OMBUDSMAN: Desconstruir e conscientizar é preciso

Cultura do estupro e desemprego de pessoas trans e travestis são temas nesta quarta rodada de entregas da Editoria Geral

William Martins
Redação Beta
9 min readNov 24, 2020

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Manifestação contra a cultura do estupro e em defesa a Mariana Ferrer. (Foto: Roberto Parizotti/FotosPublicas)

O jornalismo tem a função de jogar luz e problematizar questões que prejudicam parte da sociedade. Nesta rodada de matérias produzidas pelos alunos da Editoria Geral, da Beta Redação, algumas reportagens tencionaram assuntos latentes cumprindo justamente este papel. Além disso, a pandemia segue sendo o recorte e a contextualização das pautas, — neste momento, não poderia ser diferente — mas no desenvolver das reportagens ela deixa de ser o tema central.

Já a função do ombudsman no jornalismo é trazer à tona críticas às reportagens publicadas na editoria durante o semestre, mas também para fazer sugestões que podem vir dos leitores. Exemplo disso aconteceu com a proposta da leitora Claudete Morellato, na primeira coluna, em que sugeriu a repórter Cristina Bieger que acompanhasse a trajetória das personagens da reportagem Futuras mamães unidas durante a pandemia na suas gestações. O resultado foi muito interessante, pois com a segunda publicação é possível que os leitores saibam o desenrolar das histórias e o exercício da maternidade neste período peculiar da nossa história.

Trio de futuras mamães que tiveram suas histórias contadas no início do semestre, na Editoria Geral da Beta Redação. (Foto: Ediane Meier/Arquivo pessoal)

A reportagem Gestação durante a pandemia: apoio, vínculo e transformações, apresentou histórias que tornaram o texto rico e instigaram a leitura, além de recuperar uma história a partir de um novo aspecto. “Ótimo ler a continuidade da matéria anterior. Mais uma vez, foram passadas informações e dicas bem importantes para futuras mamães sobre cuidados pré e pós- parto. Uma matéria muito clara e que te leva a querer ler mais. As fotos são muito bonitas também”, comenta Claudete Morellato.

Natássia Ferreira, jornalista, também elogiou a produção. “Muito legal e acolhedora a matéria. Parabéns. Texto bom. As falas das mães foram bem inseridas, as fotos estavam lindas também”.

A cultura do estupro no Brasil e a luta trans no mercado de trabalho

Nas últimas semanas o Brasil se viu perplexo com a sentença do julgamento do caso Mariana Ferrer, 23 anos. A produtora de festas acusou o empresário André de Camargo Aranha de estupro. O crime, segundo Mariana, teria ocorrido no ano de 2018, durante uma festa. Contudo, após a argumentação do promotor do caso, — afirmando que o empresário não poderia saber, durante o ato, que a vítima não estava em condições de consentir e, por isso, não existiria a intenção de estuprar — a justiça compreendeu que o acusado era inocente.

A decisão foi divulgada em uma matéria do site The Intercept Brasil, que também publicou um vídeo do julgamento, em que Mariana era humilhada pelo advogado. No título, a reportagem trouxe o termo ‘estupro culposo’, o que gerou grande repercurssão nas redes sociais. Porém, o conceito não estava nos autos da sentença, e o fato — que gerou grande discussão sobre a prática jornalística, que deve interpretar fatos e transcrevê-los para o entendimento geral da sociedade — tirou a atenção sobre o que realmente importava no momento.

Apesar de não citar o caso que circulou intensamente, a reportagem Cultura do estupro também é questão de linguagem, da repórter Amanda Krohn, abordou a problemática da cultura do estupro no país, a partir do documentário ‘Uma em cada onze’ e da perspectiva das pesquisadoras Lúcia Silveira Alda e Maria Eduarda Cunha de Silveira. A matéria apresenta dados sobre a violência contra a mulher publicados no Anuário de Segurança Pública e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSB), de 2017, e pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMDH).

Documentário ‘Uma a cada Onze’ ajuda a conscientizar sobre a realidade das mulheres no Brasil (Foto: Reprodução Vimeo)

As duas reportagens são complementares, pois a Beta Redação apresenta um cenário que assusta e preocupa, que é exemplificado, infelizmente, pelo caso Mariana Ferrer, noticiado no TIB. Por isso, trago um trecho da fala da pesquisadora Maria Eduarda Cunha de Silveira, entrevistada pela aluna Amanda, sobre os altos índices de violência contra a mulher. “Em muitos casos a vítima ainda é filmada, fotografada e televisionada, ou seja, ela é abusada duas vezes: primeiro pelo criminoso, depois pela mídia e pelo ‘tribunal da internet’’, afirma a pesquisadora.

