Pense Pequeno: Entendendo o leitmotif do seu jogo

ou Keep It Simple, Stupid

Thais Weiller
Game Start

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Um jogo é um objeto que cria uma experiência. Cada jogador vai ter sua própria experiência resultante dele, é claro, cada uma delas vai ser única. Mas todas essas manifestações do jogo são criadas pelo sistema de regras e acontecimentos do jogo. Tudo que o jogador passa no jogo foi de alguma forma colocado no jogo pelos desenvolvedores, seja de forma intencional ou não. Um item, por exemplo, serve para função X, foi colocado pelos desenvolvedores por motivo X e resultará no efeito Y para o jogador.

Y é decorrente do X que você planejou, mas ainda é Y e não X.

Nem sempre a interpretação é tão direta quanto esperamos e muitos elementos podem não funcionar como o esperado. Daí, para garantir, pensamos em adicionar os itens B, E e S para aumentar a experiência Y. E já que estamos nessa, implementar os sistemas T e A que você viu naquele jogo legal e O só por que foi uma idéia bem legal que alguém deu e todo mundo gostou. Também tem a área S que já estava pronta mesmo então seria um desperdício não colocar (só que você não esperava que ela ia precisar de mais dois meses para funcionar com os novos sistemas). Daí um projeto de 4 meses e 3 pessoas vira uma quimera de 3 anos e 12 pessoas que nunca é terminada e todos se odeiam quando enfim tudo acaba.

Por isso, a melhor forma começar a fazer um jogo é, antes de qualquer coisa, saber qual é que é desse jogo. Seu leitmotif, sua mensagem. O porquê ele existe. E se você está em um equipe, quanto antes todo mundo concordar com essa mensagem, mais rápido vocês vão começar a realmente trabalhar nesse projeto.

Eu gosto de pensar que todo jogo pode ser resumido em uma palavra, mas você não precisa ser tão reducionista. Uma frase é mais que o suficiente para entender qual o motivo guia do seu jogo.

Super Mário tematicamente é sobre um encanador se divertindo em uma terra mágica. Todo o clima do jogo é leve e divertido, o sequestro de Peach é só um plot device como qualquer outro e em nenhum momento impacta de forma séria ou negativa no jogo. Mas um jogo não é apenas temático, é também jogável. Mecanicamente, Super Mário é um jogo sobre pulos. Pare para pensar: tudo que você consegue fazer em Super Mário é, de alguma forma, relacionado a pulos e sua precisão em executá-los. E isso fica claro logo na primeira fase. Dessa forma, toda a estrutura de levels de Super Mário foi pensada para explorar ao máximo a mecânica do pulo, enquanto que toda a sua arte (visual e sonora) ressalta a leveza e diversão desse mundo. Um belo sanduíche de leitmotif.

Alien Isolation tematicamente é sobre sobrevivência em um ambiente hostil e futurista, e essa filosofia está tanto na tematica como no gameplay. Tudo no gameplay no jogo reverte para essa tensão, para a falta de segurança e poder dentro desse mundo que te quer morto. O jogo nem permite ao jogador usar o craft dentro de esconderijos: o jogador deve se sentir vulnerável enquanto faz algo de útil e quando se esconde é obrigado a ficar sempre prestando atenção no exterior. Um sanduíche de ansiedade, mas um sanduíche intencionalmente servido assim.

Em Odallus queríamos fazer um jogo de exploração plataforma clássico, mas que também fosse simples o suficiente para não precisar de mapa para os levels. Essa simplicidade nos levou ao sistema de fases. A "classicidade" do gameplay nos levou a um tipo de história também clássica, sobre busca por poder e vingança, mas também nos levou a estrutura comum em lendas que se baseia na circularidade da história. Todos os personagens do jogo são egoístas e só se importam com seu próprio benefício, o gameplay permite que o jogador acumule poder, upgrade por upgrade. O fim de Odallus é muito próximo do começo de Odallus, trazendo a circularidade de volta.

Em Rainy Day, o leitmotif era só um: passar ao jogador a sensação de viver com ansiedade e depressão. Isso guiou todas as escolhas, de tema a gameplay e arte. Eu explico isso mais a fundo aqui.

Se você definir exatamente qual o objetivo do jogo antes de qualquer outra coisa, o porquê ele existe e qual as sensações que você quer passar, você terá a semente para o seu projeto. Não desmereça essa tarefa ou ache que está levando tempo demais: é melhor gastar tempo definindo os limites no começo, quando ainda se pode tudo, no que no meio, quando redefinir coisas significa jogar fora muito trabalho que já foi feito. Ter as bases definidas no começo não só é uma mão na roda para evitar que o projeto fique grande demais e perca o escopo, mas também resulta em um jogo com uma mensagem bem mais clara para o jogador.

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