Gabinete do ódio — Steve Bannon e a guerra híbrida bolsonarista

Uma breve explicação de como chegamos até aqui

Bruno Oliveira
Reflexões
9 min readJun 29, 2020

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Steve Bannon é ex-assessor estratégico de Donald Trump e principal estrategista da famigerada campanha que conduziu o atual presidente estadunidense ao cargo. Bannon já foi banqueiro, produtor de filmes, executivo em plataformas digitais (especialmente da chamada alt-right, daquelas bem fascistoide mesmo) e hoje, já bem realizado financeiramente, quer transformar o mundo para algo mais próximo de sua visão judaico-cristão, uma espécie de tradicionalismo esotérico. E essa visão, que pode ser chamada de apocalíptica, baseia-se no seguinte: o mundo funcionaria em ciclos de criação e destruição, e agora é o momento de destruir — e o foco atual deve ser excluída por mecanismos de propagação de informação pela rede, que seja customizado e direcionado para as preferências de cada um. Seria então criado um novo mundo, onde viveríamos em representações (a maioria falsa) do mundo real, e não mais na própria realidade.

“Deixo as pessoas decidirem por si mesmas” — disse Bannon quando questionado se ele era o diabo [El País]

Construir um muro no México é só cortina de fumaça para causar engajamento (tanto de apoiadores quanto de detratores) — Trump nunca pretendeu realmente construir um muro. O objetivo seria então bombardear redes sociais (principalmente com Fake News), provocar a radicalização e fazer lavagem cerebral. E isso ficou bem claro com o caso de vazamentos de dados do Facebook pela Cambridge Analytica. A estratégia é basicamente a seguinte: (i) coletar o máximo de dados possível — Bannon já havia auxiliado a campanha de Ted Cruz, anos antes de Trump, mas não funcionou corretamente pois faltavam dados de potenciais eleitores, então passou a contar com auxílio de empresas como SCL e a Cambridge Analytica para coletar dados dos usuários dos meios mais banais possíveis (quizzes de Astrologia, com qual personagem do Game of Thrones eu me pareço, etc); (ii) utilizar algoritmos robustos para interpretar esses dados (normalmente seguidos de padrões psicométricos e tendências de comportamentos); (iii) tomadas de ações em cima desses resultados — provocar mudanças comportamentais, modular percepções de votos, reforçar vieses e bolhas. E pronto, temos uma máquina de guerra híbrida a disposição de uma ultra direita cada vez mais presente nos processos eleitorais e debates políticos no mundo todo.

“Mais do que Trump, ele [Bolsonaro] e Salvini (vice-primeiro ministro italiano) defendem a ideia de um Ocidente judaico-cristão. E é algo que também está próximo do Vox (partido espanhol de ultra-direita): família tradicional, estrutura da sociedade, guerra contra o marxismo cultural… Lembre-se que esse movimento é populista, nacionalista e tradicionalista.” — Steve Bannon [El País]

Bannon se aproxima do Bolsonarismo

Não há dúvida que Olavo de Carvalho é o principal ideólogo (e astrólogo) do Bolsonarismo. Mas ele não é, nem de longe original, apenas recicla algumas das ideias de velho mundo e dos EUA, e requenta elas em solo tupiniquim. E não seria diferente das ideias de Bannon.

Olavo de Carvalho e Steve Bannon [Foto: GGN]

Bannon entende queo populismo é o futuro da política, agora se é conservador de direita ou se se é de esquerda está o cerne da questão”. Para ele, quanto menor o estado, melhor. “O populismo de direita que foca na classe trabalhadora e classe média é o futuro”. E esse populismo de direita só seria possível se houvesse uma comunicação/relacionamento visceral com os trabalhadores — dizer o que eles querem ouvir, sem que isso fosse necessariamente verdadeiro ou benéfico, e por isso teria que tirar os trabalhadores das fontes de contato real com a realidade e a verdade. E a principal influencia de Bannon para o Bolsonarismo foi a estratégia de utilizar a credibilidade familiar para desestabilizar e tirar a credibilidade de instituições e plataformas de notícias sérias (a chamada “mídia tradicional”) — fortalecendo apenas algumas mídias alternativas que ecoam os pensamentos que atendam a esse populismo de direita.

