Quais os desafios de definição de portfólio e escopo de um Joint Lab?

Lorenna F Leal
Bridge Ecosystem
6 min readApr 19, 2021

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Em nosso texto anterior O que é um Joint Lab?, definimos o que é um Joint Lab (ou Laboratório Conjunto Universidade-Empresa), qual seu objetivo, e oferecemos exemplos de Joint Labs e algumas de suas características principais. Ressaltamos ainda que Joint Labs podem ser considerados como meta-organizações, dado que são formados por outras organizações (universidades e empresas), estando submetidos aos interesses, processos, objetivos, e até visões de mundo, que são naturalmente muito distintas entre uma empresa e uma universidade. Como consequência, Joint Labs são empreendimentos complexos e apresentam desafios de gestão particulares para que sejam bem-sucedidos. Neste texto trataremos alguns desses desafios, em específico aqueles relacionados à definição do portfólio e escopo dos projetos colaborativos do Joint Lab.

De maneira geral, quando uma empresa decide dar início a um Joint Lab, ela já possui algum tema principal de interesse para realizar pesquisa e desenvolvimento. Portanto, após localizar a universidade, e algumas vezes o departamento (que pode servir como departamento âncora quando a demanda é multidisciplinar), mais adequado às suas necessidades, e tendo definido os responsáveis pelo laboratório na empresa e na universidade, a etapa seguinte é definir a quantidade e escopo de projetos colaborativos.

  • Identificação de Oportunidades

O processo de definição do portfólio de projetos geralmente envolve o escaneamento, do lado da empresa, dos temas de interesse em maior detalhamento e, do lado da universidade, das capacidades disponíveis em termos de conhecimento acumulado e pesquisadores capacitados. É possível ainda buscar o conhecimento complementar necessário em outras universidades, que passam a integrar o laboratório. É comum também que a própria universidade, com base em seus conhecimentos, proponha temas de projeto além daqueles trazidos pela empresa, desde que alinhados ao tema central do Joint Lab. Esse match pode ser trabalhoso, dado que a empresa possui um ritmo de trabalho mais acelerado, enquanto a universidade costuma desenvolver projetos por meio de mestrados e doutorados que demandam ainda créditos de disciplinas, desenvolvimento de artigos, teses, dissertações, etc. Nesse sentido, um ponto de atenção é a dinâmica entre curto e longo prazo, além daquela entre pesquisa e desenvolvimento.

  • Curto vs Longo prazo; Pesquisa vs Desenvolvimento

A universidade em geral se ocupa mais de pesquisa a longo prazo, sendo o desenvolvimento/aplicação a curto prazo uma especialidade das empresas, de maneira a capturar valor a partir disso. Portanto, é comum que as empresas tenham demandas e expectativas de curto prazo, especialmente quando o Joint Lab não está ainda ligado à estratégia de longo prazo da empresa e/ou quando o gestor intermediário possui a necessidade de apresentar frequentemente resultados a curto prazo. Quando muito focado em curto prazo, a cooperação pode perder sua característica de Joint Lab, se assemelhando mais a uma prestação de serviço. Com isso, os pesquisadores podem deixar de priorizar as atividades do laboratório ou ainda sequer serem capazes de dedicar tempo suficiente para o mesmo, quando consideradas as atividades de ensino e pesquisa que também desempenham na universidade.

Por outro lado, quando os projetos têm foco excessivo no longo prazo, podem se passar anos até que algum resultado significativo seja alcançado, e esse resultado pode estar tão distante ainda da maturidade que permita enxergar possibilidades de aplicação da pesquisa, que o interesse da empresa seja perdido, até mesmo por mudanças internas de priorização, estratégia e de pessoal. Consequentemente, o equilíbrio é essencial para manter a saúde do laboratório e o interesse de ambos os lados. Esse equilíbrio pode ser atingido de diferentes maneiras, seja na combinação de projetos de longo e curto prazo, ou até mesmo de entregas intermediárias de curto prazo e entregas a longo prazo dentro do mesmo projeto. Pressões e demandas de ambos os lados podem surgir e desequilibrar essa dinâmica, portanto, é preciso estar atento para realizar a regulação necessária para manter a saúde do laboratório.

