OMBUDSMAN: Cresce a qualidade, diminuem-se as linhas

Luana Rosales
Redação Beta
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12 min readJun 9, 2020
Linhas de crítica foram diminuindo ao longo do semestre (Foto: TanteTati/Pixabay)

Das duas, talvez duas. Ou os leitores estão ficando cansados, assim como a maioria dos seres humanos nas condições atuais, ou os textos da Beta Redação na editoria Geral estão evoluindo nitidamente a cada publicação.

Isso porque, ao construir a quarta coluna de ombudsman do semestre, foi possível fazer uma constatação: a extensão do tempo de leitura detectada automaticamente pelo Medium tem diminuído progressivamente a cada texto com a opinião dos leitores.

Com exceção da primeira crítica, que teve duração de 12 minutos — e os repórteres não puderam ler antes de fazer a segunda reportagem — , as colunas seguintes tiveram 17, 13 e 12 minutos de leitura — sendo que o texto atual trata de oito reportagens, duas a mais do que nas outras semanas.

Desta vez, uma das leitoras opinou com mais detalhes sobre duas das matérias a seguir e disse que gostou de todas as outras, por exemplo. Por outro lado, também foi possível perceber, ao longo dos últimos meses, que os pontos negativos sempre geram mais comentários e, consequentemente, mais linhas de opinião.

Afinal, os defeitos são mais justificáveis, é mais fácil explicá-los. Já os pontos positivos não rendem tanto, muitas vezes nem se sabe o porquê de se ter gostado daquilo— ainda mais quando não se possui o conhecimento técnico sobre jornalismo ou sobre o assunto abordado na matéria, o que é normal.

Teorias à parte, a dedicação dos repórteres em absorver os comentários lidos foi perceptível a cada semana em diversos aspectos. Desde a preocupação maior com a contextualização, que foi aparecendo cada vez mais, até as fotos, que foram ficando cada vez mais interessantes. Sem falar nas muitas pautas excelentes e originais que foram surgindo.

Claro que a perfeição é, por si só, inalcançável, mas há muito o que comemorar até aqui. Em meio a tantas incertezas, do melhor jeito que se consegue, o propósito do estudo está sendo cumprido. Afinal, a qualidade está aumentando e as linhas, diminuindo.

Entrando na linha mais prática, vale começar pela matéria Esperança de cura do HIV dá novo passo em 2020, de Natan Cauduro, que tem um ponto de partida interessante pelo seu tema não ser a Covid-19.

O texto tem um bom início, mas poderia dar mais destaque ao fato novo que a matéria apresenta, que é a possibilidade de haver um brasileiro curado de AIDS em 2020. “Do jeito que está, não está muito clara a abertura. Adam Castillejo é o segundo paciente curado. Quem é então o primeiro? Ele tem um codinome. Quem deu o codinome?”, questiona o leitor Maurício Renner, jornalista e editor.

Reportagem deu uma folga para o assunto coronavírus (Foto: Cottonbro/Pexels)

Para a leitora Rita, que atua na revisão de textos, a reportagem apresenta um tema muito interessante. No entanto, a leitura se torna cansativa por conta das nomenclaturas desconhecidas.

No caso das TCD4, por exemplo, não é explicado qual é a função dessas células, dando a impressão de que o trecho é desnecessário. Já a explicação sobre os medicamentos antirretrovirais poderia ocorrer na primeira vez em que a palavra é citada. Isso acontece bem depois no texto.

A leitora Júlia Kunrath, gestora ambiental, também pensa que alguns termos mais técnicos talvez merecessem uma maior explicação, além de ter considerado a estrutura do texto um pouco confusa. “Explica o HIV, daqui a pouco fala dos testes, dos resultados e depois volta no tema para explicar uma coisa que já tinha sido falada lá no início, de toda a questão de métodos de teste de laboratório”, exemplifica.

Janaína Carvalho, técnica em radiologia, compartilha da opinião, considerando o texto “muito longo e meio repetitivo”. A leitora Rita teve uma impressão semelhante: “parece que reservatório e santuário significam a mesma coisa, só que explicados com palavras diferentes”.

No caso da frase “Na pesquisa, caso sejam somados todos os índices de violência, chega-se a 1.784, e desse total, 1.144 (64,1%) já passaram por algum tipo de abuso, seja mental ou físico”, as informações geram certa confusão, assim como a dinâmica da pesquisa. Talvez fosse necessário explicar um pouco melhor como o estudo em questão foi feito, pois o texto dá a entender que cada pergunta era respondida por um número diferente de pessoas, mas isso não fica explícito.

Vale ressaltar a preocupação do repórter em explicar o que é HIV e AIDS, uma vez que muitos podem não saber a diferença. A matéria também traz diversos links para contextualização, além de boas imagens.

