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5 min readFeb 25, 2019

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Diário de Leitura #2: O Mito da Beleza, Naomi Wolf — O trabalho

O Mito da Beleza: como as imagens de beleza são usadas contras as mulheres foi o primeiro livro de Naomi Wolf, publicado em 1991 e relançado no Brasil em 2018. Wolf é uma escritora reconhecida por trabalhos sobre feminismo e democracia. A equipe do Más Feministas Podcast está realizando uma leitura compartilhada de O Mito da Beleza. Nesta segunda parte, comentaremos o capítulo O trabalho.

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O depoimento de uma jovem britânica sobre sua demissão de uma empresa, em 2016, por questionar a obrigação de usar salto alto em seu trabalho reacendeu o debate sobre sexismo em ambientes corporativos. Afinal de contas, por que exigir que mulheres sigam determinados padrões estéticos? E mais: por que homens não são suscetíveis às mesmas regras?

Relatos como estes são facilmente encontrados. Ainda que se saiba que qualquer exigência discriminatória por parte do empregador é crime de acordo com a Constituição Federal, questões como gordofobia, por exemplo, seguem sendo comuns e a ameaça de perder o emprego quando se foge do padrão estético exigido pauta o cotidiano de um grande número de pessoas.

Em cidades como Nova Iorque, críticas por penteados ou texturas de cabelo podem ser consideradas discriminação racial. A pergunta é: na prática, isso funciona?

O capítulo O trabalho do livro de Wolf explica como o mercado de trabalho se apropria do mito da beleza para legitimar a discriminação na vida profissional de mulheres. De acordo com Wolf, mulheres são entendidas como mão de obra “dócil e instruída” e de pouca ambição, supostamente apresentando maior respeito por superiores do sexo masculino. Por essas e outras qualidades ditas convenientes aos empregadores, elas frequentemente são direcionadas aos cargos das áreas de informação e atendimento a clientes. Mulheres em cargos de gerência são aceitáveis desde que se identifiquem com “o mundo masculino”.

No decorrer do capítulo, Wolf apresenta um novo conceito, a QBP, ou qualificação da beleza profissional: quando a beleza da mulher é tanto o motivo da sua contratação quanto da sua demissão — afinal, para alguns, uma mulher está sempre provocando ou querendo chamar atenção.

A QBP pode ser notada em profissões onde mulheres são “remuneradas explicitamente por sua beleza”, como no caso de modelos, atrizes ou mesmo comissárias de bordo. As duas primeiras são, ainda, maioria em toda mídia que se consome, de séries a novelas e filmes. Por outro lado, apesar das sutis mudanças nos programas de contratação de companhias aéreas, ainda há um padrão exigido para comissárias, um ideal muito mais relacionado à apresentação e atração do que com a função de socorrista.

Casos de assédio, moral e sexual, estão diretamente ligados às demissões. Uma mulher assediada em seu ambiente de trabalho, seja por um colega ou um superior, é vítima duas vezes: da violência e da culpabilização. Seu jeito de se vestir, sua aparência ou até mesmo sua ambição são usadas para desviar a culpa do agressor. Não é à toa que tantas mulheres tem medo de denunciar ou levar adiante uma queixa de assédio: todas elas sabem que podem acabar desempregadas.

A mídia, e especialmente revistas femininas, reforça a busca pela beleza, difundindo que o ideal de beleza pode ser alcançado, que “basta se esforçar”, porque “mulheres podem tudo”. Desse modo, a profissional cria uma terceira jornada de trabalho: cuidar da beleza nunca é o suficiente, levando cada mulher a se sentir desvalorizada, a se desvalorizar e aceitar a desvalorização (com a lembrança da demissão batendo à porta). O círculo vicioso criado pelo mercado que deseja mão de obra feminina barata alimenta a baixa autoestima da mulher, que nunca saberá seu valor profissional.

É possível dizer ainda que o mito da beleza tem grande potencial de afastar mulheres no ambiente de trabalho. Considerar que só há espaço para que uma seja a bonita ou “a melhor” em sua função faz com que haja competitividade e, assim, a garantia de que elas nunca se unirão para exigir seus direitos.

Wolf também questiona o peso da idade na balança do sucesso profissional. A “meia idade” nunca é considerada o ápice da carreira de uma mulher, diferente do caso masculino. A QBP ataca novamente: a função da mulher jovem é decorativa e sua beleza é sua função. É interessante observar o quanto ainda temos esse tipo de representação em telejornais, por exemplo.

Num dado momento, Wolf sugere que a identidade feminina não seria tão respeitada quanto a identidade racial. Nesse sentido, é importante levantar alguns questionamentos. Existe uma identidade feminina? A luta deve ser feminina ou feminista? E onde estão as mulheres negras n’O Mito da Beleza? O que se fala sobre elas?

Por fim, gostaríamos de fazer um acréscimo: a exigência da “boa aparência” sintetiza uma série de características desejáveis muito além da função decorativa. No contexto brasileiro, por exemplo, é bastante difundida a ideia de que beleza seria sinônimo de cuidado, de eficiência — é por isso que pessoas gordas são afastadas do mercado de trabalho e consideradas “desleixadas” ou “preguiçosas”; também é por isso que propagandas de maquiagem atrelam aparência a “demonstrar confiança”.

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