05. Paradoxo da inclusividade

Accenture Song Design Brasil
FJORD Fala
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8 min readFeb 18, 2019

Pessoas esperam que organizações vejam e se engajem com elas enquanto indivíduos. Porém há o risco de, ao tentar serem mais inclusivas, as organizações acabem se descuidando e excluindo outros. E ao tentar falar com indivíduos, as organizações podem dizer algo que não seja exatamente o que queriam dizer. Eventualmente, a Inteligência Artificial vai ajudar a superar esse paradoxo da inclusividade. Até lá, as organizações devem evoluir sua abordagem além da segmentação obsoleta para uma mentalidade significativa se quiserem atender às expectativas em desenvolvimento.

O que está acontecendo?

2018 foi um grande ano para ouvir — e incluir — mais vozes. Vozes pouco representadas, e antes ignoradas pelo mainstream, agora usam tecnologias digitais para se unirem e serem ouvidas por meio de novos movimentos sociais, abrindo portas para organizações que desejam se conectar. Somos capazes de quantificar as vozes daqueles que desfilam pelas ruas, tapetes vermelhos e usando hashtags, mas como conseguimos quantificar aqueles que ainda estão escondidos sob as sombras de dados que não são coletados?

Ao mesmo tempo, muitas organizações ainda modelam o design e desenvolvimento de produtos e serviços de escala baseado na mesmice dos insights quantitativos e demográficos (e também nas suposições que eles geram). Apesar de os números não mentirem, eles não contam toda a história porque estão cegos ao comportamento humano no contexto. Como Nassim Nicholas Taleb aponta em seu livro “Fooled by Randomness: The Hidden Role of Chance in Life and in the Markets”, poucas pessoas entendem as limitações dos modelos estatísticos que elas criam e, quando as pessoas colocam muita fé nesses modelos, podem acabar tomando decisões piores do que teriam tomado se não tivessem os usado.

A Câmara dos Lordes do Reino Unido recentemente pediu que os institutos de pesquisa se organizem depois de falharem nas previsões das eleições de 2015 e de 2017, e no referendo de 2016. Quando os institutos erram, não é porque eles têm poucos dados, mas sim porque os filtros limitados que usam desconsideram o contexto real dos eleitores.

Também estamos ficando cada vez mais conscientes quanto ao potencial do viés dos algoritmos, que podem levar as pessoas a serem tratadas de forma injusta, ou serem até mesmo excluídas. O conselho de Nova Iorque aprovou um projeto de lei em dezembro de 2017 criando uma força tarefa para criar recomendações sobre como dividir publicamente informações sobre algoritmos e investigá-los quanto a vieses. O presidente da França, Emmanuel Macron, recentemente insistiu para que todos os algoritmos usados pelo governo francês sejam abertos, e o governo britânico também solicitou que todos que trabalham com dados no setor público sejam transparentes e responsáveis.

Em 2018, um grupo de criativos, organizado pelo projeto Mesa e Cadeira, se reuniu em São Paulo para debater o papel que as pessoas têm no ensino de máquinas. O projeto Bias In Bias Out coloca em pauta a responsabilidade de nós, humanos, sob as consequências dos vieses embutidos nos códigos que controlam nossos sistemas. O grupo também defende que quanto mais aprendermos sobre como ensinar as máquinas melhor será a futuro.

“Organizações exigirão uma compreensão mais qualitativa do que os dados das pessoas realmente nos dizem no contexto de suas vidas. Passaremos da segmentação de mercado tradicional para a definição de mindsets que indicam comportamentos e atitudes dos indivíduos para a projeção de produtos e serviços personalizados.”

Não definimos mais os padrões de consumo pelas segmentações demográficas tradicionais (ex.: idade, gênero, localização, renda e composição familiar) e as marcas estão sob pressão para se reinventarem para se manterem atrativas.

De acordo com um estudo recente, os consumidores em que as marcas deverão focar são os “transformistas”. Esse novo grupo, presente em diferentes grupos de idade e origens, consiste em pessoas motivadas, curiosas e conectadas que criaram o hábito de se envolverem com marcas. Eles não usam a tecnologia apenas por diversão, mas sim para melhorar suas vidas e sustentar seus valores e causas — desde questões sociais, até metas profissionais.

Um exemplo de exclusividade não intencional é como marcas de moda lutaram para chegar ao mercado de moda muçulmano, que vale $254 bilhões. Enquanto grandes players criaram linhas para atrair mulheres muçulmanas, seus esforços atraíram críticas por investirem na suposição de que mulheres muçulmanas são um grupo único e homogêneo.

As operadoras de telefonia móvel Movistar, Personal e Claro, na Argentina, agora oferecem chamadas móveis gratuitas para mulheres ligando para a 144 hotline do país. O número 144 oferece aconselhamento e apoio 24 horas por dia, sete dias por semana, para mulheres que enfrentam ou sofrem violência. Lançada em dezembro, a iniciativa conjunta faz parte dos esforços do Instituto Nacional de Mulheres do Ministério do Desenvolvimento Social (INAM) para eliminar a violência contra as mulheres na Argentina. É um exemplo de como empresas entenderam necessidades específicas de um grupo e as atenderam de forma diferenciada.

