Allez les Bleus: Precisa e eficiente, França é bicampeã do mundo 20 anos depois

Luiz Henrique Zart
Popytka
Published in
20 min readJul 15, 2018
A França é bicampeã mundial, repetindo o feito de 1998 (Getty Images)

O relógio já marcava 20 minutos da segunda etapa quando a França marcou seu quarto gol. De cinco chutes em que havia acertado a meta croata, quatro foram às redes. E se a França não foi encantadora a ponto de revolucionar o futebol, mostrou capacidade de decidir e ser precisa como nenhuma das outras 31 seleções. Mandzukic abriu o placar com um gol contra, e a França abriu vantagem com Griezmann, Pogba e Mbappé. Depois, Perisic e Mandzukic ainda descontaram para os Vatreni. O 4 a 2 diante da Croácia, no Estádio Luzhniki, em Moscou, ratifica dois elementos-chave ao jogo dos Bleus: Precisão e eficiência, que colocam a segunda estrela no peito francês. De volta ao topo do mundo exatas duas décadas depois.

A Croácia faz uma campanha histórica, a melhor participação em Copas. Na final, mesmo desgastada especialmente depois de três prorrogações, com duas disputas de pênalti, teve a bola e dominou o jogo, mas não fez o suficiente. A França soube anular as armas dos Vatreni pelas pontas e o meio não fluiu, sendo sobreposto pelos azuis. Sem um futebol tão brilhante, a solidez defensiva e as atuações cirúrgicas do time de Deschamps durante o mundial reafirmam suas capacidades. Era a prioridade: não joga bonito, mas vence. E assim foi. O treinador, que participou da conquista do primeiro título, é o terceiro homem a chegar ao título também como treinador, como Zagallo e Beckenbauer. A forma com que a França chegou ao bi pode ser questionada, mas a vitória a eleva a outro patamar dentro do panteão das seleções, igualando Argentina e Uruguai.

A taça do mundo vai para Paris (Getty Images)

Os times

Na grande final, ambas as seleções mandavam ao gramado o que tinham de melhor. A formação, inclusive, era semelhante: O 4–5–1 sem a bola, que com o domínio da posse se transforma em um 4–3–3. O comandante Didier Deschamps, campeão no título dos Bleus de 1998, diante do Brasil, escalava o time da seguinte maneira: Hugo Lloris, de uma boa temporada no Tottenham, de campanha interessante na Premier League, e em grande Copa, era mantido no gol. A dupla de zaga era formada por dois jogadores extremamente seguros e de clubes tarimbados: Raphaël Varane, de anos de Real Madrid, e também Samuel Umtiti, que se firmou e agora é um ótimo valor na defesa blaugrana. Pelas laterais, Lucas Hernández, de temporada consistente — em especial na defesa do Atlético de Madrid, e Benjamin Pavard, que teve sua convocação contestada, atuando pelo Stuttgart, da Alemanha: Ambos, mesmo como zagueiros fora de posição, corresponderam com atuações seguras e determinantes, inclusive com assistências e gols.

No setor de meio de campo, mais atrás, dois jogadores com pesos diferentes na carreira e qualidade semelhante: Paul Pogba, referendado pelo brilho conquistado magistralmente nos tempos de Juventus, busca sua reafirmação no Manchester United e faz um mundial bem mais maduro, como se esperava; e N’golo Kanté, pequeno motorzinho de toda equipe que joga, foi pinçado do Leicester da Inglaterra, onde foi campeão inglês, para o Chelsea, onde repetiu o feito em uma temporada brilhante.

O trio da frente não deixa por menos: De um lado, Blaisè Matuidi tem velocidade esbanjada no PSG e oferece a consistência defensiva adquirida em tempos de Juventus, fundamental à transição da equipe. Do outro, a explosão e juventude de Kylian Mbappé, em temporadas exuberantes desde que explodiu para o mundo, especialmente após o título francês e as quedas no mata-mata da Liga dos Campeões desafiando gigantes pelo Mônaco. Pelo centro, um ídolo do Atlético de Madrid: Antoine Griezmann. O camisa 7, mais maduro, de temporadas não menos brilhantes na Espanha, é fundamental ao esquema de Simeone, e na França executa a função de criação e chegada à frente, abastecendo o companheiro de ataque. Na final, Olivier Giroud, de uma montanha russa de atuações, também contestado na Inglaterra, primeiro pelo Arsenal e, agora, pelo Chelsea. Não havia conseguido seu gol, mas vinha fazendo bem o trabalho de pivô.