A leitora Indianara Kopplin se diz emocionada com os dados apresentados pela reportagem. Para ela vítima é vítima e é necessário ter coragem para denunciar. “Essa notícia é importante para mostrar que se você é mulher e sofreu algum tipo de abuso é seu direito denunciar. Estamos tentando remover essa cultura do estupro estruturada em nossa sociedade. É preciso dizer que, de maneira alguma, a vítima é culpada por algo que ela sofreu”, afirma.

Outra matéria publicada na Geral que aponta um tema relevante, mas nem sempre pautado na grande imprensa, é Transexuais e travestis buscam alternativas para ingressar no mercado de trabalho, que apresenta a realidade de uma população historicamente marginalizada. A reportagem presta um serviço essencial, dando voz a uma organização muito necessária, oferecendo a possibilidade de pessoas trans que estejam desempregadas alcançarem a Transempregos por meio da matéria.

“Uma das partes interessantes dessa reportagem é: ‘Não há dados estatísticos sobre o número real de travestis e transexuais com vínculo empregatício no Brasil’. Isso já demonstra que a nossa sociedade nem sequer pensou em analisar essa questão e se perguntar como a população brasileira recebe essas pessoas, a qualidade de vida deles”, comenta Indianara.

“Mais uma vez fica evidente a desigualdade no nosso país. Esta reportagem é um alerta muito importante sobre a falta de Políticas Públicas efetivas para as demandas de transexuais e travestis”, afirma Claudete Morellato

Covid-19 é personagem coadjuvante da produção da semana

A reportagem Hipertensão Arterial: saiba mais sobre a doença silenciosa que impacta nas mortes por Covid-19 aborda uma temática importante, realizando um trabalho de conscientização e prevenção. Afinal, há muitos brasileiros que possuem a doença e não sabem. Porém, é possível sentir falta de um case que ofereça uma estrutura mais robusta ao texto e dê maior relevância a matéria.

Ressaltando também a importância do assunto, Claudete Morellato, orientadora educacional aposentada da rede de ensino municipal de Canoas, comenta que a matéria traz histórias com informações relevantes. “A reportagem mostra que a prevenção é fundamental para reduzir estes números. Os especialistas e os relatos de hipertensos colocam de forma clara todas as informações necessárias. A reportagem ter citado o projeto da Unisinos, colabora para que mais pessoas o conheçam e saibam onde procurar ajuda caso necessário”.

Já a leitora Natássia Ferreira achou que faltaram informações mais diretas sobre o impacto da hipertensão nas vítimas de Covid-19. “Achei boa a matéria, mas faltou mencionar o impacto nas mortes por coronavírus. Acredito que foi falado mais sobre a doença em si, no entanto, faltou trazer o que dizia no título. Mas está bem escrita, trouxe dados”, afirma.

A matéria Isolamento social alerta para importância de atividades físicas cumpre ao que se propõe; contudo, poderia deixar mais clara a importância da prática de exercícios físicos. Em relação ao case do jornalista Diori, a Beta Redação já havia trazido a sua história no semestre passado na editoria de esportes. Porém, nesta reportagem ele foi muito mal aproveitado. Ele é um excelente exemplo, que ilustraria de forma completa a publicação, caso tivesse sido explorado mais profundamente.

O jornalista Diori Vasconcelos é um case pouco aproveitado na reportagem. (Foto: Arquivo pessoal/Diori Vasconcelos)

“É bacana ler notícias assim, que mostram que as pessoas estão se preocupando mais com a saúde. Acredito que um fator, além de querer melhorar a saúde, é que com a quarentena a população pode planejar melhor seus cronogramas de atividades do dia a dia, acrescentando a sua rotina práticas que melhoram a saúde”, comenta Indianara Kopplin, estudante de moda.

Já o texto Crescimento na compra de livros aumenta 4,4% durante a pandemia aborda a importância da prática da leitura. O dado que embasa a matéria é esperançoso, já que as livrarias vivem grande crise no Brasil. As fontes escolhidas ajudaram a compor o texto e trazem experiências ricas, que reafirmam o dado trazido.

