Os outros lados do passado

A seção ‘Revirando o Baú” trás uma boa perspectiva da imprensa como sendo um catalisador de lembranças e mudanças na sociedade. Mas as matérias do Portal Vertentes ainda podem ir além

Alexandre Rodrigues Alves
Portal Vertentes
4 min readJul 5, 2017

--

Lembrar algo noticiado - e que foi esquecido pelo tempo — é função do jornalismo.

Um desafio para qualquer jornalista é conseguir vencer a barreira do tempo e fazer com que algo que teve repercussão há algum tempo possa ser relembrado com a mesma intensidade de antes. Além disso, as pressões comerciais e políticas que existem na profissão fazem com que isso seja ainda mais complicado de acontecer. Reviver uma pauta polêmica ou espinhosa pode não ser agradável para muitas pessoas influentes e isso gera sempre um empecilho a mais para que temas relevantes possam novamente ser abordados.

Mas, diante disso, iniciativas que fazem com que a lembrança jornalística seja ativada são sempre bem- vindas. A seção “Revirando o Baú”, do Portal Vertentes, pode ser considerada um ponto positivo nesse início de trajetória do jornal laboratório do curso de Jornalismo da UEMG Divinópolis. A lembrança de fatos como o desastre acontecido no dia 5 de novembro de 2015, pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, e a questão do legado olímpico após os jogos disputados no Rio de Janeiro no ano passado, são pontos interessantes de serem novamente abordados na mídia, depois de toda a atenção que receberam no passado.

No texto sobre o desastre de Mariana, foi interessante notar o estado complicado em que se encontra a região e também saber que existe um projeto de reconstrução do local, porém, ainda de forma bastante tímida e longe de ajudar a todos os moradores, o que é uma pena. Da mesma forma, também é uma pena o esquecimento sobre o tema na grande imprensa, algo que só é mudado em efemérides ou datas “redondas”, como no aniversário da tragédia.

No caso da Olimpíada carioca, a abordagem do assunto foi interessante ao mostrar que eventos continuaram a ser realizados na cidade. Também foi possível ver que existe potencial para o Rio usufruir das melhorias que os Jogos trouxeram, e esse é um viés que não é muito visto nas matérias relacionadas ao tema. É evidente que existem problemas e eles se tornaram ainda mais claros com a prisão de políticos e o desmantelamento de esquema de corrupção no estado (e que também respingaram na organização olímpica), mas o potencial do que foi construído existe.

Ou seja, a possibilidade de se revisitar matérias e pautas que foram esquecidas pelo tempo oferece possibilidades diversas e muito relevantes para o jornalismo que o Portal pretende praticar. Porém, é preciso dar um espaço melhor para que a seção possa ser mais vista e lida. A falta de uma aba que a identifique junto às outras, como Uni, Mundo etc., é uma falha a meu ver, pois dificulta que seja encontrada. Um destaque maior para uma categoria tão relevante é necessário.

  • ABORDAGEM E MATÉRIAS EM GERAL

Além disso, falando especificamente dos textos publicados, é possível observar algo além, e aí não apenas na Seção Revirando o Baú. Algumas das matérias ficam com uma sensação incompleta. Você observa que existe a proposta, mas o desenvolvimento é prejudicado por alguns fatores.

A ideia de escrever partindo de uma maneira formal ainda impera nos textos publicados até aqui. O início vem com a informação básica, mas, no seu desenvolvimento, a linguagem ainda fica muito trivial e a construção do texto é um pouco truncada. Um exemplo é a matéria da fiscalização dos ambulantes em Divinópolis, na qual a explicação sobre o que é ser ambulante ficou como fechamento do texto, em vez da própria situação dos vendedores.

Os lados de uma história (e nem sempre são apenas dois…)

Em algumas matérias fica faltando maior diálogo com o outro lado envolvido nas questões. Em reportagens como a da falta de segurança na UEMG e da eleição da nova diretoria acadêmica da Universidade, isso seria solucionado com uma palavra oficial da instituição, no primeiro caso, e a conversa com a chapa derrotada, no segundo. Inclusive, na questão da segurança, foi uma crítica direta que recebi dentro da UEMG.

Citei esses dois exemplos pois são matérias feitas em um raio de proximidade menor e a apuração poderia conter essas características a meu ver. Mas é preciso dizer que, mesmo no texto sobre Mariana, que citei elogiosamente acima, senti falta de alguma palavra da empresa envolvida no desastre — ainda que eu imagine a dificuldade para entrar em contato com alguém da Samarco.

Mas, como disse em minha primeira coluna como ombudsman, sei bem que o trabalho é inicial e pode sempre ser melhorado e revisto, aí incluído o meu próprio.

Apenas penso que, dentro de um processo de expansão do Portal, a profundidade das reportagens pode ser sempre uma busca de todos que nele escrevem. Ouvir todos os lados sempre envolve dificuldades diversas, isso é inegável, mas para que a matéria possa ser de fato isonômica, penso que essa busca é fundamental.

  • DETALHES FINAIS

Sobre um texto que achei muito interessante, o da estudante que coloca seus poemas pelos postes de Divinópolis, ficou faltando saber o porquê de ela não querer aparecer muito, ainda que seu nome e idade sejam citados. Ela prefere o anonimato como escritora?

Para finalizar, ressalto que, dentro do modelo de observação que faço, seguindo o exemplo da Folha de S. Paulo, não tenho a obrigatoriedade de falar sempre de todos os textos. Posso fazer observações variadas sobre partes do Portal, tanto positivamente quanto negativamente, como fiz agora neste texto. Deixo uma coluna da atual ombudsman da Folha, Paula Cesarino Costa, como exemplo AQUI.

--

--