Por outro lado, o técnico Zlatko Dalic, que chegou ao comando da seleção croata já com o jogo decisivo das Eliminatórias e passou também pela repescagem, chegava à final apenas em seu 11º jogo no banco de reservas. Apesar de ter dúvidas sobre a escalação de força máxima contra os franceses, não houve problemas, apesar do mistério. Um dos heróis das classificações nos mata-matas, o goleiro Subasic era incontestável no gol, de temporada de alto nível pelo Monaco.

Na dupla de zaga, Domagoj Vida, de atuações muito firmes no mundial — já com cara do futebol físico do Besiktas, na Turquia, fazia companhia a Dejan Lovren que, se é contestado em um Liverpool que chegou à final da Liga dos Campeões, na Croácia tem muito crédito. Nas laterais, Ivan Strinic, atuando em um Milan que oscila muito, tem bem mais segurança na seleção nacional e, na Rússia, vinha de atuações muito corretas; e também Sime Vrsaljko, um dos melhores jogadores de Dalic no mundial, também de temporada consistente como comandado de Simeone no Atlético de Madrid. Demonstrou qualidade de passe e ofensiva nos cruzamentos, sem comprometer atrás.

Pelo meio, Marcelo Brozovic dava mais consistência à marcação, com respaldo do futebol italiano, onde atua pelo Milan. Seu companheiro como volante é uma das peças-chave do Barcelona: Ivan Rakitic, de consciência tática e muita qualidade e criatividade na construção do jogo. Com isso, Luka Modric, o camisa 10, era liberado para jogar pelo centro, mas apoiando tanto o ataque quanto a defesa, coordenando as ações em grande parte do campo. Na Rússia, vem sendo outro com poder de decisão altíssimo. Pelas pontas, velocidade em profusão: Ante Rebic, mostrando mais no mundial do que em seu clube, de um lado; e Ivan Perisic, outro ágil atacante da Internazionale. Centralizado, o experiente Mario Mandzukic, tarimbado pela carreira em grandes clubes como Bayern de Munique e Juventus, e autor do gol que deu aos Vatreni a passagem a Moscou.

O campinho de França x Croácia (Fifa.com)

O jogo

Nos primeiros minutos de jogo, foi a Croácia quem dominou as ações. Com a bola nos pés, tentava acionar Rebic e Perisic pelos lados, e também Mandzukic pelo meio do ataque, e a defesa francesa ia suportando bem. Mas o jogo era estudado. Sem espaços. Com a Croácia controlando a posse de bola, Kanté era o responsável por ficar na cola de Modric, sem deixar o camisa 10 pensar. Quando Rakitic apareceu bem e abriu o jogo com Strinic na esquerda. O lateral entrou na área e iria cruzar, mas Mbappé voltou para marcar e travou a tentativa. E era esse o quadro do jogo: Disputado, com a Croácia à frente, ditando o ritmo do jogo, mesmo sem chances. Aos 10, Rakitic descolou um lindo lançamento para Perisic, que dominou e não conseguiu dar sequência à jogada. A defesa francesa estava muito bem posicionada para frear as intenções dos vatreni.

Então, depois dos 15 primeiros minutos que foram de domínio completo do time de Zlatko Dalic, a França começou a se soltar. A bola começou a chegar para Griezmann e para Mbappé, que na primeira jogada já fez fumaça às costas de Strinic. Era um indício. O camisa 7 dos Bleus cavou uma falta próxima da área para ele mesmo cobrar. Na área, Varane era marcado por Mandzukic. Então, o croata que deu a classificação inédita de sua seleção a uma final, era responsável pelo primeiro gol contra da história das Copas: tocou de cabeça para trás e tirou qualquer chance de defesa de Subasic. 17 minutos e a França estava na frente na grande decisão: 1 a 0. Mais uma vez a Croácia saía atrás e precisava buscar o resultado, como foi contra Dinamarca, Rússia e Inglaterra.