Eduardo “Bananinha” e Steve Bannon [Reprodução Twitter]

E as estratégias de Bannon estão presentes desde o processo eleitoral de Bolsonaro e talvez um dos principais momentos da estratégia foi durante o #EleNão. Se de um lado, um grande número de mulheres levantou a hashtag em protestos e redes sociais, a equipe do atual presidente tratou de contra-atacar imediatamente com o #PTNão. Em termos de comunicação foi muito eficaz, porque aproveitou da popularidade do #EleNão e ainda atacou nominalmente um inimigo. “Dar nome aos bois” é uma tática que funciona bem para viralizar uma campanha nas redes sociais, evitar nomear (como é o caso do #EleNão só recorre a uma dialética que não funciona mais na política, e pode até fazer barulho mas tem cada vez mais dificuldade de angariar capital político).

A diferença dessa campanha [“#EleNão versus #PTNão”)] é que as pessoas estão mais conectadas. No passado, a estratégia digital era baseada em tuitaço, contra e a favor, que não revertia em voto para ninguém — diz Marcos Aurélio Carvalho, sócio-fundador da AM4 (empresa de “marketing” da campanha de Bolsonaro) [O GLOBO]

A estratégia digital é eficiente em reverter episódios negativos, uma máquina de transformar limões políticos em limonada eleitoral — que utiliza os francos escuros da Internet, para se esconderem e emergir apenas ao tocar do berrante.

No debate da RedeTV!, em 17 de agosto, Bolsonaro foi flagrado pelas câmeras com um lembrete escrito em sua mão: “pesquisa”, “armas” e “Lula”. A cola virou alvo de piada de eleitores de adversários. Em poucas horas, no entanto, seguidores de Bolsonaro surgiram nas redes com uma cola na mão exibindo o nome e o número do candidato do PSL. A ideia não foi espontânea. Os seguidores receberam estímulo nos grupos de WhatsApp para fazerem essas publicações. [O GLOBO]

Em meio a este tradicionalismo esotérico, a The Economist chega a ironizar a velha crença de que Deus é brasileiro. Supõe que Ele entrou em férias. Afinal, “a economia é um desastre, as finanças públicas estão sob pressão e a política está totalmente podre”. O Bolsonarismo passa a ser uma ameaça não só para o Brasil, mas para todo o continente na visão da publicação estadunidense.

A máquina de propaganda política se transforma em Gabinete do Ódio

A forte atração que o Bolsonarismo causa em boa parte do seu eleitorado talvez esteja relacionado ao culto a mediocridade. Depois de serem bombardeados com um pensamento coletivo de que não existe político bom e todos são corruptos, quando um político se apresenta como um “homem simples”, chucro mas que supostamente luta (falsamente) contra um suposto dilaceramento moral, ele passa a ser o homem medíocre — de fácil reconhecimento do cidadão comum mas superior aqueles outros que atentaram contra a nossa moral.

Como diria Ruy Barbosa, vai chegar um tempo em que o homem ficará envergonhado em ser honesto, quase como que a honestidade virasse sinônimo de idiotice, uma ode a esperteza e mediocridade. Surge então o culto da estupidez, existe algo que gera adoração das pessoas por isso, algo atrelado ao poder, gente estúpida se une mais facilmente, bajulam umas as outras e se agrupam mais facilmente.

Como diria Robert MusilSe a estupidez […] não se assemelhasse perfeitamente ao progresso, à habilidade, à esperança e à melhoria, ninguém iria querer ser estúpido”. E nessa linha, enquanto a máquina de propaganda transforma o Messias em #Mito, o culto a mediocridade vai transformando todos os demais em algo abaixo dessa mediocridade. E aqueles que, por um momento, ainda consigam ultrapassar essa linha de mediocridade, o Bolsonarismo apresenta sua mais ilustre arma, destruidora de reputações: o Gabinete do Ódio.

