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5 min readApr 1, 2019

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Diário de Leitura #4: O Mito da Beleza, Naomi Wolf — A religião

O Mito da Beleza: como as imagens de beleza são usadas contras as mulheres foi o primeiro livro de Naomi Wolf, publicado em 1991 e relançado no Brasil em 2018. Wolf é uma escritora reconhecida por trabalhos sobre feminismo e democracia. A equipe do Más Feministas Podcast está realizando uma leitura compartilhada de O Mito da Beleza. Nesta quarta parte, comentaremos o capítulo A religião.

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[…] os Ritos da Beleza recentemente assumiram a tarefa que a tradicional autoridade religiosa já não conseguia cumprir com convicção. Ao instilar nas mulheres uma força policial interior, a nova religião muitas vezes se sai melhor no controle delas do que as religiões mais antigas. (p.135)

A religião desenvolve um papel importante para inúmeras pessoas, seja como forma de aliviar a culpa terrena, seja buscando a paz eterna. Ao contrário de Wolf, que acredita que a religião já tenha ficado para trás, o contexto brasileiro atual indica que a influência da religião não só segue importante, como tem ganhado forças na esfera política.

Naomi Wolf nos mostra o mito da beleza como uma premissa religiosa. As revistas o apresentam como um evangelho. As mulheres, ao lê-las, participam da recriação de um sistema de crenças tão poderoso quanto o das igrejas. Atualmente esse evangelho também pode ser encontrado nos stories da sua blogueira preferida, recomendando produtos milagrosos para a pele com o alerta de que “já está na hora de se cuidar”.

Os homens, é claro, defendem (e reforçam) essas crenças, como se essa religião tivesse desenvolvido um sistema de castas baseado na beleza e originado em alguma verdade eterna. Mesmo quando as verdades são consideradas relativas, este sistema é quase um artigo de fé: acredita-se nele sem questioná-lo.

Wolf divide este quarto capítulo em pilares dentro do que chama de A estrutura da nova religião.

A criação, para ela, equivale ao Gênesis e à explicação de porque, na maioria das vezes, são as mulheres que precisam oferecer seu corpo a “qualquer olhar masculino que lhes dê legitimidade”. Se os homens foram criados à imagem e semelhança de Deus, sentir que há algo errado com seu corpo é o artigo de fé dado às mulheres. O pecado original parece ter sido nascer mulher.

Os Ritos da Beleza reformularam o pecado original para lembrar que nunca é tarde demais para se preocupar com o envelhecimento, nem tarde demais para abandonar os Ritos — e se nunca é cedo demais ou tarde demais, não existe um momento da vida das mulheres onde é possível viver sem culpa.

Como a alimentação tomou o lugar do sexo nos mostra que o controle do apetite está relacionado ao controle do prazer. Já que a revolução sexual criou uma geração de mulheres sexualmente disponíveis, a culpa feminina precisava ser realocada.

Seguindo o raciocínio de Wolf, os produtos de beleza são os intermediários, os guias espirituais. As mulheres cumprem “uma agenda de excessos e penitência” e o ciclo de purificação entra em ação neste momento. A vigilância constante de um “Todo-Poderoso”, o Grande Irmão que deve ser temido e de quem nada pode se ocultar, transforma as mulheres em examinadoras, fazendo com que se observem enquanto estão sendo vigiadas.

“Os homens morrem uma vez e as mulheres, duas”. Memento Mori discute a relação entre a morte da beleza e a morte do corpo. Qualquer possibilidade de não ser mais bonita ou desejada é vista como uma força do mal que, acabando com sua aparência, acaba com a própria vida da mulher.

O pecado de Eva deu às mulheres a responsabilidade da perda da graça, termo usado para descrever rosto e corpo das mulheres lindas. Nesse aspecto, os “santos óleos” prometem levá-las para a luz, tornando-as radiantes, divinas. E é necessário que a luz se mantenha acesa (ou seja, que as mulheres sigam consumindo) para serem validadas, para que os homens possam vê-las.

“Siga as instruções religiosamente”, é a mensagem de anúncios de cosméticos para a pele. Vendedoras de lojas de produtos de beleza são dispostas como fileiras de anjos com rostos perfeitos, para que as mulheres mortais fiquem mais suscetíveis às sugestões. A seita do medo de envelhecer, de acordo com Wolf, faz com que a mulher/consumidora veja um rosto defeituoso naqueles espelhos.

“As rugas são sinais de que a mulher não se importa”. O vocabulário usado aciona medo, mostra que mulheres estão desprotegidas e submetidas à diferentes níveis de violência.

Técnicas que tornam a devota dependente deste raciocínio também estruturam a seita do medo da gordura. A estrutura autoritária faz com que as mulheres renunciem ao mundo (incluindo o prazer com os alimentos) e que não consigam se afastar das dietas. Desconfiadas, rejeitam elogios de forma incansável, acreditando que apenas elas teriam recebido o dom da verdade para identificar supostos falsos cumprimentos.

A vigilância, aqui coletiva, também tem um papel forte neste aspecto, seja do marido, com vergonha de sua mulher, da mãe presenteando a filha para cada quilo perdido ou do líder dos vigilantes do peso. Aqui vemos não só a necessidade de aprovação, mas antes disso, o medo da rejeição.

Naomi Wolf conclui este capítulo nos lembrando que dentro desse sistema a existência da mulher tem um significado contaminado. “Aquela que mais magra, com o menor número de rugas, é a vencedora”. Os Ritos da Beleza nos paralisam, nos fazem cultivar tanto o medo de nós mesmas que de nada valeria conquistarmos o mundo.

A questão é que o mundo já é nosso e, ao enfrentarmos essas amarras e encontrarmos nossos caminhos, podemos dar as mãos para outras mulheres e colocar em prática nosso direito de ocupá-lo.

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