Não deu para Subasic, porque Mandzukic, ao tentar cortar, desviou contra o próprio patrimônio (Getty Images)

Os alvirrubros ameaçaram, sim, em um lançamento de Modric para a área, em que Vida subiu bem para cabecear, mas mandou se direção. Depois do gol, os comandados de Deschamps tentavam diminuir o ritmo do jogo, com a bola no pé, como foi mesmo nas outras partidas da Copa. No entanto, o time dos Bálcãs lutava muito e recuperava o controle arrancando em contra-ataque. E, assim, conseguiu o empate. Modric recebeu do lado direito, perto da área, e tentou o cruzamento. Vrsljko subiu para disputar a bola e desviou. Ela seguiu viva, com Mandzukic e Rebic ainda desviando. Até que a redonda chegou a vida que, de costas para o gol, escorou para Perisic. O camisa 4 dominou, cortou Kanté e soltou uma paulada de pé esquerdo, estufando as redes de Lloris: 1 a 1 aos 27 minutos. Um golaço em um jogaço, para delírio da torcida Vatreni, maioria no Estádio Luzhniki, em Moscou.

Ivan Perisic emendou um lindo chute para marcar pela Croácia ainda no primeiro tempo (Getty Images)

O árbitro argentino Nestor Pitana precisaria lidar com a pressão, checando o VAR aos 33 minutos. O cruzamento veio para a área croata e Perisic desviou com a mão, de braço aberto. Depois da revisão, a apreensão tomou conta do estádio, entre o silêncio e a vaia. Resultado: pênalti assinalado. O primeiro pênalti assinalado pelo assistente de vídeo em uma final de mundial, mesmo após a reclamação dos alvirrubros. Da marca da cal, era Griezmann contra Subasic — com histórico de quatro pênaltis defendidos na Rússia. De pé esquerdo, o camisa 7 apenas esperou o arqueiro cair para um lado para mandar a bola do outro e devolver a vantagem aos azuis.

Antoine Griemann teve calma, deslocou Subasic e marcou o seu terceiro tento no mundial (Getty Images)

Depois do tento, o jogo voltou a ficar pegado, com entradas mais duras dos dois lados. A Croácia voltou para cima, tentando as finalizações, como foi com Rebic, travado pela defesa que facilitou a defesa de Lloris. Os Vatreni conseguiam mandar a bola na área, mas em poucas vezes conseguiam uma finalização correta. Pelo alto, cada cruzamento era um sufoco para Umtiti e Varane. Foi assim que Vida apareceu para cabecear para fora e, pouco depois, Perisic não chegou a tempo de aproveitar o cruzamento de Vrsaljko. A primeira etapa acabou assim mesmo.

O segundo tempo

Durante a primeira etapa, a estatística era curiosa: A Croácia tinha sete tentativas, com três acertando o alvo, enquanto a França havia arrematado apenas uma vez ao gol de Subasic. Era matar ou morrer. Por isso o time dos Bálcãs voltou para a segunda metade do tempo regulamentar com a faca nos dentes. Marcando com pressão, indo rapidamente para chegar à área de Lloris. Modric e Rakitic especialmente com a qualidade de passe iam quebrando as linhas de marcação francesas: assim, Rebic recebeu lindo lançamento e soltou o sapato. A bola ia com perigo e tinha endereço, mas Lloris se esticou inteiro para mandar por cima de sua baliza.

O jogo era todo da Croácia, precisando reverter a desvantagem. Em mais uma bola lançada, Brozovic encontrou Perisic. Varane acompanhava na marcação e deu um toque arriscado para trás. Lloris precisou deixar seu gol, antecipar e, de peito, sair jogando fora da área. Correndo riscos na defesa, a França também tinha o caminho aberto para os contra-ataques. Em lançamento de Pogba pela direita, Mbappé arrancou, superou Vida na velocidade, mas quando bateu rasteiro, Subasic fechou bem o ângulo.

