Setembro: um mês de afirmação para os Campeões de 1960
Emmanuel do Valle
Atenção, esse resgate é a terceira parte de uma série mensal começada aqui: Em julho de 60, América iniciava campanha rumo ao título da GB
Depois de um mês de agosto um tanto irregular em termos de resultados, o América adentrou setembro de 1960 buscando não se distanciar dos ponteiros do Campeonato Carioca. Naquele mês, o clube teria pela frente seus cinco últimos jogos pelo primeiro turno, incluindo os clássicos contra Botafogo e Flamengo. E os bons resultados tornaram a afirmar que a briga dos rubros era sim pelo título, pelo fim do jejum e pela honra de ser o primeiro campeão do novo estado da Guanabara. Essa é a história que contamos neste terceiro capítulo.
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Após a dramática vitória sobre o São Cristóvão por 2 a 1 em Figueira de Melo no sábado, 27 de agosto, o América retomou na segunda-feira sua programação para a partida seguinte, diante da Portuguesa em São Januário no outro sábado, dia 3 de setembro. A preparação começava pela revisão médica e consistia nos treinamentos individuais e coletivos, mas havia também algo que vinha merecendo destaque como responsável pelo bom preparo físico da equipe: as sessões de sauna às quais os jogadores eram submetidos às quintas-feiras num clube em Botafogo.
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Durante a semana, houve expectativa quanto à presença do lateral Jorge e do atacante Antoninho (ambos com lesões constatadas) e do ponta Calazans, expulso contra o São Cristóvão e em vias de ser julgado pelo tribunal da federação. Destes três, só Antoninho enfrentaria a Lusa: Jorge chegou a ser considerado recuperado, mas foi novamente reprovado nos testes físicos perto do dia do jogo e substituído pelo sergipano Jaílton, o curinga da defesa. E Calazans foi suspenso por uma partida, o que propiciou finalmente a estreia do baiano Fontoura no ataque.
O clube rubro-verde — que ainda não tinha sede na Ilha do Governador, para onde só se mudaria dali a cinco anos — vinha de surpreendente vitória sobre o Bangu por 2 a 0 em Moça Bonita, um resultado que o alçou à sexta colocação, à frente dos próprios alvirrubros. No time, destacava-se um futuro jogador do América, o zagueiro Flodoaldo. E durante a semana, criou caso na hora da definição do árbitro da partida, com seu técnico Daniel Pinto vetando alguns nomes indicados pela federação, até que fosse escolhido Aírton Vieira de Morais, o “Sansão”.
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Disputado numa tarde fria, o jogo teve seu início atrasado em cerca de nove minutos devido ao mau estado do gramado de São Januário, tão enlameado que o árbitro precisou demandar que as linhas fossem remarcadas. A Portuguesa até começou bem, mas logo o América tomou conta da partida, cumprindo uma atuação bastante segura. Djalma era o destaque na defesa, ganhando todas as disputas pelo alto, enquanto Ivan era peça importante no apoio pelo lado esquerdo. Na frente, Fontoura fez uma estreia de muita luta e movimentação incessante.
Os dois gols americanos vieram ainda no primeiro tempo. Aos 25, Antoninho recebeu de Nilo e chutou da linha de fundo. O goleiro Vágner fez defesa parcial e a bola chegou ao outro lado da área, de onde Fontoura cruzou forte e rasteiro para a conclusão de Quarentinha. O atacante baiano faria também o segundo gol, a um minuto do intervalo, batendo falta que resvalou na cabeça do defensor Antônio, na barreira, e matou o arqueiro. Na etapa final, Wilson Santos se lesionou e passou a fazer número na ponta esquerda, com Nilo recuando.
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Vale lembrar que, naquele campeonato, já era permitida uma substituição por equipe (a chamada “regra três”), mas, de acordo com o regulamento, ela só poderia ser feita até os 44 minutos do primeiro tempo. Wilson Santos, felizmente, não seria desfalque para o jogo seguinte, diante do Canto do Rio. Mas Fontoura teria lesão constatada e gessou o joelho, ficando de fora da partida. Menos mal que Calazans tinha retorno certo após cumprir suspensão. O lateral Jorge, por sua vez, aguardaria sua recuperação durante a semana para saber se voltaria ao time.
