Crônicas do Tempo 15:00 — Sentindo a idade chegar

Bruno Oliveira
Reflexões
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3 min readAug 19, 2020

Cada vez que as minhas costas doem me bate a saudade daquela criança arteira, que gostava de sair correndo pelas ruas, tocava as campainhas dos vizinhos. Cresci, queria ser um poeta, comecei lavando pratos, fazendo compras no supermercado e pagando boletos. Muitos boletos. Me acho um vencedor por não ter um crediário das Casas Bahia, sempre achei pouco vantajoso um artefato como esse. Agora eu encontro a felicidade quando consigo tirar a mancha da camiseta, quando ganho desconto no iFood ou quando consigo deixar o macarrão al dente. Com certeza o pequeno Bruno estaria se revirando no túmulo ao ouvir o que os anos vão fazer com ele.

A idade traz um conjunto de reflexões, a sua vida começa a ser passada a limpa. Tudo o que você já fez é confrontado com tudo o que você ainda pode fazer. Um mix de sentimentos de angústia e medo. Nunca nos conhecemos o suficiente para saber se esse ser de meia idade ainda somos nós, ou que realmente é ser nós mesmos. O mundo lá fora muda tão rápido, nos força a se adaptar de maneira tão frenética, já não sei se sirvo ou se sou servo. Viro ninguém, querendo voltar a um passado que não existe mais, e fugindo de um futuro altamente incerto. O presente é o purgatório dos mal-sucedidos, se é que é possível ter sucesso nesses nossos tempos.

Poemas que abordam estas temáticas:

  • Velha Infância: Desde criança quis ser um tribalista, mas coube a mim ler os poemas de Pessoa. Essas coisas do passado, que não nos abandonam nem nas mais tenras idades, o tempo reside na minha face, mas as ideias relutam em sair da minha mente. Nada como um dia após o outro, as vezes elas não estão lá, as vezes estão, minha cabeça varia entre a realidade e a fantasia. Sempre desde muito cedo.

Desde cedo,
as histórias, em mim
amadurecem e morrem
sou inquilino do meu passado

  • Medo: Aquele momento em que você ultrapassa mais da metade do restante da sua vida e você começa a ficar apavorado. Parece que tudo o que ocorreu até aqui não fez sentido, e tudo que está a vir não será capaz de resolver mais nada. O medo passa a ser a única certeza, me torno vulnerável.

Minha alma queima diante de poucas palavras
meu amor exige um pouco do futuro
mas minhas relações são pouco mais que instantes
tenho medo, a ponto de não poder mais andar

  • Zeitgeist: O espírito do nosso tempo. Estamos em um novo mundo, um novo normal. As relações são diferentes, e cabe a mim, um cara que escreve, tentar representar todo esse sentimento de mundo. Viver é um ato de coragem, mas escrever sobre isso é um ato suicida. Busco o amanhã nas palavras, enquanto a minha mente se afoga das lembranças do passado.

O zeitgeist das ausências e da dor:
o doce sem açúcar, o café sem cafeína,
o vinho sem álcool, o amor sem amor,
morrer ainda cheio de saúde

“E a gente não se cansa de ser criança / A gente brinca na nossa velha infância” (Tribalistas — Velha Infância)

Este post faz parte de uma série de posts denominados “Crônicas do tempo”, um compilado de poesias já publicadas neste espaço e uma dissertação a respeito de uma característica ou fenômeno do tempo. Ao total, serão 24 textos (referentes às 24 horas do dia) e o grande objetivo é registrar uma resposta para algo que as pessoas sempre me perguntam: por que o tempo é tão importante para você? Tentarei responder nessas 24 crônicas (que não são exatamente crônicas).

“Todos os dias quando acordo Não tenho mais O tempo que passou” (Legião Urbana — Tempo Perdido)

Crônica Passada:

Crônica Futura:

“Faca de ponta e meu punhal que corta / E o fantasma escondido no porão” (Belchior — Pequeno mapa do tempo)

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Bruno Oliveira
Reflexões

Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.