Inclusividade é uma oportunidade e um desafio para uma gama diversa de organizações, desde governos a start-ups. A Hotels.com está usando a tecnologia de inteligência artificial da Persado pra identificar os componentes emocionais da sua linguagem de marketing para que personalize o que e como falar com consumidores diferentes.

A primeira coisa que qualquer organização faz com dados dos consumidores é validar hipóteses. Em seguida, identificam padrões de comportamento para aperfeiçoar produtos, serviços e estratégias — estágio em que muitas se encontram atualmente. O terceiro passo é o mais avançado: usar os dados para criar interações individuais personalizadas entre organização e consumidor.

Muitas organizações se sentem sobrecarregadas pela necessidade de montar uma estratégia que terá impacto forte o suficiente para encarar a crescente demanda por inclusão. Até que IA consiga resolver o paradoxo da inclusividade, aqueles que terão sucesso são os que não se contentam com os dados demográficos tradicionais, e dedicam-se a entender mindsets individuais, seu valor e como eles podem mudar e crescer, conforme o passar do tempo e diferentes contextos.

O que vem aí?

Um grande desafio para o próximo ano será encontrar uma forma de desenhar para inclusão em larga escala — não só para grupos pouco representados que agora estão levantando suas vozes, mas também para os que ainda estão em silêncio. Ouvir diversas vozes é uma coisa, mas desenhar produtos e serviços que as incluam é outra.

Conforme os consumidores desejam cada vez mais produtos e serviços feitos sob medida, as pessoas ficam menos tolerantes àqueles que só as satisfazem parcialmente, ou não resolvem algum problema. Organizações terão que reavaliar sua herança de marca para o contexto em que novas normas raciais, sociais, culturais e sexuais se estabeleceram.

Mais organizações perceberão que modelos estatísticos possuem limitações e mudarão para modelos que de fato os ajudem a praticar a inclusão. A Hewlett-Packard, por exemplo, tem trabalhado e colocado em prática uma campanha que celebra a inclusão e destaca vieses inconscientes que afetam tanto o âmbito corporativo, quando a sociedade como um todo. As mais sábias interrogarão o porquê que está por trás dos dados e trabalharão para uma visão holística dos clientes. Veremos novos frameworks combinando big data (quantitativo), dados densos (qualitativo) e dados amplos (expectativas líquidas, trends, insights contextuais e das indústrias).

As organizações exigirão uma compreensão mais qualitativa do que os dados das pessoas realmente nos dizem no contexto de suas vidas. Passaremos da segmentação de mercado tradicional para a definição de mindsets que indicam comportamentos e atitudes dos indivíduos. O design research terá um papel poderoso nessa etapa.

O trabalho de pesquisa “O Futuro da Mobilidade” da Fjord e Volkswagen revelou as complexidades por trás do que as pessoas querem, esperam e precisam quando em relação a transporte. O estudo mesclou fatores econômicos e de mercado, bem como as preferências pessoais, para definir seis mindsets abrangentes, que poderiam ser divididos em 21 temas humanos.

Vamos passar a esperar que a psicologia da ciência comportamental se torne parte do design. Organizações também devem buscar inspiração em demografias estrangeiras ou diferentes, e minar pequenos nichos em vez de circunstâncias. Começaremos a buscar novas formas de medir o sucesso dos produtos e serviços em termos de inclusão e impacto.

Não será mais uma questão de escolher entre pesquisas qualitativas ou quantitativas, mas sim a melhor maneira de obter um equilíbrio escalável das duas. As organizações integrarem bem dados qualitativos e quantitativos terão vantagem competitiva.

Grandes empresas de tecnologia começarão a produzir ferramentas para simplificar a hiperpersonalização. Organizações também desenvolverão uma segmentação mais simples e eficaz para comunicações até que tecnologias editoriais se tornem tão sofisticados que consigam gerar conteúdo totalmente personalizado.

As empresas precisarão ter mais cuidado tratando-se de personalização e microsegmentação para evitar o desconforto do vale da estranheza. O vale da estranheza é o paradoxo na robótica, no qual quanto mais humanos os robôs se tornam, mais nossa empatia aumenta. Mas uma vez que eles são realistas demais, nossos sentimentos positivos rapidamente se transformam em repulsa. Personalização e a microsegmentação representam um risco semelhante, pois quanto mais uma organização se tornar pessoal, mais impessoal ela parecerá quando pisar na bola.

Organizações devem procurar criar interações significativas para todos os clientes que trazem valor tangível a longo prazo, tanto para os usuários quanto para os resultados finais da organização. O design inclusivo é uma ferramenta poderosa para alcançar isso, mas sua implantação efetiva depende da captura das realidades — e complexidades — da vida moderna.

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