Novembro de 1960: as turbulências que moldaram o elenco campeão

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7 min readJun 12, 2021
O América sofreu, mas passou pelo Madureira | Jornal dos Sports

Emmanuel do Valle

Novembro foi um mês complicado e ao mesmo tempo decisivo para as chances do América no Carioca de 1960. O time que adentrara o mês embalado pelas boas atuações de outubro parou em empates nos dois clássicos seguidos diante de Flamengo e Vasco, enquanto o Fluminense disparava na ponta. Chegou-se a dizer que o título já tomava o rumo de Laranjeiras. Mas então chegou a vez de o tricolor também tropeçar em dois clássicos, recolocando os rubros na disputa em situação de igualdade, a três jogos do desfecho do campeonato.

Atenção, esse resgate é a quinta parte de uma série começada aqui: Em julho de 60, América iniciava campanha rumo ao título da GB

Novembro foi um mês complicado e ao mesmo tempo decisivo para as chances do América no Carioca de 1960. O time que adentrara o mês embalado pelas boas atuações de outubro parou em empates nos dois clássicos seguidos diante de Flamengo e Vasco, enquanto o Fluminense disparava na ponta. Chegou-se a dizer que o título já tomava o rumo de Laranjeiras. Mas então chegou a vez de o tricolor também tropeçar em dois clássicos, recolocando os rubros na disputa em situação de igualdade, a três jogos do desfecho do campeonato.

CLÁSSICOS TRAVADOS

O América havia iniciado muito bem o returno, levando adiante a determinação de não perder pontos para os chamados “pequenos”. Venceu a Portuguesa na estreia (2 a 0), goleou o bom time do Olaria (4 a 1), teve sua revanche da derrota no primeiro turno para o Bangu, superando os alvirrubros no Maracanã (1 a 0) e voltou a vencer sem dificuldades o São Cristóvão (2 a 0). Tudo isso enquanto, ao que parecia, o líder Fluminense começava a sofrer uma queda de rendimento, vencendo seus jogos com muita dificuldade, às vezes tropeçando.

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Os papeis, entretanto, pareciam ter se invertido assim que novembro chegou. A má fase tricolor pareceu ter acabado quando, em duas noites de sábado no Maracanã, o time voltou a deslanchar e goleou o Canto do Rio (4 a 1) e o Madureira (5 a 0), em rodadas nas quais o América teria pela frente os clássicos contra Flamengo e Vasco nas tardes de domingo. Talvez pela pressão, a equipe de Jorge Vieira cumpriu atuações bem abaixo do que vinha fazendo e parou em dois empates, com a diferença para o líder voltando a aumentar de um para três pontos.

Defesa de Pompéia no clássico com o Flamengo, empatado em 1 a 1 | Última Hora

Contra o Flamengo, o América saiu atrás aos 24 minutos do primeiro tempo num gol de Henrique em que Pompeia pulou tarde e falhou numa bola defensável. E minutos depois teve a primeira grande chance de empate quando, numa escapada, Nilo arrancou para a área do Flamengo e, já dentro dela, quando se preparava para chutar, foi travado com falta por trás por Vanderlei. Pênalti que Armando Marques apitou, mas Nilo — cobrador oficial de penalidades do América — não pôde bater, já que recebia atendimento fora de campo.

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Quarentinha se apresentou então para a cobrança, mas não foi feliz: o goleiro rubro-negro Ari espalmou para escanteio. Mas o empate acabaria vindo logo no início da etapa final: num escanteio conquistado por Antoninho, Nilo levantou na área e Calazans ganhou a disputa pelo alto, emendando em seguida um chute de bico para enfim superar o goleiro Ari na meta rubro-negra. Num jogo em que o adversário dominou o primeiro tempo e os rubros foram melhores no segundo, o empate em 1 a 1 não chegou a ser lamentado.

Atuações de América e Vasco no Clássico da Paz não agradaram | Jornal dos Sports

“Esperávamos pelo empate. Não estamos tristes. O Fluminense empatou com o Bonsucesso. Depois disso, ficamos com o direito de empatar também”, admitia Jorge Vieira após o jogo. Mas a semana que precedeu o jogo com o Vasco trouxe más notícias. Os buracos do gramado de Campos Sales, que já haviam provocado lesões de joelho em Leônidas e Fontoura, fizeram outra vítima no dia 9: o médio reserva Jaílton. Também naquela manhã o atacante Antoninho, que morava em Niterói, não conseguiu condução para ir treinar devido à greve das barcas.

