OS ÁLBUNS MAIS IMPORTANTES AUSENTES DOS SERVIÇOS DE STREAMING (edição agosto de 2020)

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
Published in
8 min readAug 17, 2020
“Cara, cadê o disco que estava aqui?”

DISCLAIMER: pessoal nas redes tem apontado que alguns discos e artistas citados estão, sim, disponíveis — como explicado no decorrer do texto, álbuns desaparecem e reaparecem todos os dias nas plataformas. As correções serão bem-vindas e seguirei atualizando o texto conforme as mensagens chegarem.

Por motivos de pandemia (vitrola e CD player pifados em pleno isolamento social), tenho recorrido com mais regularidade aos serviços de streaming de música — até capitulei à assinatura premium do Spotify. E quanto mais se acessa o serviço, mais recorrente se torna a situação: buscar um álbum X na plataforma e não encontrar.

OK, todos sabemos que esse tipo de ocorrência é inevitável quando temos (em estimativas conservadoras) pelo menos 400 milhões de assinantes (pagantes) nas plataformas de streaming mundo afora. Todo dia, algum desses assinantes vai procurar algo que está indisponível nas plataformas. O Spotify propagandeia ter um acervo de mais de 50 milhões de canções, que cresce a uma taxa (declarada) de 40 mil novas faixas por dia. Mas mesmo isso é uma gota no oceano, quando se imagina que (de acordo com esta reportagem de 2013) uma enooooorme porcentagem de todos os álbuns gravados nos séculos 20 e 21 não está (e provavelmente não estará) disponível nos serviços de streaming.

E eu também sei que minhas preferências musicais pendem mais para o fora do lugar comum. Quando procuro algum artista menos manjado e não encontro, é normal. Mas é bizarro procurar álbuns de nomes consagrados e dar de cara na porta. Pensando nisso, resolvi determinar quais seriam os LPs mais importantes que, em agosto de 2020, se encontram ausentes dos principais serviços de streaming.

Mas não dava pra usar o meu gosto pessoal para definir esta lista. Recorri a duas fontes mais ou menos insuspeitas para começar a pesquisa: a lista dos 100 maiores discos da música brasileira composta pela revista Rolling Stone Brasil e os compilados do Acclaimed Music, site que reúne um catatau de listas-de-melhores de sites, revistas, jornais e livros para determinar os 3.000 discos mais importantes da história da música popular. (Restringi a pesquisa ao Top 100 do listão principal; para equilibrar um pouco, já que a lista principal é muito concentrada em pop-rock, também pesquisei os Top 100 dos seguintes gêneros: jazz, eletrônica, hip hop, “experimental”, r’n’b e “world music”. Deste modo, chegamos a uma seleção mais ampla que a feita pelo site Crush em Hi-Fi há cerca de três anos, centrada em música brasileira menos óbvia).

Para complementar a pesquisa canônica, perguntei aos amigos e a amigos de amigos nas redes sociais: “Vocês já se surpreenderam ao procurar um disco no Spotify — um disco óbvio e/ou consagrado — e não encontraram? Podem dar alguns exemplos?” Juntando os inputs das listas de melhores com a voz do povo, chegamos a algumas conclusões inesperadas. Vale notar que o levantamento se restringiu ao Spotify e ao Deezer, que concentram pouco mais de 80% dos ouvintes de streaming no país.

Álbuns brasileiros

Do Top 100 nacional da Rolling Stone, os seguintes clássicos não se encontram nas plataformas mais populares de streaming:

Tropicália ou Panis et Circencis, vários
Chega de Saudade e João Gilberto, João Gilberto
Secos & Molhados*, Secos & Molhados
Coisas, Moacir Santos
Fa-Tal****, Gal Costa
Gil & Jorge, Gilberto Gil & Jorge Ben
Nós Vamos Invadir sua Praia, Ultraje a Rigor
As Aventuras da Blitz, Blitz
Clara Crocodilo, Arrigo Barnabé
Noel Rosa e Aracy de Almeida**, Aracy de Almeida
A Bad Donato, João Donato
Carnaval na Obra***, mundo livre S/A