O gabinete do ódio está desesperado / estão descobrindo como esses meninos
estão fazendo disparos em massa/ subindo hashtag no twitter
com robôs-dançarinos / teorias-do-olavo / tiozões do zap / o gabinete do ódio está com medo / e não é do fantasma do lula / ou do comunismo
a ameaça é muito mais real / está aberta uma comissão
parlamentar mista de inquérito / em brasília / o que será desses meninos
flávio dudu & carluxo / vão dar a volta por cima / vão contar com a ajuda
capital de papai? / cenas / dos próximos / capítulos
Poema de Rafael Magalhães

Para quem conhece a atividade de inteligência, sabe que a desinformação é preparada principalmente por agências governamentais. E para entender o gabinete do ódio, é preciso entender com essa estrutura governamental vem se tornando um “poder paralelo” nas mãos do Bolsonarismo. Em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, o ex-secretário e homem de confiança de Bolsonaro, o sr. Gustavo Bebianno (que, por “coincidência”, faleceu pouco tempo depois) menciona que Carlos Bolsonaro (o filho “02”, também conhecido nas interwebs como “Carluxo”) estava montando uma espécie de Abin Paralela”. E porque criar uma Abin Paralela se o presidente poderia contar com a Abin verdadeira? Bom vamos lembrar do vídeo divulgada da famosa reunião ministerial, citada por Moro, onde o presidente afirmar ter um “sistema de inteligência particular” que funciona. Logo, podemos concluir que essa Abin paralela já está funcionando, e pode ser chamada “carinhosamente” de Gabinete do Ódio (ou parte dele, pelo menos).

O Gabinete do Ódio utiliza da escuridão da Internet, da falta de atribuição de responsabilidade e autoria do que é feito na rede (“saber quem está fazendo o quê e por quê”), o modus operandi baseia-se em não deixar (ou pelo menos tentar não deixar) as suas “impressões digitais” em suas ações, da mesma forma como acontece em muitas operações de inteligência pelo mundo afora. E a partir disso gerar uma verdadeira desinformação — não é preciso que as pessoas acreditem no que eles estejam falando, o mais importante é gerar dúvida sobre fatos concretos (tal como fazer as pessoas terem dúvida se o Coronavírus é realmente uma ameaça ou apenas uma “gripezinha”).

“O segredo é que as pessoas não saibam de onde vem a informação. Porque quando a fonte existe, a próxima pergunta imediata é: quem foi que postou?” — mencionado por Estevão Slow

Humor Político

A guerra híbrida Bolsonarista, através de seu Gabinete do Ódio, se manifesta principalmente em duas frentes: a Guerra Cultural e a Guerra das Informações.

O objetivo principal é se apoderar da identidade nacional, fazer uso das cores da bandeira, da pátria, do suposto povo brasileiro ideal. Por isso não é surpresa quando Weintraub diz que odeia o termo “povos indígenas ou que Damares tenha preocupação com crianças quilombolas que nascem e crescem com “valores diferentes. O discurso sempre se dá do ponto de vista moral e religioso, o que é conveniente para fugir de assuntos mais programáticos, como saúde, educação e economia — o que evidencia uma ausência de visão de país, ou a ocultação de uma visão obscura que ainda não deu as caras no governo (ou talvez já tenha se tornado explícita demais). Essa dialética bolsonarista pode ser baseada nos princípios: (i) visão muito clara do que é ser brasileiro (identidade nacional) — um ser simples, moral, temente a Deus, “do bem”, e qualquer coisa diferente disto torna-se um inimigo da pátria (velha visão dos bárbaros); (ii) defender os clássicos e tradições como única forma de cultura — sem considerar contribuições históricas — a história é apenas alvo de revisionismo para relativizar fatos passados; (iii) as pessoas só podem criar o que o governo define como alta cultura, qualquer outra forma de arte subversiva é considerado baixa cultura e torna-se alvos de retaliação (velada ou não). E quem desviar disso, passa a ter a reputação cassada pelo Gabinete do Ódio, e seu exército de robôs e fake news: a evidência mais clara do totalitarismo bolsonarista.

As crianças cuidando do Gabinete do Ódio

Nesse exato momento, investigações sobre o Gabinete do Ódio ocorrem na Câmara dos deputados (CPMI das Fake News) e no Supremo (inquérito das Fake News). Então vamos aguardar cenas dos próximos capítulos.

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Bruno Oliveira
Reflexões

Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.