Mas a semana do América não se resumiu a baixas e retornos de ordem física. Outras questões tomaram o centro das atenções na cobertura diária do clube. Irritado por ter perdido a posição para Pompéia, Ari pediu rescisão de contrato ainda nos vestiários após o jogo com a Portuguesa. Diante disso, chegou a circular o boato de que o Conselho Diretor do clube se reuniria para fixar o passe do goleiro em Cr$ 2 milhões. Mas a situação foi logo contornada, e Ari chegou a desmentir que tivesse pedido para sair. O boato envolvendo o Conselho também não foi além.
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O técnico Jorge Vieira também se ausentou do clube por alguns dias após pedir para visitar uma pessoa da família que estava doente no interior de Minas Gerais. Nesses dias, o auxiliar Osni do Amparo, ex-goleiro rubro, comandou as atividades. Avaliando os acontecimentos, o diretor de futebol Álvaro Bragança comentou que o América estaria “sofrendo as consequências de uma vice-liderança imprevista”. Para o dirigente, a colocação da equipe na tabela, firme na briga pelo título, fazia com que fosse declarada uma “guerra fria” contra o clube.
O América havia subido uma posição na classificação após vencer a Portuguesa e graças também à derrota do Flamengo para o Vasco no clássico de domingo, 4 de setembro, no Maracanã. O time de Jorge Vieira havia ultrapassado os rubro-negros e agora somava 11 pontos, dois a menos que o ainda líder Fluminense — que naquela rodada derrotara o Bangu por 3 a 1 também no Maracanã. Por outro lado, os cruzmaltinos, que antes haviam sido declarados fora do páreo, vinham de uma sequência de recuperação e já se colocavam com os mesmos 10 pontos do Flamengo.
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O jogo contra o Canto do Rio, realizado no sábado à noite no Maracanã, era considerado perigoso para o América: a equipe de Niterói havia derrotado o Vasco e engrossado numa derrota para o Flamengo. Mas os rubros, que voltaram a contar com a escalação considerada titular, não tiveram dificuldades para vencer por 3 a 0. Foram sempre superiores graças a seu esquema flexível. Na hora de defender, os pontas recuavam para auxiliar o meio-campo. Já na vez de atacar, havia o apoio constante dos laterais, e até Djalma Dias aparecia na área adversária.
O time niteroiense, porém, saiu na bronca com o árbitro José Gomes Sobrinho, a quem acusavam de ter ignorado dois pênaltis no atacante Zequinha, além de validar o segundo gol do América, irregular. No lance, a bola havia saído no cruzamento de Antoninho, concluído com a mão por Nilo. Os outros dois gols americanos foram muito bonitos: o primeiro foi marcado por Antoninho, que veio tabelando com Quarentinha desde a intermediária. Já o que fechou o placar saiu de ótima jogada individual de Ivan, passando por três defensores antes de finalizar.
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Quem passou por maus bocados foi o goleiro Itamar, do Canto do Rio, que se lesionou seriamente durante a partida e teve de ser substituído pelo reserva Alberto. O arqueiro sofreu comoção cerebral e passou alguns dias internado em Niterói, mas, felizmente, logo estava fora de perigo e reagindo bem. Já o América deixou o jogo com três preocupações no time com vistas ao clássico diante do Botafogo, no domingo, dia 18: Djalma Dias levou uma pancada na cabeça, Antoninho tinha uma contusão no tornozelo e Nilo apresentava escoriações na canela.
Enquanto isso, o diretor de futebol Álvaro Bragança convocava a torcida: “O quadro está lutando. Os dirigentes estão fazendo todo o sacrifício para dar aos jogadores tudo o que necessitam para produzirem. Resta aos torcedores a outra missão que considero muito importante: dar ao jogador o estímulo, a coragem necessária para sentir que está sendo prestigiado. Eu quero assim pedir aos torcedores do meu clube para que domingo compareçam ao Maracanã com a finalidade de incentivar os jogadores do América”, dizia num apelo ao Jornal dos Sports.
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Naquela semana, o também diretor de futebol Mário Pinto afirmava à Última Hora que uma de suas primeiras providências ao assumir o cargo, no início do ano, havia sido enxugar o elenco, reduzindo-o a apenas um punhado de jogadores extremamente necessários. Já o técnico Jorge Vieira opinava sobre o certame, acreditando que o campeão perderia, no mínimo, entre sete e nove pontos. A Última Hora também registrava que o árbitro José Gomes Sobrinho havia admitido na súmula seu erro ao validar o segundo tento do América contra o Canto do Rio.