*O repertório do disco de 1973 está publicado sob o título A Volta de Secos & Molhados. Já o repertório do segundo disco, também chamado Secos & Molhados, está disponível com a capa do primeiro álbum. Deu pra entender, ou não?
**É possível achar nas plataformas o álbum Sambas de Noel Rosa, que não é o original de 1950 selecionado pela RS, e sim um relançamento com a mesma capa, outro título e um repertório expandido. Confuso, não?
***O álbum está disponível, mas apenas como parte da caixa Bit Box, sem a capa original.
****Disponível com o título Gal a Todo Vapor (Ao Vivo)

Não deveria ser “A ida”, ou “A vinda”?

Compilar a lista acima foi um tanto desconcertante. São todos artistas conhecidos (a maioria deles, muito conhecidos) e discos reverenciados. Mais estranho ainda: todos estão presentes nas plataformas com outros álbuns. Confesso que as faltas dos discos de estreia do Ultraje a Rigor e da Blitz me deixaram particularmente bolado.

A razão das ausências (ou, no caso dos asteriscos, das confusões), claro, tem a ver com grana. O Spotify já declarou que adoraria poder oferecer “todas as músicas do mundo” a seus assinantes, mas que desfalques nas discografias se dão por desacordos entre a plataforma e os artistas e/ou selos, ou quando há pendengas prévias sobre os direitos do álbum em questão. Não é disseminada entre artistas brasileiros a prática de manter seus catálogos com exclusividade neste ou naquele serviço, o que torna as lacunas duplamente espantosas. Por motivos óbvios, também não cabem as restrições territoriais aplicáveis por aqui a artistas estrangeiros.

E as pedidas da galera?

Respondendo à minha pergunta, os amigos e os amigos dos amigos soltaram o verbo. As ausências de Tropicália, Gil & Jorge, Coisas, Clara Crocodilo e dos discos de João Gilberto foram as mais lembradas. Mas não ficou por aí. Elepês populares, de artistas ainda em atividade, entraram na lista: os dois primeiros solos de Marcelo D2, Samba Esporte Fino (Seu Jorge), Alfagamabetizado (Carlinhos Brown), Tropicália 2 (Caetano & Gil), Roorback e Dante XXI (Sepultura)… Clássicos e/ou cults citados incluíram Corredor Polonês (Patife Band), Sampa Midnight (Itamar Assumpção), Imira, Tayra, Ipi (Taiguara), Underground (Marku Ribas), Trashland (Mercenárias), Guilherme Lamounier (do próprio), Catavento e Girassol (Leila Pinheiro), Correndo o Risco (Camisa de Vênus) e variados títulos de Moraes Moreira, Fagner, Sergio Dias, DeFalla, Tim Maia, Júpiter Maçã, Cascavelettes… A relativa pobreza do catálogo de samba também foi lembrada:

Essa sabe tudo.

Álbuns estrangeiros

A trama se adensa um pouco aqui. Além das eventuais (e já citadas) restrições territoriais — que impedem ouvintes brasileiros de acessar determinados álbuns liberados para usuários de outros países — há discos que provavelmente nunca estarão disponíveis em streaming, por conta de copyright. Também são mais ou menos comuns casos de álbuns que estiveram disponíveis por um tempo e desaparecem de repente (ocorrência mais rara com artistas brasileiros). Isso sem falar nos misteriosos álbuns que aparecem no web player, mas não no app para computador/celular (ou vice-versa). Em todos esses casos, 99% das vezes o problema é desacerto contratual (leia-se $$$).

