As 5 melhores leituras de 2023/2 (Resenhas #18)

Salatiel Bairros
Salatiel Bairros
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6 min readJan 3, 2024

O segundo semestre de 2023 foi um dos mais interessantes dos últimos anos. Mesmo com apenas 10 leituras, 7 delas envolveram uma área que tenho grande desejo por estudar: Filosofia da Tecnologia e os impactos da Inteligência Artificial na sociedade de um ponto de vista cristão. As outras 3 leituras que não foram específicas desse tópico acabaram por colaborar também com ele, como veremos abaixo nos temas de cada um.

I. Top 5 melhores leituras

1. Deus, tecnologia e a vida cristã — Tony Reinke

Páginas: 294| Data: 2022| Editora: Fiel| Dificuldade: Fácil

O Espírito que salva é o mesmo Espírito que faz com que os dons tecnológicos do homem floresçam. (P. 72)

Antes de comentar sobre o conteúdo do livro, é necessário destacar a qualidade do material que a Editora Fiel produziu. Livro com capa dura, bonito e de bom material. Agradável de pegar e ler.

O livro é uma Teologia Bíblia da tecnologia desenvolvida de foma profunda, mas simples pelo autor. Sua abordagem da Arca versus a Torre de Babel é excelente. Além disso o autor apresenta tanto as limitações da tecnologia e os problemas que ela pode trazer para a vida cristã como também as perspectivas futuras para os desenvolvimentos humanos. Teremos tecnologia no céu? Como lidamos com a tecnologia hoje sabendo do seu uso futuro? Quem é o verdadeiro criador de todas as tecnologias que os homens produzem? Essa e várias outras questões são respondidas de forma excelente pelo autor.

Mesmo sendo excelente e uma obra quase única naquilo que se propõe, em alguns momentos considero o autor um pouco otimista demais. Isso não desqualifica de forma nenhuma a obra. Na verdade, confronta algumas visões demasiadamente pessimistas do mundo que temos. Leitura obrigatória para cristãos envolvidos com tecnologia.

2. Algoritmos de destruição em massa — Cathy O’Neil

Páginas: 342| Data: 2020| Editora: Rua do Sabão| Dificuldade: Fácil

Nas ADMs [Algoritmos de Destruição em Massa], muitas premissas venenosas são camufladas pela matemática e passam amplamente incontestadas. (P. 15)

O livro “Algoritmos de destruição em massa” é daqules livros que, mesmo quando propõem soluções ruins para os problemas que exploram, a própria apresentação e e deliberação sobre os problemas faz valer a leitura do livro e obrigatoriamente nos faz levar a autora a sério. Os problemas apresentados por ela, baseados em vários estudos de casos reais, são sérios e estão se enraizando na cultura e governos.

O’Neil conta vários casos de usos de algoritmos para diferentes áreas da sociedade: RH, justiça, publicidade, finanças e outros. Em cada um dos casos ela mostra como os algoritmos foram vistos como imparciais e infalíveis, causando grandes problemas para indivíduos ou impactos profundos em comunidades, fragilizando minorias étnicas ou favorecendo os ricos (ou pelo menos favorecendo aqueles que conseguem “fugir” dos algoritmos de alguma forma, seja pelo poder financeiro, seja pela natureza das suas profissões ou bairro onde moram).

Considero um livro excelente para introduzir a discussão sobre o uso das tecnologias computacionais, especialmente Inteligência Artificial ou modelos estatísticos, para determinar, controlar ou modificar o comportamento das pessoas. Mesmo quanto são construídos com boas intenções, os danos causados por viéses nos algoritmos pode ser tão grande que se torne impossível de medir ou de desfazer.

3. Sobre a natureza humana — Roger Scruton

Páginas: 150| Data: 2020| Editora: Record| Dificuldade: Alta

Ao descrever relações pessoais, o que estamos tentando descrever é revelado somente na superfície da interação pessoal. O pessoal escapa à biologia exatamente como o rosto na pintura escapa à teoria de pigmentos. O pessoal não é uma adição ao biológico: emerge dele, mais ou menos como o rosto emerge das manchas coloridas em uma tela. (Lc. 501)

Com um estilo típico de Roger Scruton, “Sobre a natureza humana” traz reflexões sobre as relações entre a biologia, a vida humana, os relacionamentos e a moralidade. Será que a ciência consegue reduzir todos os aspectos da vida humana à sua biologia?

Demonstrando grande conhecimento até mesmo da teoria da evolução e das psicologias evolucionistas, Scruton argumenta que, ainda que seja importante, a ciência não é suficiente para definir a espécie humana. De forma incrível Scruton argumenta como o riso e a frustração mostram que a humanidade é mais do que biologia e a vida diária só é possível mediante essa pressuposição.

Ler esse livro me deixou com vontade de encontrar alguém que tivesse feito uma ponte de contato entre a filosofia de Herman Dooyeweerd e de Roger Scruton. Ambas parecem ter muito o que conversar.