No Botafogo, as atenções estavam voltadas há algumas semanas para o meia Didi, que retornara ao clube de General Severiano já com o campeonato iniciado, vindo de sua frustrada passagem pelo Real Madrid. Contra o América, havia a expectativa de um duelo de alta classe a ser travado no setor com o talentoso novato Amaro. Mas o volante rubro não temia enfrentar o armador campeão mundial com a Seleção Brasileira na Suécia em 1958: seu maior motivo de preocupação era seu próprio pé direito, ainda não inteiramente recuperado de lesão.
Num jogo disputado sob calor intenso e incomum para aquela época do ano, as duas equipes se equivaleram no primeiro tempo, embora mostrando estilos diferentes: o América usando mais a velocidade e o Botafogo cadenciando mais e apostando na individualidade, embora alguns de seus astros não estivessem num bom dia. Os rubros, porém, perderam Antoninho aos 35 minutos e, sem outro atacante no banco, o técnico Jorge Vieira se viu obrigado a lançar o zagueiro Décio, adiantando Wilson Santos para formar um trio de meias com Amaro e João Carlos.
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Para piorar, o Botafogo marcou a dois minutos do fim da etapa inicial quando Amarildo chutou cruzado com força e Didi apareceu rápido na pequena área para escorar às redes de Pompéia. O gol sofrido tão perto do intervalo poderia ter abalado o América, mas não foi o que aconteceu. Muito pelo contrário: o time reagiu rápido na etapa final e obteve uma virada relâmpago: aos 21, Wilson Santos desceu pela direita, cruzou para a área botafoguense e Nilo chegou para empatar. Um gol muito comemorado pelos jogadores rubros, que fazia justiça ao jogo.
Mas ainda assim o América poderia ter vencido não fosse um erro calamitoso do árbitro Amílcar Ferreira, que nos minutos finais ignorou um pênalti claríssimo de Zé Maria em Nilo. O ponteiro americano foi calçado pelo zagueiro botafoguense perto da linha de fundo, quase na linha da pequena área. Após o jogo, nos vestiários, os jogadores e dirigentes ainda reclamavam outra penalidade não marcada — esta ainda na etapa inicial, sobre Antoninho. Furioso, Álvaro Bragança afirmava que o clube não aceitaria mais que o juiz fosse escalado para seus jogos.
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O dirigente ainda prometia enviar um ofício à federação lamentando a atuação do árbitro. Mas, reclamações à parte, os jogadores e o técnico Jorge Vieira ficaram satisfeitos com o resultado e o poder de reação mostrado pela equipe dentro do jogo, em especial diante das circunstâncias adversas, como a lesão de Antoninho. Em sua coluna na Última Hora, Nelson Rodrigues exaltou o meia João Carlos: “Foi um incansável, um tremendo construtor. Com uma agravante: marcou um gol antológico, que abalou o Maracanã em suas profundezas”.
Com uma forte entorse no tornozelo direito, Antoninho se transformaria em baixa para o próximo jogo — outro clássico, desta vez diante do Flamengo. Como Fontoura ainda estava com o joelho imobilizado, não havia reserva imediato para a posição, e Jorge Vieira seria obrigado a improvisar. Nilo seria deslocado para o centro do ataque ao lado de Quarentinha. E um aspirante, o baixinho Sérgio — de 1,56 metro de altura e apelidado “Serginho Babá” por sua semelhança com o também diminuto ponteiro rubro-negro — entraria na ponta-esquerda.
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Na tarde de domingo, 25 de setembro, América e Flamengo fizeram um jogo que não chegou a ser dos melhores e começou com os rubro-negros mais presentes no campo de ataque, mas sem força para agredir de maneira mais decisiva o gol americano. Nas poucas vezes em que uma oportunidade mais clara se desenhava, Pompéia intervinha de maneira precisa. Foi assim em chances com os atacantes Luís Carlos e Henrique. A grande atuação do arqueiro americano fez com que o primeiro tempo terminasse sem gols. E no segundo, os rubros sairiam mais.
E o gol viria aos 32 minutos, num lance que surpreendeu a todos. Uma falta na intermediária do ataque americano que Calazans se apresentou para cobrar. Imaginando que a bola seria alçada à sua área, os jogadores do Flamengo sequer formaram barreira. Mas o ponta do América percebeu a chance num chute direto. E ele saiu forte, seco e rasteiro, na direção do gol. Ari, arqueiro rubro-negro, pulou atrasado e quando chegou na reta da bola ela já estava nas redes. Um gol incrível que decidiu o jogo em favor dos rubros. O Flamengo nem conseguiu reagir.
