Pense pequeno: seu universo em uma noz

Ou como criar atmosfera e mundo sem ficar louco no processo

Thais Weiller
Game Start

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Já passamos por bastante coisa na nossa busca por simplicidade no game design, já decidimos o leitmotif do jogo e já entendemos a mecânica principal e core loop dele. Está na hora de expandir o projeto e entender o que realmente esse jogo será sobre e como isso vai acontecer.

Comece pensando pelo tempo que você tem. É sério, comece pensando quantas horas por dias você vai poder dedicar a esse jogo. E quantas horas as demais pessoas da equipe vão poder. Sejam honestões, nada de ~se eu dormir 4 horas por noite~, isso é inviável a longo prazo.

O tempo que vocês vão ter vai depender muito das obrigações que você tem na vida. Você estuda? É algo que vai consumir entre 30 e 60h da sua semana. Trabalha? entre 20h e 44h. Tem filhos, família? No mínimo, 10h por semana com eles. Animais? São menos exigentes que filhos mas ainda sim vai quase 10h por semana.

Eu não estou pedindo para você considerar isso porque acredito que essas atividades e criaturas são obstáculos no caminho de você fazer um jogo. Muito pelo contrário, eles são parte de quem você é e se são importantes para você e te fazem felizes (ou se pagam suas contas, no caso do emprego) você deve dedicar tempo a eles. Entretanto, é importante que você mantenha essa matemática em mente quando está estimando quanto tempo vai ter para fazer o jogo.

Mesmo que você esteja em tempo integral dedicado ao jogo, existe um prazo limite para fazê-lo. Seja o tempo que você vai conseguir manter sua atenção nesse projeto, seja o tempo que a grana vai durar (e se você acha que é um ano, considere que seja seis meses. Imprevistos acontecem, conte com eles com certeza).

Colocando o tempo semanal de desenvolvimento esperado e/ou a deadline em mente, você irá sentir uma leve (esmagadora) pressão. Não se desespere, esse é o momento idéia de pensar no universo e escopo do seu jogo!

Agora que você está sentindo o peso do tempo, se cerque de referências que você acredita que irão complementar o seu leitmotif e sua mecânica principal. Evite usar só jogos, pense em filmes, quadros, livros, lugares, sensações, pessoas… Tente absorver o máximo possível, vivenciar cada momento em cada referência, mas só registrar o que realmente te marcar.

Eu pessoalmente gosto de ir anotando coisas que eu acho interessante em uma folha qualquer. Depois, eu passo elas a limpo tentando juntar elas em categorias. Decadência vai ser um tema na arte, mas não da história. A história vai ser um arco clássico falando sobre vingança. Acho que vou colocar um personagem em vários momentos da vida dele para mostrar isso. Esse tipo de categorização, nada muito sério nem muito específico. Mas a forma de registro é outra coisa bem pessoal, veja como funciona melhor pra ti.

Um mundo coeso e rico nasce de apenas umas poucas diretrizes. Ele vai ficar mais complexo e cheio de detalhes conforme o jogo vai se desenvolvendo, mas a princípio você realmente só quer definir algumas diretrizes principais. Caso contrário, você irá engessar muito o conceito.

Imagine o processo de construção do universo como se fosse uma árvore, para usar a metáfora que a game design foda Maíra Testa me emprestou. O que você vai fazer no começo do projeto é definir o formato do tronco, de onde vai sair os principais galhos e onde ficam as raízes. Você precisa entender as regras fundamentais do seu universo, mas não cada detalhe dele. Você precisa deixar espaço para o crescimento dos galhos, se não vai sufocar a sua árvore antes mesmo dela crescer.

Esse é seu jogo pronto, não tem pressa para chegar lá, não queime etapas (e não comece um desastre ambiental).

Olha só, abriu um espaço para te lembrar mais uma vez de não deixar as coisas muito específicas agora no começo. Especificar muito não só te faz gastar muito tempo em coisas sem muito retorno para o começo do desenvolvimento (é melhor ter uma build funcionando toda torta do que 30 páginas de lore sem nada jogável), como também pode se tornar um obstáculo para o crescimento orgânico de temas e mecânicas conforme o jogo vai sendo desenvolvido.

Crescimento orgânico de um jogo é quando, conforme você vai fazendo as coisas que estão planejadas, uma idéia muito loka aparece e ela é melhor do que os planos. Isso sempre acontece, mas se você definir tudo no começo é mais difícil de achar um espacinho para idéia orgânica quando ela aparece. O crescimento orgânico é uma das coisas mais legais de se fazer jogos e algumas das partes mais interessantes de jogos que amamos surgiu dele. Dá uma chance para ele crescer, deixa uns espaços a serem definidos com o tempo.

Durante o desenvolvimento, você vai ter que fazer várias coisas que não estão previstas e mudar outras que pareciam certas para ter um melhor design. Com o mundo muito detalhado logo no começo, essas mudanças ficam mais difíceis. Você pode até acabar aceitando um design menos interessante só para não ter que mudar muita coisa no lore. Isso é inaceitável. A linguagem do jogo é a experiência que o jogador terá nele, nada deve ficar no caminho da melhor experiência possível, nem os seus devaneios com o mundo do jogo.

Fora essas sugestões, eu não tenho nenhum método ou processo especial para criar o universo do seu jogo. O mundo, os personagens, as cores, as inspirações, as formas, as sensações… Nenhuma forma de se fazer coisas é melhor que a outra. E se alguém disser que é, já grita na cara dele que ele tá falando bosta.

Aliás, essa dica de sentir o peso do tempo, colocar-se em tensão e partir para tentar relaxar com as referências e partir para a delimitação das diretrizes do seu universo é, na verdade, mais uma dica do que qualquer outra coisa. Costuma funcionar comigo, definir o macro e depois pensar no micro, sem se preocupar mais com nada.

Mas se não funcionar com você, faz outra coisa, ué. Esse é o momento mais pessoal e único da criação do jogo. É quando a mágica acontece. Manda bala, anjo.

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