou a dar treinamento sustentável em moda para os seus designers de modo a encorajar práticas ecologicamente mais conscientes.

Muitas empresas já começaram a estimular a ética em suas missões de negócios. Agora, eles precisam transformar suas palavras em ações e se prepararem para uma nova onda de regulamentações acerca de sustentabilidade e mudanças climáticas. Quem ignorar isso será deixado para trás. Até aqueles que estão começando levar isso em consideração já precisam correr para alcançarem. Todos deveriam estar construindo uma estratégia de economia circular como parte de seu roadmap focado no consumidor.

O que vem aí?

Globalmente, a economia circular poderia acarretar em um crescimento econômico de U$4.5 trilhões, de acordo com um estudo recente da Accenture. Novos modelos de negócio que consideram o reuso e economia circular surgirão, identificando valor que antes não era visto e repensando o tradicional modelo linear (tomar, usar, descartar).

Empresas passarão da fase de economia compartilhada, para novos modelos com maior senso de propriedade e valor. Elas focarão em desenhar para novos tipos de considerações e diferentes custos associados. Veremos mais ênfase em logística reversa, reparos, manutenção, desmontagem, fim de vida, coleta, higiene e rotulação.

A partir da inovação nos materiais usados e avanço na manufatura e produção, mudaremos a forma como produzimos bens de consumo, usando materiais e processos que nunca foram considerados antes. Temos alternativas reais ao uso de materiais novos e os tradicionais meios de produção.

Conforme os governos forem colocando suas políticas em prática e forçando a indústria do atacado a mudar em relação a descarte, reuso e reciclagem, as empresas precisam se ajustar rapidamente. Isso apresenta oportunidades para que novos players colaborem com grandes empresas para dar suporte à inovação em larga escala. Esses negócios estão identificando oportunidades em CE (certificação europeia de conformidade em saúde, segurança e meio ambiente).

O poder será transferido para movimentos sociais e comunidades, para que eles impulsionem as mudanças. Ao mesmo passo, indivíduos ávidos por mudanças legislativas vão se articular da base para o topo. Mais que nunca, haverá uma diversidade de opções para que as pessoas tomem ações por meio de inovação open-source.

Projetar para os ecossistemas deve estar no centro ao se repensar como as organizações abordam a economia circular e cadeia de suprimentos. Isso significa colocar o usuário no centro, fazendo com que a jornada do usuário seja circular, em vez de apenas considerá-los como os receptores no fim do processo. Resume-se em considerar a sustentabilidade como um serviço integral, e não apenas como um acessório ou retrofit.

Mesmo que demore um tempo para que consumidores adaptem seus hábitos pessoais para um estilo de vida mais sustentável — como limitar seu consumo de carne -, as organizações precisam estar preparadas para o efeito furacão que estamos vendo com o plástico. Pode acontecer novamente com outras questões ambientais em uma rapidez surpreendente.

Fjord Sugere

01 Redesenhe tudo

Foque em fazer a diferença. Faça com que a experiência de reabastecer, pegar emprestado, devolver ou descartar tão boa quanto a de comprar. Para eliminar potenciais barreiras da mudança de comportamento, faça com que seus produtos sustentáveis sejam tão desejados, acessíveis e convenientes quanto as alternativas não sustentáveis.

02 Colabore para ir mais longe

Pense além da sua marca e negócio, considerando oportunidades da indústria. Faça um movimento junto de seus pares, ou até mesmo concorrentes. Juntem forças
para resolver problemas coletivamente.

03 Conte suas histórias

Marcas precisam contar a história sobre a rastreabilidade, origem e impacto dos seus produtos e serviços para avançar e se diferenciar. Ajude os consumidores a entender as complexidades das promessas, certificados e o que é “real”, e não “greenwashing” — ou apenas fachada.

04 Transforme resíduos em riqueza

Pense em como monetizar e extrair valor de algo que não é mais desejado, e também como criar valor que não existia anteriormente. Veja a sustentabilidade como uma medida de impacto e valor ao lado dos resultados financeiros.

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