O vazio das métricas de vaidade

Eduardo Mendes
5 min readSep 28, 2023

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(Ilustração:Intelligencer)

Três meses após o lançamento, o Threads só supera o Tumblr em termos de popularidade entre as redes sociais. E esta posição de “ficar em penúltimo lugar” não mudará, pelo menos, até 2025.

É esperado que ao término deste ano, o clone do X/Twitter com resquícios de plataforma descentralizada alcance 23,7 milhões de usuários nos Estados Unidos.

O rival mais próximo é justamente o app do desafeto de Mark Zuckerberg: nos próximos três meses, Elon Musk verá sua rede atingir 56,1 milhões de usuários.

Os dados foram projetados pela Insider Intelligence. A pesquisa divulgada com exclusividade pela CNBC na última terça-feira, mostra a batalha dos aplicativos sociais pelo crescimento a qualquer custo enquanto o modelo de negócio balizado por algoritmos e alcance vai se definhando.

Ao especular publicamente a possibilidade de cobrar uma assinatura mensal no X, Musk só reafirma a crise econômica que aflige o setor, e confirma o desgaste do formato que deu poder às plataformas na última década.

“Supondo que Musk não volte atrás, a mudança provavelmente alienará mais usuários do X, e potencialmente aumentará o interesse dos anunciantes no Threads”, comentou Jasmine Enberg , analista da Insider Intelligence.

Provavelmente, não é este o tópico que o excêntrico bilionário gostará de ver nos trending topics do X, uma destas ferramentas que ascenderam junto com as redes sociais e tornou-se fonte de consulta e determinadora de conversas.

AS PLATAFORMAS COM MAIS USUÁRIOS NOS EUA ( Insider Intelligence)

Facebook: 177, 9 milhões
Instagram: 135,2 milhões
TikTok: 102, 3 milhões

Assim como os assuntos mais falados, cliques, curtidas e números de impressão transformaram-se nos novos institutos fornecedores de dados.

Os sinais de esgotamento destes formatos demandam uma discussão mais contundente e crítica sobre as métricas de vaidade.

E para nossa sorte, John Herrman trouxe uma análise cirúrgica e repleta de ironias e questionamentos que nos ajudam a entender o quão vazias são estas estatísticas. Logo no título, o repórter de tecnologia e mídia da NY Magazine manda o recado:

“Mentiras, mentiras malditas e métricas de mídia social. Essas visualizações contam no Twitter, TikTok e Netflix? Seja cético”

O artigo foi publicado no último dia 14, e nem mesmo as plataformas de streaming e seus dados surreais relativos a visualizações passaram ilesos.

“A Internet prometeu, entre outras coisas, vigilância absoluta do público, mensurabilidade total e conhecimento perfeito de quem estava assistindo o quê, quando e por quanto tempo. O que entregou, em vez disso, foram toneladas de métricas de besteira.”

Este é o ponto de partida para uma análise contundente e realista feita por Herrman. E suas ponderações nos mostram como estamos saindo da era da economia da atenção para a intenção. (Em outra oportunidade falarei sobre este tema)

Por agora, selecionei os principais trechos que expõe a ótima visão do especialista. Confira:

Dotadas de novos poderes de autoavaliação, as empresas de comunicação social, as empresas de publicidade e as plataformas online transformaram as métricas em algo que se aproxima da desinformação. São números suspeitos, livres de contexto, produzidos em privado, partilhados seletivamente para contar as histórias certas.

De forma abstrata, as métricas são poderosas não apenas pelo que transmitem — poder, autoridade, popularidade — mas porque implicam a medição por algum tipo de padrão acordado. Na realidade on-line, elas tendem a fornecer problemas matemáticos: equações incômodas com variáveis ausentes e nomes eufemísticos. Há números em toda parte, mas eles não significam nada.

As contagens de visualizações de Musk parecem existir para criar a impressão de vitalidade em uma plataforma que vem enfrentando dificuldades desde que ele a adquiriu.

A chegada mais recente do TikTok fez com que as métricas visíveis entrassem em um período de hiperinflação e de maior visibilidade. O TikTok, em que os vídeos são reproduzidos e repetidos automaticamente, exibe vários números — curtidas, comentários, favoritos, compartilhamentos — de forma proeminente, ajudando a criar a sensação de ambiente, crescimento compartilhado e aceleração do TikTok. Isso, aliado a sua rápida ascensão e visibilidade na cultura, levou seus concorrentes a lançar recursos no estilo do TikTok.

Os serviços de streaming, como Netflix e Max, são muito menos abertos do que as redes sociais em relação as suas métricas de audiência, que muitas vezes são ocultadas até mesmo dos criadores de programas. Isso evoluiu de um instinto inicial — quando o streaming era novo, as contagens de visualizações eram pequenas em comparação com as classificações de transmissão e até mesmo de TV a cabo — para uma norma e uma prática padrão em um setor dominante. Os streamers, que coletam dados volumosos sobre o que seus espectadores assistem, compartilham dados de forma tão seletiva e estratégica que muitas vezes parecem uma piada.

O que quero dizer é simples: os estúdios têm os dados e ficam felizes em divulgá-los aos poucos, quando lhes convém, mas o objetivo é apenas e sempre fazer com que o estúdio pareça bom e inteligente. Quando sabemos apenas o que constitui um sucesso aos olhos do estúdio, nem os consumidores do estúdio nem seus funcionários (ou seja, os roteiristas e os atores) têm ideia do que constitui um fracasso. E você não pode realmente entender o sucesso se não entender também o fracasso.

A Netflix e o Max começaram a publicar listas dos dez melhores com base em seus dados internos, e os streamers começaram a trabalhar cautelosamente com a Nielsen para um rastreamento limitado, mas a maioria dos dados que coletam internamente permanece em segredo. A lista da Netflix tem seus próprios números de visualizações, definidos como “total de horas vistas dividido pelo tempo total de exibição”, que se aproxima da honestidade, mas carece de qualquer contexto útil.

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Eduardo Mendes

Advisor for Culture and Innovation | Co-Founder na The Block Point | Web3 & New Technologies | Strategy, Research & Content | Sports | Entertainment | Media