Comer carne é um dano líquido? uma colaboração entre um comedor de carne e um vegetariano (parte 7 — final)

Altruísmo Eficaz Brasil
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8 min readFeb 22, 2020

[Chegamos ao final dessa série de posts.

Essa série é parte da “colaboração antagônica” entre um comedor de carne e um vegetariano, David G e Froolow, presente no blog racionalista SlateStarCodex (SSC) do psiquiatra Scott Alexander.

Uma colaboração antagônica, Scott define como sendo “quando duas pessoas com visões contrárias sobre uma questão controversa trabalham juntas para apresentar um resumo unificado das evidências e das suas implicações”. Basicamente, é como desfrutar do resultado final de um debate entre especialistas sem precisar passar por todo o debate, retórica e discordâncias.

Leia as partes anteriores aqui: Parte 1- Consciência animal , Parte 2- Condição de criação dos animais, Parte 3- Felicidade e vidas dignas de serem vividas, Parte 4-Implicações para a saúde humana , Parte 5-Impacto Ambiental , Parte 6-Custos em mudar para uma dieta vegetariana]

7. Conclusão

No geral, o caso a favor da redução do consumo de carne é forte. O vegetarianismo é mais barato, melhor para a saúde (se você tem condições de ter uma dieta variada e não é um bebê) e causa menos impacto ao ambiente. Também tem um custo moral significativo em termos de sofrimento animal.

No início da colaboração, o vegetariano tinha certeza que as vidas dos animais de pecuária são tão horrendas que o status quo é um completo desastre moral; o comedor de carne estava aberto a esta conclusão, mas também conseguia imaginar ser persuadido a gastar toda a sua renda disponível comprando carne e jogando-a fora por este ser o único jeito eficiente de causar a existência de criaturas sencientes que fortemente preferem existir. Se você representasse conclusões razoáveis sobre o consumo de carne numa escala de -10 a 10, poderia dizer que começamos com um confiante -5 e um altamente incerto 2, e terminamos concordando em um bem confiante -3.

Com base na pesquisa acima, produzimos um “caso base” para lhe auxiliar na tomada de decisão. Ele tende fortemente às crenças do comedor de carne na colaboração, como a questão envolve o que uma pessoa “típica” poderia pensar e comedores de carne são mais “típicos” do que vegetarianos. Mas, com certeza, encorajamos você a mexer na planilha por si próprio, já que algumas decisões são bem pessoais. Você pode baixá-la aqui.

Do modelo concluímos que o impacto total do consumo de carne por consumidor ocidental típico é grosso modo US$ -9.500 — isto é, a “sociedade de seres conscientes” estaria melhor em cerca de 9.500 dólares por ano se qualquer indivíduo humano comedor de carne mudasse para uma dieta de plantas. Colocando isto em outras unidades, se 5 pessoas virassem vegetarianas por um ano seria tão bom quanto se a medicina estendesse a vida de uma pessoa por um ano.

Cada valor na tabela abaixo representa o impacto anual de uma decisão de comer carne versus consumir uma dieta exclusivamente vegetariana. Os números mais à direita tentam expressar tudo nas mesmas unidades (US$) com base numa disposição a pagar por um ano de perfeita vida humana de 50.000 US$ e um ano da SUA PRÓPRIA vida de 100.000 US$ (para refletir o fato de que as pessoas geralmente ligam mais para o seu próprio bem-estar, mas se você for um utilitarista perfeito sinta-se livre para configurar ambos em 50 mil US$!). Com base no modelo, descobrimos que, embora vacas, ovelhas e (muito fracamente) porcos prefiram a pecuária à inexistência, o número de frangos consumidos e as condições em que são criados dominam as considerações éticas. Em termos de outros danos, os impactos na sua saúde e no ambiente são moderados, e o impacto financeiro de mudar para uma dieta vegetariana é pequeno, porém negativo — ou seja, o típico consumidor de carne preferirá no longo prazo comer carne a gastar as economias do vegetarianismo com outra coisa.

De modo geral, o impacto de que uma pessoa típica causa ao comer carne é, provavelmente, substancialmente negativo. Deixar de apenas comer frango limita o impacto negativo sobre os próprios animais. Até há um bem moral que você causa ao criar animais que são felizes na margem (o que não é o caso dos frangos mas é o caso dos demais animais). Contudo, mesmo para esses animais, quando considerado o dano causado à sua própria saúde e ao ambiente, faz sentido não comer nenhum animal.

7.1. Sensibilidade estatística

A planilha para auxílio de decisão permite a você especificar incerteza sobre qualquer uma das suas estimativas, o que fizemos em qualquer lugar em que ainda estamos incertos sobre o valor do parâmetro. Esta análise é mostrada no gráfico abaixo. Para qualquer distribuição plausível de parâmetros, comer carne é prejudicial a você pessoalmente, primeiramente por razões de saúde; e comer carne geralmente causa dano a outras criaturas conscientes por causa do impacto sobre o meio-ambiente e o alto sofrimento dos frangos. No entanto, há incerteza significativa sobres este valor; num pequeno número de casos, comer carne na realidade produz benefício à sociedade criando mais vidas que os animais prefeririam viver, em última análise.

Nuvem de danos da carne com base em valores que você acha incertos. Eixo X: Dano a outros seres conscientes por ano. Eixo Y: Dano a você pessoalmente por ano

Outro jeito de explorar a incerteza do modelo é a análise de cenário. Calculamos um número de cenários que cobrem prováveis áreas de desacordo.