A matéria Adoção responsável e consciente de animais é discutida durante pandemia, de Ketlin de Siqueira, também chama atenção pela originalidade do assunto, embora ele já tenha aparecido um pouco nos veículos de comunicação. “Interessante a abordagem do tema, que também é relevante, porém esquecido durante a pandemia”, opinou Rita.

Para Renner, a matéria tem um problema de indefinição de assunto: “o título fala de adoção responsável, e a linha de apoio, sobre informações falsas e ação das entidades. Já o primeiro parágrafo fala da impossibilidade de animais transmitirem o coronavírus”.

Ao longo do texto, acabou-se dando muito destaque às ONGs, com aspectos como o seu financiamento e sustento, enquanto o foco poderia estar apenas na adoção em si nesses casos, mostrando que a opção existe para quem tiver interesse e utilizando os comentários que tenham a ver com a pandemia.

No trecho “diante do atual cenário e da grande circulação de notícias falsas, o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (CRMV- RS) esclarece que nenhuma vacina para outros tipos de coronavírus utilizada em animais que pode ser utilizada em humanos contra a Covid-19”, foram encontrados alguns tropeços. Além da construção estar confusa, existe um “que” sobrando e falta a palavra veterinária na abertura da sigla.

Notou-se também alguns detalhes como trechos escritos em primeira pessoa, incorreções em relação ao uso da vírgula, erros de digitação como “espécia”, “medicina veterinário”, “câmaras” e a escrita da expressão “à seu pet shop”. Se pet shop for considerado um substantivo masculino, não se pode usar a crase e, se for um substantivo feminino, o correto seria utilizar “sua”, com crase facultativa.

Novamente, destaca-se positivamente parte visual como um todo, principalmente com a produção própria de fotografia, além do uso de recursos diferenciados: a repórter utiliza um material em áudio bastante esclarecedor para um aprofundamento no assunto.

Repórter apresentou mais uma foto produzida por ela (Foto: Ketlin de Siqueira/Beta Redação)

A matéria Muito improviso e adiamentos marcam festas de aniversário na pandemia de Helen Appelt, começa com um bom conjunto de título, linha de apoio e lead.

Para Rita, a abordagem foi interessante e a repórter cumpriu o que anunciou, citando diferentes estados do Brasil — embora pudesse ter citado menos o Rio Grande do Sul, em sua opinião — e também diferentes comemorações, contemplando aniversários de 1, 2, 15, 24, 30 e 80 anos.

Renner, por outro lado, aponta que não tem muita certeza sobre a origem latina da comemoração de aniversário. Ele pensa que “talvez fosse melhor abrir a matéria com algo menos rebuscado”.

Em termos de imagem, a foto do bebê com o tema quarentena, colocada na abertura da matéria, poderia estar próxima ao trecho onde a comemoração é citada. Sua história é contada bem depois da localização da imagem e o comentário de que as fotos eram lindas gera curiosidade. Poderiam haver, também, mais fotos das fontes.

Imagem ficou longe da parte em que foi citada (Foto: Marília Norma Nunes Silva/Arquivo pessoal)

No geral, o texto transcorre com uma leitura muito agradável, com leveza e histórias interessantes. “Apesar de um ou outro errinho de grafia, ela escreve bem e de forma fluída”, opina Rita.

Júlia acrescenta que poderiam ser citados outros métodos de comemoração, como as carreatas que estão sendo feitas atualmente, que considera a forma mais segura de comemoração depois da videoconferência. “Existem também chás de bebê que estão sendo feitos assim. As pessoas passam de carro, deixam o presente em caixas e essas caixas ficam em quarentena ou são limpas com álcool”, conta.

Também chamou a atenção o fato de que, nas partes em que os aniversários são dos filhos, as mães parecem ser as protagonistas ao invés dos aniversariantes. Um bom exemplo de abordagem diferente está na matéria Pais e filhos: as dificuldades do estudo em casa, de Gustavo Machado, que traz um case onde a família toda aparece e seus membros parecem ter responsabilidades mais divididas.

Neste caso, a reportagem também está muito bem escrita, interessante e com um texto que flui facilmente, além da correção gramatical. “Muito interessante e oportuna a abordagem em virtude de ser, não apenas esclarecedora, mas auxiliadora para pais e responsáveis” elogia Rita. Neste sentido, talvez ficasse interessante acrescentar um infográfico com as principais dicas da psicóloga.

Considerando que o título fala em dificuldades, uma família com estudante de escola pública poderia ter sido entrevistada. Assim, seria possível verificar os diferentes tipos de obstáculos envolvidos no assunto. Também seria interessante ouvir a perspectiva de algum estudante como fonte.