Aos oito minutos, Didier Deschamps tomou uma atitude de precaução. Tirou Kanté, amarelado, e mandou Steven Nzonzi ao gramado. Ganhava em altura e recomposição defensiva com um jogador descansado. E aí a final começou a desabar para a Croácia, que se abriu demais. O lance começou com mais um lançamento preciso de Pogba. O camisa 10 superou a marcação de Strinic e passou para o meio. Griezmann rolou para Pogba, que tentou uma vez de pé direito e foi travado por Lovren. Na segunda, ajeitou o corpo e bateu de chapa, de pé esquerdo, longe do alcance de Subasic para marcar o terceiro tento francês, aos 13.

Paul Pogba marcou o terceiro e abalou de vez os adversários (Getty Images)
Mbappé soltou o pé e marcou o quarto dos Bleus na final (Michael Dalder/Reuters)

Seis minutos mais tarde, veio o quarto dos Bleus, e virou goleada. Hernandez aproveitou a bagunça de defesa croata e avançou pela ala esquerda, se livrando de Mandzukic e partindo para cima de Vrsaljko. Decidiu não encarar o marcador e foi mais inteligente: tocou para o meio, encontrando Mbappé sem marcação. Ele teve tempo de dominar, olhar, se arrumar e colocar a bola no contrapé de Subasic para marcar o quarto. Aliás, o quarto também do camisa 10, em seis jogos no mundial.

Já aos 23, Lloris protagonizou um lance constrangedor, em que os Vatreni descontaram. O lance era completamente tranquilo, e Varane optou por recomeçar a jogada com o goleiro. O camisa 1 dominou e poderia ter dado o chutão, mas quis driblar Mandzukic. O camisa 17 apenas divide a bola bloqueando o corte e a bola vai mansinha para as redes. Não perca as contas: 4 a 2. Arrogância demais do goleiro do Tottenham.

Resta a resignação pela imprudência de Lloris: Não dava pra driblar dentro da própria área (Getty Images)

Então, a França se fechou novamente. Já sem pernas por causa das muitas prorrogações, a Croácia não tinha muitas opções de jogada. Era mandar a bola para a área e torcer por algum milagre. Evitando essas tentativas, a França era madura o suficiente para esfriar o perigo. As trocas eram um anúncio do que seriam os minutos finais do jogo: Do lado dos Bleus, Corentin Tolisso e Nabil Fekhir substituíram Matuidi e Giroud para dar mais força ao meio e renovar o ataque, enquanto a Croácia abriu mão de Rebic e Strinic para apostar em mais recurso dentro da área e novo fôlego com Andrej Kramaric e Marko Pjaca.

Modric já não conseguia mais encontrar brechas. Rakitic ainda tentou o chute, que passou perto da trave, mas não era fácil entrar na maré azul atrás. E a Final da Copa foi mesmo um apontamento de que quem tem a bola e propõe o jogo é, em muitos casos, superado por quem tem menos a posse e é letal. Os vatreni não conseguiam mais jogar, diante da eficiência francesa. Enquanto isso, os Bleus apenas esperavam o tempo passar para poderem levantar a taça pela segunda vez.

Os caras da partida

Pogba comemora: Jogou demais (Reuters)

Antoine Griezmann e Paul Pogba. Ambos tiveram participação fundamental na final. Antoine Griezmann desfilou qualidade e teve frieza para resolver quando o momento pedia. Marcou três vezes durante o mundial, com duas assistências, e foi premiado no último jogo. Cobrou a falta desviada por Mandzukic para o gol e depois deixou o seu de pênalti. Mais tarde, prendeu bola, apareceu por todo lado e ajudou a construir a vitória convincente dos Bleus. Já seu companheiro rechaça o rótulo de promessa de vez. Já aos 25 anos, Pogba se comportou pelo que é: um grande jogador, com predicados técnicos, qualidade para bater na bola e muita força física. Mostrou isso no jogo final se colocando como senhor do meio de campo, além de deixar o seu em uma batida em que colocou com as mãos nas redes de Subasic para dar tranquilidade e assegurar o campeonato do mundo francês.

