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4 min readMar 18, 2019

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Diário de Leitura #3: O Mito da Beleza, Naomi Wolf — A cultura

O Mito da Beleza: como as imagens de beleza são usadas contras as mulheres foi o primeiro livro de Naomi Wolf, publicado em 1991 e relançado no Brasil em 2018. Wolf é uma escritora reconhecida por trabalhos sobre feminismo e democracia. A equipe do Más Feministas Podcast está realizando uma leitura compartilhada de O Mito da Beleza. Nesta terceira parte, comentaremos o capítulo A cultura.

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“Como prevenir o envelhecimento dos lábios”

“9 dicas para você parar de se lascar no amor”

“O que você pode fazer no banho para emagrecer”

“Supere a ex dele na cama”

As frases acima foram extraídas de capas de revistas e de sites voltados para o público feminino. Isoladamente, essas “dicas” podem nos fazer rir ou revirar os olhos, mas em conjunto servem perfeitamente aos esforços para transformar essas publicações em mentoras de mulheres, oferecendo conselhos, esperança e um sentimento de comunidade. No capítulo dedicado ao impacto do mito da beleza na cultura, Naomi Wolf demonstra que essas publicações preenchem um vazio deixado pela predominância do ponto de vista masculino na mídia. Numa sociedade que não valoriza a participação de mulheres nos espaços públicos, resta buscar modelos ideais de mulheres nas capas de revistas e nas heroínas da ficção.

Não é novidade que essas publicações propagam ideias de forte apelo: “todas podem ser bonitas (com esforço)”, “tenha o corpo dos seus sonhos seguindo essas dicas”, “testamos o produto que promete prevenir envelhecimento”. Se repararmos com atenção, ser linda exige a obediência a certos rituais e o consumo de certos produtos. Antes de ser “linda”, a mulher é uma consumidora. Cremes, óleos para o banho, maquiagens, cintas modeladoras, looks do dia, shakes. Pisque rápido duas vezes e talvez você perceba que os editorais de beleza são catálogos de produtos, assim como as páginas de influencers patrocinadas por inúmeras marcas. Nem mesmo as publicações com orientação feminista escapam dessa lógica: o mercado inventa produtos do mesmo modo que reinventa desejos. Como já tínhamos percebido na leitura do primeiro capítulo, o mito da beleza também serve a um projeto econômico.

Esta capa é um exemplo interessante: mensagens como “SECA TUDO”, “DERRETE A GORDURA” e “perca 5kg em 21 dias” dividem espaço com a preocupação com a saúde da leitora que possa estar cometendo excessos em nome da beleza. Contradição? Combinação?

A edição de imagens tem sido um forte aliado do mito da beleza, afinando cinturas, aumentado seios, apagando sinais de envelhecimento. Não raramente, a tentativa de produzir a imagem de uma mulher “perfeita” pode resultar em distorções constrangedoras. Seja numa capa de revista (com ou sem photoshop) ou numa propaganda de tv (com cabelos esvoaçantes ou com a famosa combinação cerveja + biquíni), a figura feminina está ali para ser apreciada, objetificada ou dissecada em busca de “defeitos”. Essa é a história das meninas bonitas. Ao mesmo tempo, como lembra Wolf, só as meninas ditas bonitas parecem ter direito a uma história.

A cultura machista frequentemente opõe a bela bem-sucedida e a feia fracassada, a inteligente feia e a ignorante bela. Nossas heroínas, líderes e princesas precisam ser lindas, magras e jovens mesmo nas histórias contadas por mulheres. Em alguns casos, a beleza da mocinha está escondida e apenas o olhar de um príncipe ou de um galã musculoso pode libertá-la desse feitiço de invisibilidade. Quando questionamos as representações femininas na literatura, cinema, tv e na cultura pop de modo geral, frequentemente somos acusadas de superficialidade. Nos dizem que há coisas “mais importantes”. Mas as prioridades de ordem política e econômica não devem excluir a preocupação com as narrativas criadas para fixar papéis sociais para mulheres: a beldade consumista, a esposa submissa, a mãe sobrecarregada, a profissional subestimada, entre outras também atravessadas por questões de raça e classe.

Ainda que extremamente focado na literatura e nas revistas, negligenciando produções audiovisuais, esse capítulo do livro de Wolf apresenta uma proposta, ainda que vaga: é preciso oferecer resistência às expectativas sociais veiculadas pelos meios de comunicação de massa. As mulheres estão sendo manipuladas? É uma lavagem cerebral? Não necessariamente. O mito da beleza orienta formas de ser mulher, de encarar as mulheres e de organizar nossa sociedade capitalista, racista e patriarcal. Ele faz parte da construção de expectativas, frustrações, identidades, relações de poder e visões de mundo. Em outras palavras, o mito da beleza não é simplesmente imposto depois que tudo está “pronto”.

Por fim, não podemos deixar de destacar a grande elasticidade do mito da beleza: ao mesmo tempo que promove a formação de laços (ainda que frágeis) entre mulheres (dia da noiva e das madrinhas, empréstimo de roupas e maquiagens, difusão de dietas da moda, insatisfação coletiva com a dificuldade para alcançar o bumbum dos sonhos), também estimula forte competição entre elas. E quando falamos de competição, não nos referimos exclusivamente a um ódio mortal entre mulheres. A comparação com a aparência de amigas, parentes, colegas de trabalho, mulheres que respeitamos e amamos, nos isola, nos distrai, nos enfraquece individualmente e coletivamente.

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