4. Reformai a vossa mente — Josué Reichow

Páginas: 153| Data: 2019| Editora: Monergismo| Dificuldade: Média

Nada há na criação que não esteja sendo reconciliado pela morte e ressurreição de Jesus Cristo, sejam tronos ou soberanias, principados ou potestades, epistemologias ou ontologias. (Lc. 247)

Comecei esse livro já tendo grande carinho por ele previamente. Assisti algumas palestras do Josué no L’Abri Sul e já conhecia a capacidade do autor. O livro é bem mais do que uma introdução ao pensamento de Herman Dooyeweerd, pois Reichow traz uma contribuição de um ponto de vista não só filosófico, mas também como cientista social. Isso é bastante enriquecedor, especialmente para alguém que esteja começando a ter contato com a filosofia neocalvinista holandesa.

O livro começa apresentando um excelente panorama da modernidade. Após isso, os capítulos seguintes são inspirados na frase “o que Atenas tem a ver com Jerusalém?” de Tertuliano. Reichow apresenta a relação da reforma calvinista (Genebra) com o neocalvinismo holandês (Amsterdã) e o relacionando depois com a filosofia (Atenas). O autor explora também a relação entre Babel (a cidade dos homens) e Jerusalém (a cidade de Deus). Por fim temos a relação entre Amsterdã e o Brasil com uma proposta de relação entre o neocalvinismo e as novas teologias latino-americanas.

Mesmo sendo um livro introdutório, já o incluí na minha lista de livros para releitura.

5. A Imagem Tecnológica do Mundo e uma Ética da Responsabilidade — Egbert Schuurman

Páginas: 63| Data: 2019| Editora: P&B| Dificuldade: Média

A tecnologia é hoje um deus que nos fala de poder, não de limites; que nos fala de propriedade, e não de mordomia e nos fala apenas de direitos, não de responsabilidades. (Lc. 132)

Egbert Schuurman foi o autor mais presente nas leituras desse semestre. Seus livros sobre filosofia da tecnologia de uma perspectiva neocalvinista e dialogando com outras propostas e problemas para a tecnologia são essenciais para cristãos que busquem se aprofundar na área.

No livro em questão, ainda que bastante curto, Schuurman apresenta os problemas de um mundo construído a partir de uma imagem tecnológica. Ele mostra como a tecnologia facilmente se torna um tipo de Deus que serve como mediador entre nós e a realidade. O autor propõe várias abordagens a tecnologia com ênfase no cuidado da natureza, responsabilidade social e individual e tendo a prudência como guia. Ele trata como um “labirinto” a busca atual de resolver problemas tecnológicos com mais tecnologia, resolvendo apenas sintomas e não abordando as causas.

Algumas das propostas de solução apresentadas pelo autor são claramente contextualizadas para seu ambiente vivendo em um país pequeno europeu. Certamente não servem todas para o Brasil. Algumas, inclusive, causariam mais dano. No entanto, toda a argumentação do autor leva o leitor a pensar para seu contexto como desenvolver propostas para um uso ético e responsável da tecnologia, especialmente de uma perspectiva da filosofia cosmonômica.

II. Outras leituras

6. Reflexões sobre a Sociedade Tecnológica — Egbert Schuurman: neste livro Schuurman aborda o prolema da tecnocracia em contraste também com o espírito revolucionário da nossa época. Baseado nisso ele faz várias reflexões envolvendo a relação da sociedade tecnológica com o ambiente.

7. Uma visão alternativa da tecnologia — Egbert Shuurman: o livro é uma proposta de reflexão sobre o que nos orienta ao desenvolvimento tecnológico, tentando tanto mostrar a realidade e os problemas quanto trazer uma perspectiva esperançosa para o futuro.

8. What Can We Know about God? — R. C. Sproul: um pequeno livro da série “Questões Cruciais” cominando argumentos filosóficos epistemológicos e doutrinas cristãs sobre os atributos de Deus de forma simples e direta.

9. Inteligência Artificial: uma brevíssima introdução — Margaret A. Boden: aborda diversos conceitos de IA e também algumas questões éticas e filosóficas, como o problema do alto grau de otimismo e esperança sobre os algoritmos. Boa parte do livro é dedicada a discutir o conceito de inteligência e o que define quando uma IA é realmente inteligente. Com isso, a autora também discute o conceito de singularidade. O grande problema que identifico nesse livro é a escrita um pouco frutrante. Por exemplo, o capítulo “O que é inteligência artificial?” não traz nenhuma definição direta do conceito e isso se repete em vários outros momentos onde uma definição mais clara é necessária — dado que o livro se propõe a ser uma introdução ao assunto.

10. A sociedade do controle — Joyce Souza: livro composto por artigos de diferentes autores abordando vários aspectos da manipulação social via a tecnologia das redes sociais. São 6 artigos, sendo 3 deles excelentes para reflexão, enquanto os outros 3 possuem muitos erros tanto na observação e apresentação do problema quanto na proposição de soluções.

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Salatiel Bairros
Salatiel Bairros

Cristão, marido, pai e programador. Trabalha como Engenheiro de Dados. Especialista em IA (PUC Minas) e pós-graduando em Teologia Filosófica (STJE).