Outro detalhe importante é que o nome do filho do casal que fala à reportagem, chamado Felipe, não está citado no texto, apenas na legenda da foto. Já na parte em que é citado o “diretor da unidade de portão”, também poderia ser citado que se trata do diretor da escola onde o menino estuda, para conferir mais clareza ao texto.

Nome do menino Felipe aparece apenas na legenda da foto (Foto: Elisângela Azeredo)

No trecho “é importante não diminuir o medo, acolher”, Rita pensa que, por mais que se trate de uma citação direta da entrevistada, a forma como ela foi dita muda o sentido da orientação. “Na minha opinião, considerando o contexto da abordagem, ela deveria ser ‘é importante não menosprezar o medo sentido pela criança, mas acolhê-la’”, sugere.

Seguindo no tema educação, a matéria Senado discute adiamento do Enem, de Henrique Bergmann, postada um dia antes da efetivação da medida, tem um texto bem escrito, objetivo e abrangente, com uma boa diversidade de fontes — especialista, estudante e professor.

Texto abordou o adiamento do Enem um dia antes de sua confirmação (Foto/divulgação: Flickr/ Luis Fortes)

“O autor escreve bem e de forma clara e fluída. Usou bem as vírgulas”, destaca a revisora Rita. Na sua opinião, porém, o texto possui muitas citações diretas. Ela ainda chama atenção para a frase “se o funcionamento de Instituições de Ensino sejam comprometidos por qualquer razão maior”, onde há um erro de concordância verbal.

Para Renner, a matéria traz uma boa apuração sobre a possibilidade de cancelamento do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e os motivos para tanto, mas a manchete é pouco eficaz. “Talvez fosse melhor ‘ENEM pode ser adiado’”, sugere. O jornalista também pensa que falta uma exposição da posição do Ministério da Educação, mesmo que com declarações de segunda mão do ministro.

Na reportagem Instituições de Ensino Superior gaúchas anunciam aulas online até o final do primeiro semestre, de Renan Silva Neves, o texto está bem escrito de maneira geral, sendo breve e informativo.

“No começo, a matéria afirma que Unisinos, UFRGS, Ulbra e PUC-RS são algumas das principais universidades do estado. Esse argumento se fortaleceria com o número de alunos de cada uma delas, com algum ranking, por exemplo”, aponta Maurício.

Para enriquecer o material, seria interessante ter um pouco mais de diversidade em relação aos cursos abordados, uma vez que várias fontes são estudantes de Direito. A graduação envolve bastante leitura e pode ser um dos mais fáceis para manutenção da qualidade nas aulas a distância. Para um estudante de Educação Física, por exemplo, que tenha se matriculado em uma disciplina de basquete, os prejuízos devem ser muito maiores.

Neste sentido, a reportagem também poderia se aprofundar um pouco mais em como estão sendo as aulas que não podem ser reproduzidas on-line. Falando nisso, Rita aponta uma falta de padronização para as palavras estrangeiras, quando se escreve ora “on-line” e ora “online”, por exemplo.

No texto, ainda é possível observar algumas repetições, como no caso da expressão “Ensino Superior”, que é utilizada duas vezes no lead e ou de palavras que aparecem em erros de revisão, como “tenha tenha” e “o o”. Também tornou-se um pouco repetitivo dizer, em cada universidade, o dia em que as aulas foram interrompidas, uma vez que todas foram em março.

Quando é iniciada a parte sobre a universidade luterana, o “” dá a ideia de oposição, mas o texto acaba por mostrar que está acontecendo nela algo semelhante às outras instituições.

Quanto às imagens utilizadas, Rita pensa que elas não se encaixam no tema da matéria. “Deveriam representar o contexto de estudo e das aulas das alunas entrevistadas e não fotos com mensagens subliminares de suas ideologias”, opina.

Leitora não aprovou as fotos utilizadas (Foto: Arquivo Pessoal)

A matéria Idosos contam como enfrentam período de isolamento, de Thais Lauck, foi muito bem escrita e trouxe histórias interessantes, fazendo a leitura fluir facilmente. “Muito interessante a abordagem do tema. Ela escreve muito bem, o que faz com que o leitor queira continuar a leitura pra descobrir mais” elogia Rita. As rotinas dos entrevistados são bem detalhadas, respondendo as dúvidas que vão surgindo. Júlia também adorou, classificando o texto como “super descontraído”.

A parte fotográfica também é muito boa, mostrando os personagens citados e ilustrando as histórias contadas.

Fotos ilustraram bem a rotina dos entrevistados (Foto: Arquivo Pessoal)

No entanto, alguns detalhes podem ser aprimorados. Na linha de apoio, o termo caminhada no pátio poderia ser destacado ao invés de exercícios, pois os três entrevistados citaram a atividade desta forma particular.