Mas a leitora Natássia Ferreira questionou o título da reportagem. “Achei boa a matéria, mas penso que o título não casa com o corpo do texto. Somente no primeiro parágrafo são trazidos dados sobre o aumento dos preços dos livros e no restante é abordada a importância da leitura para a vida das pessoas. Teria esse cuidado apenas: já que a matéria é sobre o aumento do consumo, poderia abordar caminhos que ajudassem a estimular a compra de livros”, destaca a jornalista.

“Excelente iniciativa de mostrar uma atividade alternativa para realizar no período de pandemia. Não há dúvidas que, neste período, os sintomas da ansiedade foram potencializados e sugestões de atividades para diminuí-los são muito importantes. Os relatos colaboram para incentivar o hábito da leitura. As imagens foram bem escolhidas ilustrando o conteúdo”, elogia, por sua vez, a leitora Claudete Morellato.

A reportagem Pandemia altera o perfil dos destinos mais procurados no próximo verão aborda um assunto de grande relevância e expõe números e informações muito interessantes sobre o turismo no país. Além disso, a matéria traz uma grande abrangência, com informações sobre o Brasil e os países vizinhos ao Rio Grande do Sul, aumentando a ótica do leitor sobre a América do Sul.

“Devemos nos orgulhar dos destinos turísticos do nosso país antes de focar em passeios ao exterior, como para a Europa, América do Norte, Ásia, etc. A América do Sul inteira tem uma cultura muito rica, encantadora e vasta, que está mais próxima de ser visitada, seguindo as recomendações, que qualquer outro destino em outro continente”, afirma Indianara Kopplin.

A reportagem Diagnóstico precoce aumenta as chances de cura do câncer de próstata e de testículo aborda a temática dentro do contexto do mês em que ela é pautada. Porém, o assunto é sempre necessário e atual. Os dados que o repórter trouxe são relevantes e o case compõe a matéria dando relevância ao texto. Além disso, a reportagem trouxe uma informação muito interessante que é a de que o Novembro Azul é uma campanha que trata de outros tipos de doenças que afetam o público masculino, além do câncer de próstata.

A reportagem aborda o Novembro Azul com opinião de especialista e histórias de quem já venceu a doença. (Foto: Shutterstock/Divulgação)

“Mais um assunto de destaque pela sua importância e por ainda ser negado pela maioria dos homens. A matéria está bem completa, com informações sobre a doença, tratando o conteúdo da campanha do Novembro Azul com relatos e opinião de especialista”, comenta Claudete Morellato.

A leitora Indianara comenta que é preciso desconstruir e deixar de estigmatizar o câncer de próstata para que mais homens se conscientizem e façam exames. “Que reportagem importante, ainda mais no mês de luta contra essa doença que mata tantos homens. Essas campanhas deveriam ser mais presentes, não só neste mês. Assim, esse medo, vergonha e tabu com a doença seriam reduzidos”, afirma.

Já a reportagem Festividades de fim de ano exigem precauções contra a Covid-19 apresenta o óbvio. As informações trazidas não acrescentam nada de novo ao que já está sendo noticiado há meses, tornando-se repetitiva. Na entrega anterior, a Editoria Geral publicou um dossiê sobre o uso de máscara que abordou muitas das informações contidas no texto.

“Achei um pouco rasa essa matéria, porque falou algo que já sabemos, não trouxe um fator novo que desse destaque ao tema. Dos sintomas e aglomerações, já sabemos. Senti falta de alguma fonte que fosse fazer diferente nesse período de Ano Novo, ou alguma empresa que vá oferecer algum serviço novo para as pessoas nessa época de festas”, afirma a leitora Natássia Ferreira.

Já Claudete Morelatto comenta que a reportagem, apesar de repetitiva, aborda um assunto latente e importante. “Sem dúvida este assunto traz muita preocupação, principalmente porque envolve grandes eventos e normalmente os protocolos acabam ficando de lado”.

Finalizando nossa análise, comentamos a reportagem Ligação com a natureza marca cotidiano de jovens agricultores, que não pautou a Covid-10. Para Natássia Ferreira, o resultado atendeu a proposta de pauta. “Ótima matéria, gostei da abordagem entre jovens e a agricultura e de como está se desmistificando a ideia do colono com enxada na mão. Agricultor, hoje em dia, vai além disso e ficou bem esclarecido no texto da Laura”, comenta. Apontamos, apenas, uma contradição entre a linha de apoio e o primeiro período do lead. No decorrer do texto, o leitor conhece uma outra perspectiva, uma outra realidade, que não a de quem vive na cidade, mas a de quem produz o alimento para abastecer os grandes centros. A reportagem apresenta um contexto distinto.

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