O caminho das seleções: a queda e o próximo passo

França

Primeira fase

Os Bleus fizeram uma primeira fase bem discreta. Não pareciam ter demonstrado todo o seu potencial, afinal de contas. Derrotaram a Austrália em um jogo apertado, dependendo de um pênalti bem batido por Griezmann. Na partida seguinte, a vitória magra contra o Peru foi a demonstração de que os europeus, quando querem, põem em campo seus predicados. Conseguiram a vitória com alguns minutos de bola. Já classificada na partida final, a França fez várias alterações, e participou de um jogo fraquíssimo com a Dinamarca, e o empate soou bem para todos. Parecia estar mesmo se poupando.

Oitavas de final

Nas oitavas, não tinha a posse de bola no começo, mas ainda assim era bem mais incisiva e perigosa. Criava mais chances até que abriu o placar com a penalidade máxima. Sofreu o baque, sentindo os gols da virada Albiceleste, mas conseguiu por a bola no chão e desempenhar, finalmente, o que é capaz. Precisou de apenas 11 minutos para mandar três bolas às redes de Armani. Não se apresentava como um time, mas conseguiu ser direta e consistente na vitória por 4 a 2. Foi melhor e mereceu a vaga, por parecer mais com um time. Foi premiada por conseguir distribuir essas capacidades entre seu escrete. Nesta partida, por exemplo, fez mais gols que na primeira fase toda, quando assinalou três tentos.

Quartas de final

Na fase seguinte, a França contou com um Uruguai sem um de seus principais jogadores para as quartas de final: Edinson Cavani. O adversário, então, se viu refém da falta de criatividade e excesso de pilha. Começou o jogo tentando dar um ritmo elétrico, mas arrefeceu pouco tempo depois, se fechando. Com a bola, o time de Didier Deschamps ia atrás das difíceis brechas charruas, mas encontrou justamente numa falha de marcação de bola aérea, um dos reconhecidos melhores fundamentos dos sul-americanos. Stuani, o substituto, sobrou para cortar o lançamento para a área, mas foi mais lento que Varane. O francês testou para as redes e deixou a partida ainda mais confortável à França, que já era melhor tecnicamente. O golpe de misericórdia veio na falha clamorosa de Muslera. O vacilo das mãos do camisa 1 enterrou o sonho do tricampeonato uruguaio e deu a certeza da sequência dos Bleus em busca da segunda estrela no peito: 2 a 0.

Semifinal

A França já havia jogado o suficiente, mas grande mostra a ser dada diante dos Belgas seria justamente uma aparição coletiva, em que os comandados de Deschamps se posicionassem como um time, para superar a dificuldade imposta pelos Diabos Vermelhos. Na semi, a Bélgica até assustou, especialmente na primeira etapa, quando o jogo fluía e era aberto. Conseguiu criar boas chances e se apresentou melhor, criando oportunidades salvas pela ótima partida de Hugo Lloris. Apesar disso, a França soube aproveitar a volta do intervalo para usar uma das marcas dessa Copa do Mundo: a bola parada. Curiosamente uma das armas tanto na defesa quanto no ataque belga, esse foi o veneno, com Umtiti se antecipando a Fellaini, uma das pilastras de Roberto Martínez. Os Diabos Vermelhos saíram atrás pela segunda vez nos mata-matas, mas, diferentemente do duelo diante do Japão, não atuaram em um nível tão alto, e também enfrentaram um adversário muito mais qualificado e experiente em grandes competições. Depois do gol, o mérito defensivo foi todo do time de Didier Deschamps, que conseguiu anular as potencialidades belgas. Conseguiria ampliar o placar não fosse mais uma atuação importantíssima de Courtois, que pouco pode fazer no lance do gol, mas ficou mesmo no 1 a 0.