A parte que fala sobre as compras no mercado acaba gerando certa confusão ao citar que Octacílio leva a esposa ao local e, depois, que o casal recebe o auxílio dos vizinhos.

Já no trecho “nos fazendo lembrar de uma liberdade hoje cerceada para humanos”, há o uso da primeira pessoa, enquanto o restante do texto é trabalhado em terceira. Ainda chamaram atenção alguns poucos erros relativos à crase e ao uso de vírgulas.

A reportagem Trabalho solidário durante a pandemia ajuda famílias em vulnerabilidade, de Guilherme Pech, teve uma boa variedade de fontes e o texto foi elogiado. “O autor fez uma construção excelente. Foi desenvolvendo o conteúdo de forma crescente e envolvente, como se estivesse revelando aos poucos, mas crescendo ao mesmo tempo”, salienta Rita, acrescentando que adorou as vírgulas bem colocadas, assim como as imagens. “Lindas as fotos e muito representativas. Ilustraram bem cada trecho do texto”, elogiou.

As imagens da matéria foram elogiadas (Foto: Rede Solidária São Leo)

Janaína, por outro lado, acredita que a matéria tem muita informação e conta que precisou prestar atenção para para não confundir as entidades que estão ajudando na pandemia.

Desta forma, alguns detalhes poderiam ser aprimorados para uma maior clareza do texto.

No trecho “cortando as sobras de linha e passando as marcadas para esterilização”, dois pontos chamaram atenção. O primeiro é que provavelmente a palavra correta seria máscaras e o segundo é que a foto correspondente está em outro ponto da matéria — se estivesse próxima, isso facilitaria o entendimento.

Já na parte “distribuiu mais de 5 mil toneladas de alimentos em pouco mais de 40 dias de atividade” acredita-se que o número correto seja 5 mil quilos ou 5 toneladas, pois da forma colocada seriam 5 milhões de quilos. “Considerando que foram 10 mil famílias atendidas, seriam 500 quilos para cada família. Acho que é demais”, observa Rita, que tem formações na área administrativa.

Em “a maioria das pessoas que já ajudaram não são da região”, não fica claro se o autor está falando de quem ajuda ou de quem é ajudado. Já a citação de todos os participantes da rede de São Leopoldo é extensa e poderia ser evitada.

Sobre a fonte Elisandra, é dito que ela é autônoma, mas não especifica qual tipo de trabalho realiza. Mais adiante, o texto traz que ela “também” é costureira, o que gera um pouco de confusão, já que autônomo não é uma profissão em si.

Conheça os leitores convidados para o conselho da Beta Geral em 2020/1

Em todos os semestres, a Beta Redação tem um conselho de leitores que opina sobre as produções jornalísticas da editoria Geral, contribuindo para a coluna de ombudsman. No período de 2020/1, quatro novos voluntários estão lendo e o ouvindo as matérias.

Conheça os componentes do conselho do leitor:

Janaína Carvalho, 47 anos, solteira, mãe de Tanise, 29 anos. Nascida em Canoas, é moradora de Nova Santa Rita. Trabalha como técnica em radiologia no Hospital Nossa Senhora das Graças, em Canoas, e cursa Gestão Hospitalar na FADERGS.

Júlia Inês Kunrath, 33 anos, solteira. Natural de Montenegro, é moradora de Canoas. Formou-se em gestão ambiental pela Unisinos, onde atualmente cursa Engenharia Ambiental. Trabalha como assistente de meio ambiente na General Motors.

Maurício Flach Renner, 39 anos, casado, pai do bebê Ingo. É natural de São Leopoldo e mora atualmente na Alemanha. Jornalista formado pela Unisinos em 2006, é sócio e editor do site Baguete, que cobre o mercado de Tecnologia da Informação.

Rita Luz, 49 anos, casada, mãe de Leonardo, 25 anos, e Pedro, 15 anos, cristã protestante. Natural de Porto Alegre, mora em Canoas há 15 anos. Formada em Processos Gerenciais pela Ulbra, cursa a segunda graduação, em Marketing, na mesma instituição, onde também se especializou em Gestão de Instituições de Ensino Superior e em Docência para o Ensino Superior. Cursa, ainda, MBA em Finanças e Controladoria pela Uniritter. Profissionalmente, atua como professora particular, além da revisão e formatação de textos e de trabalhos acadêmicos. Trabalha também como consultora de processos e finanças para o segundo e terceiro setores, além de voluntariar há mais de 20 anos em ONGs.

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Luana Rosales
Redação Beta

Escrevo, aprendo, viajo, logo existo. Não necessariamente nessa ordem.