  • Seleção e priorização de projetos

A decisão final de seleção e priorização dos projetos geralmente fica a cargo da empresa, dado que a mesma é a detentora dos recursos que serão aplicados nesses projetos. A universidade pode participar em maior ou menor grau nessa decisão, dependendo da empresa. Porém, é possível que pesquisadores do laboratório busquem outras fontes de financiamento quando acreditam que um projeto possui grande potencial. As decisões seguintes, acerca de pessoal e recursos alocados a cada projeto também são relevantes, dado que a falta de recursos pode desacelerar muito os projetos e reduzir seus resultados potenciais. Alguns Joint Labs mantém relacionamento com diferentes empresas no setor de interesse, ou ainda mantém proximidade com fontes de financiamento para o tema de interesse de maneira a obter mais opções de financiamento para o Joint Lab, permitindo investir em projetos que não foram priorizados pela empresa. É importante também gerenciar bem as expectativas, especialmente do lado da universidade, dado que alguns projetos podem não ser levados à frente, causando frustração principalmente aos pesquisadores envolvidos. Em alguns casos, a empresa também aloca seus pesquisadores internos nos projetos com o objetivo de manter um relacionamento mais próximo do Joint Lab, uma prática apontada como importante tanto pela empresa quanto pela universidade, e que pode beneficiar a absorção do conhecimento disperso que ocorre em projetos colaborativos.

[Para aprofundar o entendimento sobre a Gestão do Conhecimento Disperso, confira nossos textos Conheça os impactos da perda de conhecimento em projetos em redes colaborativas e Tudo o que você precisa saber sobre Gestão do Conhecimento Disperso em Ecossistemas de Inovação]

  • Portfólio em constante evolução

É importante também ter em mente que não é necessário, e sequer pode ser benéfico, definir todo o portfólio de projetos, bem como todo o escopo e entregáveis dos projetos no primeiro momento. É possível iniciar a pesquisa colaborativa do Joint Lab com alguns projetos mais relevantes, exploratórios, mais fáceis de iniciar e/ou executar, que demandem menor investimento e recursos, ou que sejam executados em fases com avaliação e renovação (ou não) de acordo com o resultado de cada fase, entre outras estratégias. Dessa maneira, é possível aprender a partir da execução desses projetos, fortalecer os relacionamentos de colaboração, definir processos de gestão e pavimentar os caminhos dentro da empresa e da universidade para os projetos do Joint Lab. Com isso, é possível conquistar a atenção da alta gestão e/ou interesse de pesquisadores de alto desempenho e, consequentemente, adicionar mais projetos ou renovar o portfólio para obter melhores resultados da pesquisa e desenvolvimento colaborativos. Além disso, em projetos de pesquisa é comum que se inicie com um objetivo de pesquisa associado a uma ou mais hipóteses, por exemplo, de desenvolvimento ou aplicação que tecnologias, que não venham a ser confirmadas, demandando alterações no curso da pesquisa para entregar resultados relevantes e pertinentes e não desperdiçar recursos em “becos sem saída”. Porém, é preciso ter em mente que mudanças frequentes podem ter impacto negativo no projeto, já que projetos de pesquisa demandam algum tempo e estabilidade para gerar resultados frutíferos. Nesse sentido, é importante ainda definir os critérios de avaliação dos projetos e até mesmo de cancelamento, para não causar frustração em algum dos lados. Trabalhar a governança da falha pode ser uma maneira de evitar resultados negativos ao lidar com falhas e incertezas nos projetos de inovação.

[Para aprofundar o entendimento sobre a Governança da Falha, confira nossos textos Porque a governança da falha importa nos processos de inovação?, Práticas favoráveis para melhorar a governança da falha em processos de inovação e Os impactos do encerramento de projetos de inovação nos times]

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Em resumo, um Joint Lab tem maior chance de sucesso quando consegue equilibrar as tensões de curto x longo prazo e pesquisa x aplicação, tanto no nível de projeto, quanto no de portfólio. A regulação constante e a flexibilidade de ambos os lados é essencial para a manutenção da saúde do Joint Lab e do interesse e engajamento de ambos os lados. Ademais, quanto mais o portfólio do Joint Lab estiver alinhado à estratégia da empresa, maior o potencial de interesse por parte da empresa e de alocação de recursos. Da mesma forma, quanto mais o portfólio estiver alinhado aos interesses de pesquisa dos pesquisadores integrantes, mesmo que signifique um redirecionamento por parte destes pesquisadores, maior será a dedicação aos projetos do Joint Lab. A flexibilidade do portfólio e escopo dos projetos é importante, porém alterações devem ser avaliadas cuidadosamente para não prejudicar nenhum dos lados. Conforme abordado no texto, existem algumas tensões inerentes nos portfólio dos Joint Labs, que devem ser regulados e gerenciados a partir de uma boa comunicação entre ambas as partes. Ou seja, se faz necessário construir uma ponte entre as instituições, um papel que é executado pelos que chamamos de Bridgemakers, que são profissionais centrais da universidade e da empresa para o funcionamento do Joint Lab.

Para compreender mais sobreo papel do Bridgemaker, confira nosso próximo texto: Bridgemaker: Fazendo a ponte entre Universidade e Empresa no Joint Lab.

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Lorenna F Leal
Bridge Ecosystem

Eng. de Produção pela UERJ, mestre pela USP. Linkedin: lorennafleal