A França revive um sonho. O retrospecto dos últimos 20 anos é de oscilação: Conquistou o seu título em casa (1998) e, agora, na Rússia (2018), caiu duas vezes na fase de grupos (2002 e 2010), esteve por uma vez nas quartas (2014) e havia sido finalista pela última vez em 2006, quando caiu diante dos italianos. Nas últimas seis Copas disputadas entre 32 seleções, os Bleus foram o único esquadrão que esteve em três finais, e então borda sua segunda estrela no peito, se juntando à Argentina e Uruguai em um seleto grupo de campeões mundiais. Conta, agora, com uma geração que já vem com espaço no futebol europeu há bastante tempo em grandes clubes.

Croácia

Primeira fase

Com um time de muita técnica, a Croácia era bem cotada no Grupo D. A principal adversária, a tradicional Argentina, vinha de uma desordem administrativa e futebolística que gerou uma crise transportada à Copa. Assim, os vatreni asseguraram o primeiro posto. A primeira partida, porém, não inspirou tanta confiança. Contra a Nigéria, o time se apresentou em marcha lenta. Saiu com a vitória por 2 a 0 também pela incapacidade de o adversário oferecer perigo. Já na segunda partida pareceu trazer a campo tudo que havia poupado: deu um baile na Argentina, regido pela dupla Rakitic-Modric. Já classificada, garantiu uma das melhores campanhas de toda a primeira etapa da Copa ao bater e mandar a Islândia para casa, alcançando os nove pontos e o 100% de aproveitamento. No mata-mata, porém, enfrentaria muitas dificuldades.

Oitavas de final

No duelo das oitavas, a Croácia encontrou uma Dinamarca completamente fechada. Reconhecendo suas limitações técnicas diante do time de Dalic, de jogadores reconhecidos em grandes clubes da Europa, foi valente atrás e escancarou alguns problemas croatas quando avançou. Por outro lado, a partida eliminatória mostraria se o time capitaneado por Modric e Rakitic conseguiria propor o jogo, o que aconteceu em raros momentos. Colocada em outra posição após a derrota imposta à Argentina, não engrenou na primeira partida dos mata-matas. O jogo morno até poderia ter tido um final feliz (antecipado), mas Schmeichel negou este deleite ao camisa 10 Vatreni. Tentaria se colocar no caminho adversário mais uma vez, mas Subasic pegou uma cobrança de pênalti a mais e fez a Croácia deixar os comandados de Age Hareide para trás.

Quartas de final

Nas quartas, teve os anfitriões pela frente. E a Rússia causou problemas, chegando sempre com perigo. Por outro lado, os croatas não conseguiam transformar a posse de bola em gol. Se bem que depois de levar o susto com o golaço de Cheryshev os vatreni acordaram para conseguir o empate pouco depois. O jogo se encaminhou para a prorrogação, e Vida deu a vantagem aos croatas. Mas a Rússia fez o mais difícil, foi buscar o empate, também de cabeça, faltando cinco minutos para o fim do jogo, quando a torcida já se apresentava como um jogador a mais, dando um novo ânimo ao time de Cherchesov. Nas penalidades, porém, as escolhas pesaram já de começo, com Smolov e Mário Fernandes desperdiçando sua cobrança. a Croácia levou a melhor, com mais uma atuação para marcar na história da seleção.

Semifinal

Já na semifinal, com o gol no início da partida, a Inglaterra se soltou e mandou toda a responsabilidade para os croatas. Pressionados, os vatreni pouco conseguiam criar. Eram apertados pelos ingleses, que perdiam as chances de ampliar o placar. Então, depois da meia hora da primeira etapa, o time de Zlatko Dalic começou a assustar. No segundo tempo, voltou no mesmo ritmo e tomou conta da partida a partir do meio de campo, com a bola sempre carimbada por Modric e Rakitic. A recompensa veio em um cruzamento em que Perisic foi fantástico para empatar. E se a Croácia sentiu o gol no começo por meia hora, os ingleses mudaram e caíram muito de rendimento depois do empate, pouco ameaçando Subasic. Poderia ser determinante em uma prorrogação. Foi justamente isso que aconteceu. A Croácia foi melhor dali em diante, esfriando o ímpeto inglês também na prorrogação, e se aproveitando de um erro defensivo para conseguir o gol de Mandzukic, que a classificou à primeira final de sua história.

