Obdulio — O verdugo arrependido

Obdulio Varela colocou o gigante e imponente Maracanã debaixo do braço, como se carregasse uma maquete de papelão

Bruno Rodrigues
Futebol Café
4 min readJun 15, 2018

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Obdulio Varela, por Igor Bertolino do projeto De Classe

A Copa do Mundo de 2018 foi a primeira sobre a qual Eduardo Galeano não disse algo a respeito que pudéssemos ouvir ou ler. Provavelmente tenha falado ou escrito algo brilhante para seus pares lá de cima, mas nós aqui embaixo, infelizmente, não tivemos a chance de saber.

No livro “Futebol ao Sol e à Sombra”, o escritor uruguaio falecido em 2015 recorre a história do futebol e fala sobre os Mundiais e seus craques, mesmo aqueles que ele não viu, mas ouviu. O suficiente para que fiquemos com as versões dele do que ocorreu em todas aquelas Copas.

Jovem quando celebrou a épica conquista da Celeste em 1950, Galeano dedicou belas linhas para o grande protagonista do feito charrúa naquela tarde de 16 de julho, no Rio de Janeiro: Obdulio Varela, o homem que assina a obra do Maracanazo, aquele que colocou não só a equipe uruguaia nas costas, mas todo um Maracanã debaixo do braço, fazendo o gigante de cimento parecer uma maquete de papelão.

Claramente, o que aconteceu naquela final de Copa não foi obra divina, mas sim de um homem comum, terreno e humilde. “Minha escola foi a rua”, dizia Obdulio. Ele que sempre fez questão de diminuir a própria grandeza conquistada em feitos como o de 1950.

De forte caráter, só aceitou viajar ao Brasil com a condição de que tivesse um emprego no setor público assegurado quando retornasse da Copa. Conseguiu.

Antes mesmo de subir no avião, recebeu um telegrama do presidente da Associação Uruguaia de Futebol que lhe confirmava o trabalho. Na volta ao Uruguai, o governo do país decidiu dar empregos públicos a todos os jogadores que voltaram com a taça. Era Obdulio liderando os seus.

Como quando tirou todo o elenco de uma festa promovida pela associação charrúa ao São Paulo Futebol Clube, como forma de agradecer pela atenção da instituição paulista com a estadia e bem-estar dos celestes.

Na festa, a bebedeira começou a fugir do controle e Obdulio decidiu intervir. Desconfiou que os anfitriões promoviam a celebração para minar as capacidades físicas do grupo no restante do certame. Então, deu o toque de retirada. Todos para fora, há um Maracanã a ser calado.

Mas Obdulio nunca soube direito como saborear a conquista. Liderou o Uruguai no silêncio mais barulhento da história do futebol. Para ele, porém, ficou a tristeza de ver tristes tantos brasileiros. Recebeu o troféu no Maracanã e saiu para tomar uns tragos pelos botecos do Rio. Foi tomado pela empatia da dor alheia que ele próprio ajudara a causar.

Faleceu pobre e engasgado com a mágoa de nunca ter sido tratado com o devido respeito. O Negro Jefe não queria regalias, dinheiro e fama. Queria apenas o mínimo reconhecimento pelo que deixou para a história do Uruguai. Para Obdulio, a camisa celeste era segunda pele, a representação de uma nação que ele sempre amou, mas que de certa forma o traiu de volta.

Contou uma vez que em 1993 foi barrado de entrar no Estádio Centenário, em Montevidéu. É como se Pelé fosse parado na Vila Belmiro. Fosse no Maracanã, entenderíamos — Obdulio, sensível com os derrotados, também entenderia. Entre um episódio e outro, foi acumulando frustrações até seu falecimento, em 1996.

Ele, que roubou a ilusão de mais de 200 mil pessoas, mas procurou devolvê-la compartilhando com brasileiros alguns copos de cerveja pelas ruas cariocas.

Este é o primeiro texto da série inspirada nos perfis de craques mundiais que Eduardo Galeano escreveu em seu livro “Futebol ao Sol e à Sombra”. Craques que marcaram a história das Copas do Mundo e que irão marcar presença no Futebol Café durante o Mundial da Rússia. Textos publicados: Garrincha; Maradona; Cruyff; Yashin; Müller

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