Dos títulos citados pelo Acclaimed Music, a seguinte lista está ausente das mais populares plataformas:

Top 100 (do listão principal)
Loveless, My Bloody Valentine
3 Feet High and Rising, De La Soul
Trout Mask Replica, Captain Beefheart

Top 100 jazz
Hot Rats*, Frank Zappa
E̶l̶l̶i̶n̶g̶t̶o̶n̶ ̶a̶t̶ ̶N̶e̶w̶p̶o̶r̶t̶*̶*̶, Duke Ellington
Naked City**, John Zorn
We Insist! Max Roach’s Freedom Now Suite, Max Roach

Top 100 eletrônica
The White Room*, KLF
Neon Golden**, The Notwist
As Heard on Radio Soulwax Vol. 2***, Soulwax

Top 100 hip hop
De La Soul Is Dead, De La Soul
Donuts**, J Dilla
The Grey Album***, Danger Mouse

Top 100 experimental
Kontakte**, Karlheinz Stockhausen
Monoceros, Evan Parker
Saxophone Solos, Evan Parker
An Empty Bliss Beyond this World, The Caretaker
Aida, Derek Bailey
Un Peu de Neige Salie, Bernhard Günter

Top 100 r’n’b
Shaft*, Isaac Hayes

Top 100 world
East of the River Nile*, Augustus Pablo
Devotional Songs/Devotional & Love Songs, Nusrat Fateh Ali Khan

*Disponível, mas incompleto.
**Indisponível no Brasil.
***Provavelmente nunca estarão disponíveis em streaming, por razões de copyright.

Fuén.

Dos três álbuns do Top 100 principal, dois (Loveless e Trout Mask Replica) já estiveram disponíveis em algum momento. A ausência do My Bloody Valentine nas plataformas é total e há até um abaixo-assinado virtual pedindo o retorno da banda ao streaming. O caso do De La Soul é mais complexo. Por anos, os álbuns do trio não existiram (legalmente) em qualquer formato digital, devido às controvérsias sobre samples nos dois primeiros discos. Em 2019, estava tudo OK para que, afinal, os clássicos 3 Feet High and Rising e De La Soul Is Dead chegassem às plataformas… mas não rolou acordo entre o trio e a gravadora Tommy Boy. Dos oito álbuns do DLS, só os dois últimos estão disponíveis.

E as da galera?

Pessoal não se fez de rogado nas redes e enumerou uma penca de discos consagrados — e outros nem tanto — que fazem muita falta. Sem muita surpresa, Loveless e 3 Feet High and Rising foram os mais citados. Mas a ausência de Pornography (The Cure) foi tão sentida quanto. Fiquei surpreso ao saber que a discografia dos Ramones nos anos 1980 (de Subterranean Jungle a Halfway to Sanity) não está disponível, bem como os discos do Kraftwerk pré-Autobahn, Black Sabbath fase Tony Martin e toda a discografia de P̶e̶t̶e̶r̶ ̶G̶a̶b̶r̶i̶e̶l̶, Jim O’Rourke, S̶p̶a̶c̶e̶m̶e̶n̶ ̶3̶, Rollins Band e Joanna Newsom (esta tem contrato exclusivo com a Apple Music).

Outros artistas citados com buracos significativos em suas discografias: Judas Priest, Anthrax, Nightwish, Built to Spill, Morphine, Einstürzende Neubauten, Richie Havens. Entre as ausências de discos importantes, foram lembradas as de Dry (PJ Harvey), Prayers on Fire (Birthday Party), Grafitti Bridge e The Black Album (Prince), Helen of Troy (John Cale), Zeitgeist (Smashing Pumpkins), Vincebus Eruptum (Blue Cheer), Cloud Nine (Temptations) e Elastica (o de estreia).

OK, mas então como eu ouço (legalmente) essa discarada toda?

Você sempre tem a opção de comprar os discos… uma opção pouco prática ou até mesmo inviável para a esmagadora maioria dos usuários de streaming. Mais razoável é tentar uma assinatura do YouTube Music, serviço que por aqui ainda não é tão popular quanto Spotify e Deezer mas que — como diversas pessoas observaram na enquete — conta com boa parte dos álbuns indisponíveis nas plataformas mais usadas. Note bem que a versão gratuita basicona do YouTube traz o mesmo conteúdo, a assinatura apenas elimina os anúncios e traz recursos extra de navegação.

Pessoalmente, eu prefiro buscar umas almas por aí.

Seu disco favorito não está na internet e ficou de fora desta relação? Encontrou algum dos citados no Spotify ou no Deezer? Avise aí nos comentários.

--

--

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)