O embate

Final de Copa é Final de Copa, dizem todos. No último duelo do mundial, a partida foi disputada e estudada no começo, com Mandzukic, justamente o autor do redentor gol que deu à Croácia sua melhor campanha, desviou contra as próprias redes. Os vatreni até tiveram força para conseguir o empate, em um lindo chute de Perisic. Porém, depois que o próprio camisa 4 botou a mão na bola e Griezmann converteu o pênalti, a Croácia sentiu e a França aproveitou. Foi certeira, não dando chances ao azar. Ampliou com Pogba e depois ainda fez mais um com Mbappé, o que aliviou a falha de Lloris no final da partida.

A Croácia fez uma boa partida, como fez uma Copa fantástica. Vinha dominando as ações, mas não conseguia passar pela sólida defesa adversária. Pagou mesmo tendo um coletivo forte por não conseguir ter poder de decisão, o oposto dos Bleus nos momentos-chave. Fez na Rússia coisas memoráveis, consolidando sua melhor campanha na história, tendo em seus alicerces um Subasic grandioso, Vida e Lovren em alto nível, a participação importante dos laterais, a maestria no meio de campo. Teve força para passar por batalhas mentais e físicas e estar no momento mais nobre do futebol mundial.

O time da primeira final de Copa do Mundo da Croácia (Getty Images)

Por outro lado, mesmo com uma seleção jovem, Deschamps mandou a França ao topo do mundo conseguindo lapidar a equipe para que tirasse o melhor de seus jogadores com o passar das partidas. Se não começou bem, no final, viu suas principais peças corresponderem. Mbappé foi brilhante: deixou o seu. Pogba ratificou sua qualidade, assim como Griezmann, grandes nomes em clubes e pela seleção. Com isso, o técnico Francês se iguala a Zagallo e Beckenbauer como o terceiro a ganhar a Copa no campo e no banco de reservas, como técnico.

Aquela foto que vai para os pôsteres: França campeã do mundo pela segunda vez (Getty Images)

O pós-Copa dos finalistas

Croácia

A geração de 1998 marcava a memória dos croatas. Chegando à semifinal e caindo justamente diante dos franceses, o país dos Bálcãs conseguiu fazer melhor. Tem que se orgulhar, portanto, com jogadores que entregaram muito, tanto técnica quanto fisicamente. Falando dos nomes que compuseram a campanha, há vários destaques. Subasic fez defesas em momentos importantes, em especial os pênaltis nos momentos de muita pressão na fase eliminatória.

Strinic e Vrsaljko deram qualidade às chegadas à frente, sempre se apresentando e cruzando bem, com muita propriedade na marcação também. Pelo miolo, Vida fez uma Copa irrepreensível, mesmo acima de seu companheiro de zaga, de boas atuações e regularidade. Aliás, essa é a palavra para carimbar no peito de Modric e Rakitic, talvez os jogadores mais representativos dessa seleção, como lideranças em qualidade e atitude. O camisa 7 não se escondeu do jogo e, ao lado do companheiro, foi senhor do meio de campo.

Já o camisa 10, melhor jogador da Copa, se multiplicou em campo. Deu fluidez à criação do ataque, marcou atrás, fez seus gols, participou da destruição argentina e também chamou a responsabilidade nos mata-matas. Brozovic teve boas atuações, sem comprometer no meio quando foi exigido. Perisic mostrou que tem muito recurso além da velocidade, com potenciais técnicos, chutes potentes e visão de jogo. Rebic fez jogos acima da crítica e se doou fisicamente mesmo na marcação. Mandzukic, por sua vez, foi mais um líder, lutando na frente com muita técnica e levando um azar tremendo na final.

