Os seis maiores momentos do Tottenham na Champions League: Inter, 2010

A mais gloriosa das derrotas

Pedro Reinert
Galo de Kalsa
5 min readNov 26, 2019

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A mesma campanha de Champions League que foi arranhada por um 7–2 em casa não só está a uma vitória (e uma secada no Olympiacos) da classificação antecipada, como é melhor que a de Real Madrid, Atletico de Madrid, Borussia Dortmund, Chelsea e Lyon. E tudo isso antes das 24 horas mais desesperadoras deste século no norte de Londres (2011 foi uma faísca perto da demissão de Pochettino). Desespero que, por acaso, só animaram os espíritos da equipe para os próximos episódios da competição.

Leia os outros episódios da série:

- Milan, 2011

- Barcelona, 2018

- Real Madrid, 2017

- Manchester City, 2019

Nas palavras de Mourinho, “[…] mê deem tempo para desenvolver minhas ideias e não teremos problema contra nenhum time na Europa. Eu já venci a Champions League duas vezes e adoraria vencer a terceira.” Prepare os pulmões para o ano que vem.

Existe o momento da vida para descobrir o sexo, as drogas, o álcool e o medo que isso tudo desperta, e a virada da década foi a puberdade do Tottenham moderno. Coçando as espinhas do rosto, o time sentia pela primeira vez as texturas e cheiros e gostos da elite europeia. Problema é que logo numa das primeiras festas longe de casa, o anfitrião era justamente a melhor e mais temida Internazionale do século.

Daqueles times que você escala de cabeça: Júlio César; Maicon, Lúcio, Samuel, Chivu; Zanetti, Cambiasso, Sneijder; Pandev, Eto’o e Milito. Os nerazzurri haviam acabado de vencer a Champions League sob o comando de José Mourinho (!), que deu lugar a Rafa Benítez logo em seguida e mudou pouca coisa da equipe que dominou a Itália no fim da última década. Dentro do Giuseppe Meazza eram intocáveis.

O Tottenham, coitado, que não podia ficar encostado no canto da parede bebericando um copo de Coca-Cola com um dedo de Balalaika, viajou para Milão com Bassong e Gallas titulares no miolo da zaga. É claro que seria uma carnificina. Zanetti abriu o placar aos dois minutos, Eto’o marcou de pênalti aos onze (Gomes, o goleiro, foi expulso; Carlo Cudicini estava na meta, entrando simplesmente no lugar de Luka Modric), Stankovic ampliou aos catorze e Eto’o fez seu segundo, e o quarto da Inter, aos trinta. A sensação de impotência era grande a ponto de mascarar aquela profunda vergonha.

Qualidade em contraste: a gigante Internazionale terminou a partida com dezesseis finalizações certas, enquanto o Tottenham ficou só com as três de Bale

Muitas vezes, na adolescência, procuramos formas diferentes (e por vezes estranhas) de nos adaptar a situações de incômodo e desconforto. Todo mundo tem uma pequena e gostosa história que é contada em paralelo à das outras pessoas no mesmo lugar. Então, sempre pensei que o Tottenham só se permitiu ser tão inventivo e audacioso porque desceu do avião com seu revés premeditado. Entender sua completa incapacidade de mudar o cenário aliviou a pressão. Era claro que a Inter venceria, mas a graça viria em explorar e experimentar novas formas de acreditar que era possível fazer o oposto.

Havia um galês que acabara de se desprender da limitante função defensiva na lateral esquerda para se aventurar mais adiante na mesma beirada. Mas ainda vestindo número de beque nas costas, almejava camisa de atacante, e aproveitou a brecha para mostrar sua velocidade demoníaca, sua canhota explosiva e suas orelhas em leque ao mundo.

Mesmo que do outro lado estivesse postada uma das defesas mais sólidas da história recente do futebol europeu, Gareth Bale operou como se estivesse numa pelada de society. Todo lance abria precedentes para uma nova forma de agredir a meta oposta. Com dez minutos na segunda etapa, a linha de quatro nerazzurri já parecia desnorteada. No décimo primeiro, correu por entre Maicon e Zanetti como se fosse um corpo líquido, invadiu o canto alto da área e chutou cruzado antecipando o bloqueio de Samuel. Até hoje é divertido ver o reflexo de Júlio César, cuja nulidade ilustrou com precisão como o petardo rasteiro foi fatal.

A epopeia com um jogador a menos se desenrolou com pouco drama (e sem vitória) muito por conta da supracitada dupla de zaga lilywhite — e do resto do time que, convenhamos, não era grande coisa. A Internazionale entrou na brincadeira e também lapidou suas chegadas, mas depois com Biabiany e Santon comandando boa parte das ações no último terço do campo, o placar ficou inalterado até os últimos suspiros.

Com os donos da casa operando no piloto automático, foi possível brincar com fogo

Não é à toa que o Uber, cujo fundador eu gosto de imaginar que é torcedor da Inter, foi lançado poucos meses depois daquela fase de grupos. Foi Maicon quem ficou marcado por ser o Willy Coiote do Papa-Léguas galês no jogo de volta, em Londres, mas Samuel, Lúcio e principalmente Zanetti foram igualmente engolidos pelo ritmo elétrico de Bale em Milão.

No apagar das luzes, Gareth adiantou-se rumo à eternidade. Em mais uma arrancada olímpica, deixou Il Trattore derrubado no chão e atravessou o goleiro com sua segunda finalização indefensável da noite. A terceira veio no minuto seguinte, assistida por Aaron Lennon na entrada da área, novamente deixando o lendário defensor argentino a ver navios, e riscando no gramado a mais gloriosa derrota da época.

Os arquitetos do San Siro, do além, sussurravam o arrependimento de não terem construído aquelas traves um pouco mais para trás.

Ficha técnica:

Inter 4–3 Tottenham

Local: Estádio Giuseppe Meazza, Milão

Público: 70,520

Data: Quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Árbitro: Damir Skomina (SLO)

Gols: Javier Zanetti (2'), Samuel Eto’o (11', 35'), Dejan Stankovic (14'); Gareth Bale (55', 90', 90'+1)

Cartões amarelos: Christian Chivu (Inter); Wilson Palacios (Tottenham)

Cartões vermelhos: Heurelho Gomes (Tottenham)

Inter

4–4–2: Júlio César; Maicon, Lúcio, Samuel, Chivu (Pandev, 61'); Zanetti, Stankovic (Santon, 50'), Sneijder, Coutinho; Eto’o, Biabiany (Córdoba, 75').

Técnico: Rafael Benítez

Tottenham

4–3–3: Gomes; Hutton, Bassong, Gallas, Assou-Ekotto; Huddlestone (Palacios, 80'), Jenas, Modric (Cudicini, 8'), Bale, Lennon; Crouch (Keane, 67').

Técnico: Harry Redknapp

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