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O América — que havia trocado Sérgio pelo centroavante Enílson durante a partida, fazendo Nilo voltar à sua posição original — ainda criou outras chances após o gol, mas o placar ficou mesmo em 1 a 0. Vitória importante que mantinha o clube na vice-liderança com 16 pontos e vivo na perseguição ao Fluminense, líder com 18. E ainda abria dois pontos em relação aos terceiros colocados Vasco e Botafogo e três de frente para o quinto colocado, o Flamengo. Na derradeira rodada do primeiro turno, os rubros enfrentariam o Madureira.
Marcado para a tarde de sexta-feira, 30 de setembro, o jogo abriria a 11ª rodada no Maracanã. Considerado um adversário que merecia cuidados, o Tricolor Suburbano tinha como destaque sua dupla de meio-campo formada por Nair (que mais tarde migraria para o futebol paulista, onde defenderia Portuguesa e Corinthians) e Nelsinho (o futuro jogador do Flamengo e treinador de Fluminense e Vasco Nelsinho Rosa Martins). Além deles, quem despontava era o atacante Azumir, que teria rápida passagem pelo Vasco antes de seguir para o futebol português.
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Pelo lado americano, as notícias que envolviam o clube durante a semana do jogo eram as da suspensão de Amílcar Ferreira por 20 dias pela federação — em vista das declarações ofensivas proferidas pelo árbitro de América x Botafogo para rebater as críticas dos dirigentes rubros à sua atuação — e as dúvidas do técnico Jorge Vieira sobre quem seria escalado no ataque no posto do ainda lesionado Antoninho: Sérgio ou Enílson. “Tanto um como o outro renderam o mesmo e somente no Maracanã eu talvez decida quem entrará primeiro”, afirmou o treinador.
“América jogou para golear mas não foi além do um a zero” era o título da crônica daquela partida publicada pelo Jornal dos Sports. E o jogo foi mesmo um massacre. Quando balançou as redes pela única vez, aos 12 minutos da etapa inicial, o time de Jorge Vieira — que surpreendeu ao escalar Enílson de última hora, quando tudo indicava a manutenção de Sérgio — já tinha até mesmo acertado a trave num chute de João Carlos, numa bola que ainda cruzou toda a linha da meta antes de sair. O meia também seria o responsável por iniciar a jogada do gol.
O camisa 10 do América recuperou a bola ao interceptar um passe no campo de defesa, pouco antes do círculo central, arrancou e passou a Quarentinha. O atacante então livrou-se de Salvador e chutou cruzado, quase no ângulo do goleiro Silas. Entre as inúmeras chances desperdiçadas pelos rubros para aumentarem a vantagem (o que faria até mais justiça ao seu domínio completo na partida), a maior de todas foi o pênalti cometido pelo mesmo Salvador aos 23 minutos, e que Nilo — jogador de chute forte — perdeu ao bater colocado, em cima do goleiro.
Muitos foram os motivos para o placar magro, do preciosismo nas finalizações ao mau estado do gramado (“mais parecia um lamaçal”, descreveu a já referida crônica). Apesar de inteiramente envolvido pelo América, o Madureira lutou muito durante todo o jogo e chegou a assustar nos minutos finais. Mas sua total inoperância ofensiva evitou que os rubros amargassem um empate injusto. Se a goleada não veio, o time de Jorge Vieira pelo menos se satisfez em somar dois pontos muito importantes para seguir com firmeza na briga pelo título.
A rodada também ajudou a deixar para trás alguns dos demais concorrentes. Na mesma sexta-feira, mas à noite, o líder Fluminense bateu o Vasco por 2 a 0 também no Maracanã, fazendo com que os cruzmaltinos estacionassem nos 14 pontos, quatro a menos que o América. Com a mesma pontuação estava o Flamengo após um decepcionante empate em 2 a 2 com o Bonsucesso no único jogo do domingo, em Teixeira de Castro. O Botafogo, que derrotara o Bangu por 4 a 2 em Laranjeiras no sábado, vinha em terceiro com 16 pontos.
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Assim terminava o primeiro turno. No próximo capítulo da saga rubra, contaremos como foi o desempenho no início da segunda metade do campeonato: o mês de outubro perfeito; o retorno dos lesionados; o ataque prometendo deslanchar; e a grande revanche diante dos banguenses.
*Emmanuel do Valle é jornalista e pesquisador da história do futebol brasileiro e internacional.