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5 min readFeb 11, 2019

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Diário de Leitura #1: O Mito da Beleza, Naomi Wolf

O Mito da Beleza: como as imagens de beleza são usadas contras as mulheres foi o primeiro livro de Naomi Wolf, publicado em 1991 e relançado no Brasil em 2018. Wolf é uma escritora reconhecida por trabalhos sobre feminismo e democracia. A equipe do Más Feministas Podcast está realizando uma leitura compartilhada de O Mito da Beleza. Nesta primeira parte, comentaremos a Apresentação, a Introdução e o capítulo O mito da beleza.

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O Mito da Beleza foi publicado pela primeira vez numa conjuntura em que as mulheres pareciam dispostas a revigorar a luta feminista, ecoando pautas plurais e a importância das interseções de raça, classe e gênero. Frequentemente identificamos esse momento como Terceira Onda Feminista. Vale lembrar que Black Feminist Thought: Knowledge, Consciousness and the Politics of Empowerment, de Patricia Hill Collins, e Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade, de Judith Butler, foram publicados um ano antes de O Mito da Beleza.

Ficamos impressionadas com a informação de que Wolf escreveu este livro tão denso com apenas vinte e seis anos de idade. Não nos surpreendemos, porém, com a reação hostil da mídia diante da jovem mulher que pretendia questionar pressões estéticas. Desse modo, também é possível dizer que Wolf produziu seu trabalho numa forte conjuntura antifeminista.

O que é o Mito da Beleza?

Segundo Wolf, a beleza é entendida como uma qualidade fundamental, estimulando competições entre mulheres e também entre os homens, que disputam as ditas mais belas. Exercendo pressão pela busca de uma aparência ideal, o mito da beleza seria uma das ficções elaboradas para controlar mulheres na sociedade patriarcal. Entre essas ficções também estariam a mística feminina, a histeria, a necessidade de ocupar mulheres com trabalhos manuais repetitivos, etc.

Nos anos 1960, Betty Friedan publicou um estudo chamado A Mística Feminina, refletindo sobre o mal-estar gerado na mulher branca americana incentivada a ocupar exclusivamente os papéis de mãe, esposa e dona de casa. O livro de Friedan é passível de crítica a partir de um recorte racial, tendo em vista que as mulheres negras não estavam confinadas em casa e ainda assim permaneciam invisíveis para parte do movimento feminista. De todo modo, estudos como o de Friedan mobilizaram mulheres na luta para ocupar novos espaços. Trinta anos depois, quando Wolf escreveu O Mito da Beleza, já havia uma geração de americanas relativamente imune aos efeitos das principais ficções sociais que atingiam as mulheres no século XIX e na primeira metade do século XX. A exceção seria a manutenção de padrões beleza praticamente inalcançáveis como forma de pressionar, limitar e dominar mulheres. No caso brasileiro, é possível apontar exemplos recentes da conjugação entre a mística feminina e o mito da beleza: em primeiro lugar, a utilização da expressão “bela, recatada e do lar” para definir Marcela Temer; em segundo lugar, a afirmação de Michel Temer de que a grande participação das mulheres na economia seria a capacidade de indicar desajustes de preços no supermercado.

Na perspectiva de Wolf, a persistência do mito da beleza mesmo após tantas conquistas feministas seria justamente uma resposta às mudanças promovidas pelo feminismo nas relações entre mulheres e homens. Atribuir valor às mulheres de acordo com a aparência serve a um projeto econômico (o mercado e a indústria esperam lucrar quando odiamos nossos corpos e tentamos mudar a aparência) e político (enfraquecer as mulheres na representação política, controlar suas relações e posições no mercado de trabalho). Ainda que estejamos constantemente produzindo discursos sobre a aparência, o mito da beleza atua especialmente sobre nossos comportamentos, comprometendo nossa autoestima e dispersando movimentos de mulheres ao mesmo tempo em que nos subjugam ao domínio masculino.

A caracterização da feminista como uma mulher feia parece ser uma das principais facetas dessa reação antifeminista: o objetivo é constranger mulheres que assumem a fala pública e confrontam o machismo. Recentemente foi divulgado um vídeo em que a ministra Damares Alves declarava: “Sabem por que elas (feministas) não gostam de homem? Porque são feias e nós somos lindas”. A reação de algumas mulheres foi rapidamente afirmar que feministas também são bonitas. Observando as entrelinhas, porém, identificamos o mito da beleza atuando sutilmente nos discursos feministas e antifeministas, classificando e dividindo mulheres como “certas” e “erradas”, “boas” e “más”. Vamos mais uma vez permitir que ideais de beleza definam nosso valor?

Questionamentos , observações e expectativas

Na introdução, Wolf revela: “o que defendo neste livro é o direito de que a mulher escolha a aparência que deseja ter e o que ela deseja ser, em vez de obedecer ao que impõem as forças do mercado e a indústria multibilionária da propaganda”. O desejo de Wolf é compreensível, mas sempre ficamos receosas diante da ênfase na escolha como objetivo final. Resta saber se a dita escolha é uma luz no fim do túnel ou apenas uma brecha sob controle no sistema capitalista. A escolha pode ser doce, mas um doce pouco açucarado.

Ainda na introdução, Wolf indica que atualmente o mito da beleza é plural, não mais restringindo-se ao padrão jovem, magro e branco. Estamos curiosas para saber se o livro consegue mostrar de que forma o mito atinge diferentes mulheres, diferentes corpos. Sabemos que a multiplicação de referências estéticas ideais não representa um questionamento do mito da beleza. O padrão de beleza para uma mulher negra, por exemplo, segue uma lógica racista, pautada por elementos associados à sensualidade (quadris largos, bunda grande) e ao colorismo (quanto mais clara a pele, quanto mais controle sobre o cabelo crespo, quanto mais traços próximos aos das mulheres brancas, mais desejável essa mulher será).

Ao fim do primeiro capítulo, Wolf afirma: “se quisermos nos livrar do peso morto em que mais uma vez transformaram nossa feminilidade, não é de eleições, grupos de pressão ou cartazes que vamos precisar primeiro, mas, sim, de uma nova forma de ver”. Uma das nossas expectativas para os próximos capítulos é uma definição mais precisa da “nova forma de ver”. Esperamos que no decorrer do livro a autora tenha sido capaz de articular uma explicação mais aprofundada dos aspectos culturais que mobilizam o mito da beleza, considerando que as primeiras quarenta páginas enfatizaram muito mais as dimensões econômica e política.

Nos últimos quinze anos, Wolf refletiu sobre a atualidade do mito da beleza. Assim como ela, percebemos que estamos mais desconfiadas dos efeitos nocivos dos padrões impostos socialmente, mas ainda continuamos vulneráveis ao excesso de informações que fixam esses padrões. Se Wolf resolvesse reescrever o livro hoje, não poderia ignorar o impacto da cada vez mais ampla categoria de influencers digitais fitness (que por vezes confundem beleza e saúde) e da adesão capitalista ao discurso sobre body positivity (movimento de autoaceitação). Reelaboramos o mito, o ódio a nossos corpos e o medo do envelhecimento a cada curtida. Sim, fazemos parte desse processo.

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