Maradona — O pecado de ter sido o melhor

Diego carregou mais que o número 10 às costas e por isso precisou parar de jogar. Sua coluna não suportou o fardo de ser quem foi

Bruno Rodrigues
Futebol Café
5 min readJun 22, 2018

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Diego Armando Maradona, por Igor Bertolino, do projeto De Classe

Maradona nunca mais foi o mesmo depois da cocaína. Mas não porque se aproveitou disso. Pelo contrário: como disse o mestre Galeano, driblava até a droga, porque era bom o suficiente para que ela não lhe atrapalhasse com aquilo que ele sempre soube fazer. Com as coisas da própria vida, aí já é outra história. A marcação fora do campo é implacável e não larga o craque.

O eterno camisa 10 sofreu mais com os microfones e as câmeras do que com as patadas alheias que cortavam seu tornozelo, sua coxa e o que mais pudessem acertar. A mídia que depende a todo e qualquer custo da (não)notícia importante é que foi a verdadeira camisa 5 adversária. Por consequência, quem a absorveu se juntou ao plano de pular nas costas de Diego como seguranças de campo pulam sobre invasores da cancha.

Quando começou a carreira, Maradona jogava ereto. Driblava, grudava a bola no bendito pé esquerdo e partia em direção ao gol deixando apenas o rastro da grama levantada pelas chuteiras de quem tropeçava e caía.

Ao vestir definitivamente a camisa albiceleste da Argentina, viu que tratava-se de algodão especial. Mais pesado, porém. Iniciou seus passos na seleção com a obrigação de manter o sucesso dos outros, alcançado em 78, no topo. Não conseguiu. Quatro anos depois, já atuava mais curvado. Não lhe pesava só o tecido. Todo um país pesava, e pisava.

Em 86, surpreendeu e endiabrou o México. Não que duvidassem do que fosse capaz. Só duvidavam da capacidade de fazer o que fez, aquilo que ninguém ainda havia feito. No gol contra os ingleses, o do século, foi derrubando britânicos como estes derrubaram os argentinos nas Malvinas. Só parou quando não havia mais homens de branco, e sim um de cinza, que também abraçou a grama verde do Azteca.

Sob o peso da guerra, da desconfiança e da cobrança, Maradona passou a caminhar ainda mais curvado. Comemora o gol mais bonito da história com o punho em riste, demonstrando força e vitalidade, mas já era não era o mesmo pibe dos primeiros passos no futebol. Alegrava mais os outros do que a si próprio. Em sua alegria, que era mais alívio, sofria por dentro.

E talvez por isso, por não desfrutar da magia que encantava todos, se drogou.

Depois de ser massacrado em 90 por quase toda a Itália e só contar com o carinho, vejam só, de napolitanos, Maradona foi aos Estados Unidos em 94 para o último tango de sua carreira em Copas do Mundo. E como todos os tangos são melancólicos, tristes, com Diego não foi diferente.

Cravou uma bola no ângulo do goleiro grego e correu, furioso, em direção à câmera, que registrou a última grande imagem do camisa 10 em Mundiais. Diante da Nigéria, usou da picardia para bater uma falta rapidamente e colocar Caniggia em condição de fazer o gol da virada. O atacante era chamado de “Pássaro”, mas quem fazia voar era Diego.

Porém, o capítulo final de Maradona em Copas seria interrompido pelo xixi. Mililitros de urina em um copinho que acabaram com o sonho da copa maior, a dourada, aquela que levantou em 86 escrevendo seu nome na história.

Como no caso da cocaína, o doping em 94 viu o abandono das autoridades do futebol em relação ao argentino. Os mesmos que mamaram na sua teta em tempos de sucesso o jogaram para os leões assim que o exame acusou o xixi maldito.

Cortaram as pernas de Maradona, segundo o próprio. E cortaram pra sempre, interrompendo o caminhar de uma carreira brilhante. Galeano diz que o principal pecado maradoniano foi ter insistido em ser o melhor por tanto tempo. A conta, que nunca falha a entrega, um dia chegou.

Hoje, Diego Armando Maradona é uma caricatura infeliz de si mesmo. Se contradiz na mesma velocidade que deixou ingleses pra trás. Contudo, ao menos dentro das quatro linhas, nunca se curvou aos outros em gesto de submissão.

Ali dentro, foi rei até no dia em que o mijo lhe tirou a Copa do Mundo, abrindo um sorriso para a enfermeira que o levou para o exame, de mãos dadas, como se de um passeio no parque de Boston se tratasse. Para ela, era só mais um dia de trabalho. Para ele, ou Ele, como se referem os argentinos, foi o começo do fim de tudo.

Este é o terceiro texto da série inspirada nos perfis de craques mundiais que Eduardo Galeano escreveu em seu livro “Futebol ao Sol e à Sombra”. Craques que marcaram a história das Copas do Mundo e que irão marcar presença no Futebol Café durante o Mundial da Rússia. Textos publicados: Obdulio; Garrincha; Cruyff; Yashin; Müller

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