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O clássico diante dos cruzmaltinos foi travado, com poucas ocasiões claras de ambas as partes e as defesas levando a melhor sobre os ataques. “América e Vasco pensaram pouco na vitória: 0x0”, foi a manchete do Jornal dos Sports. A melhor chance americana veio nos minutos derradeiros, num chutaço de Nilo quase da intermediária que o arqueiro vascaíno Ita espalmou de maneira sensacional. O Vasco ainda teve um gol de Delém bem anulado por impedimento. Num duelo considerado “chocho” pela imprensa, restou aos americanos a frustração.

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“O América se distancia ainda mais do Fluminense, e este vai, mais e mais, assegurando o título de cuja conquista já ninguém mais tem, agora, o direito de duvidar”, dizia uma crônica da partida escrita por um certo Brutus para o Jornal dos Sports. Faltavam quatro jogos mais o confronto direto da última rodada. Para os rubros, três pontos atrás, haveria três jogos seguidos contra pequenos antes do clássico com o Botafogo e a batalha final. Já os tricolores, ainda invictos, fariam todos os clássicos. A começar pelo Fla-Flu de 20 de novembro.

Apresentação abaixo do potencial contra o Canto do Rio | Jornal dos Sports

ENTRE CRISES, A REABILITAÇÃO

Na véspera o América teve, pela única vez na campanha, o desfalque de Quarentinha, que vinha sofrendo de dores no tornozelo e deu lugar a Fontoura. E Djalma entrou em campo gripado e com 38 graus de febre. Mas o time soube vencer um retrancado Canto do Rio por 2 a 0 no Maracanã, num jogo em que poderia ter vencido por mais. Antoninho, que não marcava desde a goleada no Olaria, abriu o placar perto do intervalo escorando de cabeça o cruzamento preciso de Calazans. E Nilo, com um chute forte, fez o segundo na etapa final.

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Mas o melhor viria no domingo: o Flamengo bateu o Fluminense por 3 a 1 de virada, pôs fim à invencibilidade tricolor no certame e fez a diferença na liderança voltar a um ponto. De qualquer forma, havia uma preocupação notada pela Última Hora, ao publicar matéria na qual levantava questionamentos sobre a queda de rendimento do ataque americano, que vinha demonstrando dificuldade para marcar gols, e apontava um jogo mais recuado dos pontas — e o consequente isolamento da dupla de área — como causa da suposta escassez ofensiva.

O técnico Jorge Vieira opinava: “O América continua a mesma coisa do turno. Os outros é que quando nos enfrentam agora têm mais cuidado em tudo e por tudo”. Mas as turbulências em Campos Sales não paravam por aí. Antes do jogo contra o Madureira, uma divergência anedótica quase abalou a equipe. Um rito vinha marcando toda a campanha: sempre na véspera dos jogos, o elenco deixava a concentração para assistir a um determinado espetáculo de teatro de revista, divertimento popular na época. Dava sorte, diziam os cartolas.

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Acontece que, desta vez, Amaro “quebrou a corrente” e se recusou a ir mais uma vez assistir ao mesmo espetáculo. Ao saber do caso, Jorge Vieira deixou recado com o porteiro da concentração dizendo ao jogador para ir embora, já que estava afastado da partida. O meia ainda sofreu punição disciplinar do clube e passou a ter de disputar a posição. No sábado à tarde, contra o Tricolor Suburbano em São Januário, Leônidas entrou de zagueiro, voltando ao time após quatro partidas de fora, com Wilson Santos passando ao posto de volante.

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Embora apresentasse um volume de jogo muito maior, o América sofreu um bocado para dobrar o Madureira. Saiu atrás no placar com um gol do ponta Osvaldo. E acabou tendo em Antoninho o herói da tarde: o atacante marcou os dois gols da virada, um em cada tempo. No segundo, os adversários reclamaram impedimento, mas o zagueiro Apel, posicionado bem atrás do atacante rubro, dava condição de jogo. No dia seguinte, o empate em 1 a 1 entre Fluminense e Botafogo colocou americanos e tricolores enfim empatados em pontos no topo da tabela.

A vitória sobre o Madureira rendeu aos jogadores um bicho de Cr$ 7 mil, valor mais alto pago pelo clube até então naquele campeonato. Já o caso Amaro foi esquecido: o jogador e o treinador conversaram e tiraram fotos juntos, selando a paz. O meia, porém, treinou entre os reservas e deveria ficar no banco para o jogo com o Bonsucesso. Faltavam só três rodadas, e os rubro-anis eram os últimos “pequenos” no caminho do América. Depois, confrontos diretos e decisivos contra Botafogo e Fluminense. Histórias para o próximo — e último — capítulo.

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*Emmanuel do Valle é jornalista e pesquisador da história do futebol brasileiro e internacional.

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