É pra lamentar sim, como fez Vida, mas é para comemorar também: uma campanha brava e honrada da Croácia (Getty Images)

França

Depois de perder a Eurocopa para Portugal em casa, há dois anos, a França soube ter calma com a sua geração. Não era terra arrasada. Deixou a Croácia pelo caminho mais uma vez, como foi quando conseguiu seu primeiro título batendo o Brasil por 3 a 0 no Stade de France. Dos principais jogadores, agora campeões do mundo, são muitos os valores. Hugo Lloris é referendado novamente. Já tem um nome construído em uma das maiores ligas de clubes do mundo, a inglesa, e agora — apesar de falhar quando o jogo estava resolvido — foi fundamental para que os Bleus estivessem na final. Varane e Umtiti marcaram território com muita qualidade. Zagueiros técnicos, com boa saída de bola, jogo aéreo marcante e presença defensiva, se apresentaram no mais alto nível e tem no título essa comprovação. Os laterais, Pavard e Hernandez, se provaram. Dois jovens, em ascensão, que foram bem em um contexto de pressão extrema, talvez a mais forte para qualquer jogador de futebol.

No meio, Kanté ressaltou sua qualidade se multiplicando em campo e cobrindo qualquer espaço possível atrás, como o motorzinho, a formiga da França, que carrega o piano para os outros jogarem. Um dos exemplos é Pogba. O volante marca, não tanto quanto o do Chelsea, mas tem sim sua potência física como um trunfo. Mais que isso, tem muita visão de jogo e chega à frente sempre com qualidade, como mostrou no último jogo na Rússia. Matuidi foi o coringa do time de Deschamps. Se alternou o espaço com Tolisso, foi um dos bons nomes que ajeitaram o espaço central do campo francês, apoiando como um todo-campista.

Griezmann tinha liberdade para atuar tanto centralizado na criação e se moldar de acordo com a característica das partidas. Pode jogar como segundo atacante, voltar para armar e cair para as pontas, e isso se mostrou fundamental para que o jogo corresse com leituras adequadas dos adversários. Mbappé desfilou futebol mesmo abaixo da crítica na final. Foi fulminante, veloz e encantador no ataque, especialmente caindo pela ponta direita do ataque. Aos 19 anos, tem muito, mas muito caminho pela frente. O oposto de Giroud, que em um time muito bom, destoa. Jogou mais de 500 minutos e não conseguiu acertar uma finalização no gol durante a Copa. Lastimável em questão de bola na rede, ainda fez um papel importante para prender o jogo na frente e oferecer opções.

Prêmios individuais

Melhor jogador da Copa: Luka Modric

Melhor jogador jovem: Kylian Mbappé

Chuteira de Ouro: Harry Kane (6 gols)

Luva de Ouro: Thibault Courtois

Troféu Fair Play: Espanha

Modric e Mbappé, eleitos o melhor jogador, e o melhor jogador jovem do mundial, respectivamente (Getty Images)

O chaveamento da França campeã

Assim ficou o chaveamento: No mata-mata, a França passou por campeões e grandes times (Fifa.com)

Ficha Técnica

França 4 x 2 Croácia

Local: Estádio Luzhniki, em Moscou
Árbitro: Nestor Pitana (Argentina)
Gols: Mario Mandzukic, contra, Antoine Griezmann, Paul Pogba e Kylian Mbappé (FRA); Ivan Perisic e Mario Mandzukic (CRO)
Cartões amarelos: N’Golo Kanté e Lucas Hernández (FRA); Sime Vrsaljko (CRO)

França: Hugo Lloris; Benjamin Pavard, Samuel Umtiti, Raphaël Varane e Lucas Hernández; N’Golo Kanté (Steven N’Zonzi), Paul Pogba e Blaise Matuidi (Correntin Tolisso); Kylian Mbappé, Antoine Griezmann e Olivier Giroud (Nabil Fekir). Técnico: Didier Deschamps

Croácia: Danijel Subasic; Sime Vrsaljko, Dejan Loven, Domagoj Vida e Ivan Strinic (Marko Pjaca); Marcelo Brozovic, Ivan Rakitic e Luka Modric; Ante Rebic (Andrej Kramaric), Ivan Perisic e Mario Mandzukic. Técnico: Zlatko Dalic

--

--