Eixo X: Dano a outros seres conscientes por ano, equivalente a US$. Eixo Y: Dano a você pessoalmente por ano, equivalente a US$. Casos por ordem esquerda-direita: Ausência de pecuária industrial, Frangos não são conscientes, Caso base, Pior caso ambiental, Ausência de habituação, Ausência de especismo, Ausência de carne causa depressão(abaixo).

Na ordem de menos a mais prejudicial a outros seres conscientes, os cenários são:

• A ausência de pecuária industrial por pouco dá resultados que favorecem o consumo de carne, como todo animal preferiria estar vivo a não estar. O efeito não é maior porque há ainda implicações ambientais e de saúde no consumo de carne.

• Frangos não são conscientes — O caso base atribui uma chance de 75% de que frangos sejam conscientes, e esta é uma grande pressuposição à qual o modelo é altamente sensível. Presumir que frangos não são conscientes dá resultados que por pouco favorecem ser vegetariano, como a importância moral de criar vidas de vacas, porcos e ovelhas que valem a pena é contrabalanceada pelos outros danos do consumo de carne.

• Caso base — Conforme descrito no documento.

• A ausência de carne causa depressão — Neste cenário não comer carne lhe causa uma doença significativa porém não fatal — no modelo representamos isto como se você tivesse um caso leve de depressão (0,62 de utilidade). Este cenário é muito interessante, porque prediz que comer carne seria bom PARA VOCÊ, mas prejudicaria os outros, e portanto se você deveria ou não comer carne depende de quanto você dá valor à sua própria felicidade versus a felicidade dos outros (lembre-se de que o modelo já valoriza os seus QALYs mais alto do que os dos outros, com base no pressuposto de que você não é um maximizador de utilidade perfeito E que você é compensado pela infelicidade que a carne causa).

• Pior caso ambiental — os recursos usados para criar carne estão no limite superior da gama plausível (10%) e todos estes recursos criarão novas pessoas. Quanto mais convincente você achar o argumento ambiental, mais provável é que você deva virar vegetariano.

• Ausência de habituação — Neste cenário, absolutamente nenhuma criatura (incluindo humanos) se habitua, o que significa que são expostos a toda a “ruindade” das condições de criação. Quanto menos você se convence da literatura da habituação, mais provável é que você deva ser vegetariano; este é um resultado bem forte.

• Ausência de especismo — neste cenário o valor das experiências conscientes de animais tem tanto peso quanto a experiência consciente de um humano. Este é o cenário que resulta no mais forte argumento contra o consumo de carne, e poderia talvez ser a intuição que move o estado amargo das discussões entre comedores de carne e vegetarianos.

• Não mostrada nesta análise, é uma análise “Vegetariana Sem Freios”, em que o colaborador vegetariano pode introduzir as suas próprias pressuposições no modelo sem nenhuma inspeção do parceiro comedor de carne na colaboração. Isto é porque o que o vegetariano considera pressupostos altamente plausíveis (frangos são conscientes, um peso muito maior é colocado sobre a experiência/sofrimento animal e muito menos habituação ocorre) resulta em valores que caem na extremidade direita do gráfico — um valor de cerca de 250.000 US$ de danos aos outros por ano.

Nossa conclusão chave é que, até sob os cenários mais extremos que poderíamos pensar, ainda é muito provável que comer carne seja um dano líquido tanto a você como à sociedade em geral. Também, perceba que até em cenários em que você não está prejudicando tanto a você quanto à sociedade, você com certeza está machucando bastante algum deles.

7.2. O impacto sobre o estilo de vida do colaborador

O colaborador comedor de carne ficou impressionado com o impacto ambiental da carne bovina e com o custo moral dos frangos da pecuária industrial. Por ora, ele reduziu significativamente o consumo de ambos, compensando em parte com salmão porque peixes têm um impacto ambiental menor e muito provavelmente não são conscientes.

O vegetariano ficou surpreso com como o caso a favor do vegetarianismo é marginal quando uma perspectiva “típica” é considerada. Parte disto é porque ele ainda é bastante cético sobre se os animais realmente se habituariam às condições em que os criamos, dado que a literatura da habituação realmente não cobre condições tão cruéis quanto a pecuária industrial. Outra parte poderia ser que esta colaboração não se concentrou em eventos traumáticos pontuais — especialmente o abate — que provavelmente não afetam muito a utilidade do tempo de vida, mas poderiam ser considerados tão autoevidentemente uma “maldade” que o modo como pensamos sobre o problema como um equilíbrio de bem vs dano seja incorreto. Dito isto, embora os danos reais do consumo de carne sejam menores que o esperado, a certeza de estes danos ocorrerem sob qualquer plausível distribuição de crenças (o fato de que até uma pessoa “típica” provavelmente consideraria prejudicial comer carne, considerado tudo) provavelmente tornará o vegetariano mais militante sobre o seu vegetarianismo. Foi mal!

Dito isto, ambos os colaboradores concordam que não há como substituir a sua própria avaliação pessoal das evidências. Só podemos ter a esperança de que você tenha achado a nossa análise uma referência útil.

Tradução: Luan Rafael Marques

Revisão: Fernando Moreno

Publicado originalmente em: https://slatestarcodex.com/2019/12/11/acc-is-eating-meat-a-net-harm/

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Altruísmo Eficaz é um movimento que busca descobrir e aplicar as formas de fazer o maior bem, usando para isto evidências e racionalidade.