Quem se importa?

Na internet, há nichos para tudo, até para as vidas de gente comum. Nesse mundo, onde está o limite entre “interessante” e “pessoal demais”?

Amanda de Vasconcellos
O Prontuário
4 min readOct 18, 2020

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A quarentena tem me obrigado a empregar mais metalinguagem que o ideal neste blog. Enquanto semana passada relatei a angústia de não querer escrever, esta semana minha angústia foi muito mais não saber sobre o que escrever. E, embora eu tenha alguns temas sobre os quais ainda quero falar eventualmente, todos eles são um pouco mais trabalhosos, e passei por uma semana especialmente improdutiva.

O que eu fiz para vencer o bloqueio criativo, então, foi apelar.

“writing prompts blog”, pedi ao Google, pronta para descobrir o que meus leitores receberiam esta semana. Não vou negar: as ideias estão por aí e são abundantes! Só na primeira página, achei dezenas de listas com dezenas de comandos para posts em blogs. E eu certamente poderia ter vasculhado todas elas para contrapor a percepção que inspirou este texto, mas, sejamos honestos: por que raios eu faria isso?

A inspiração veio indiretamente ao olhar para o tema comum à maior parte das sugestões: a vida do autor. Eram quase sempre do naipe “conte sobre algo que você aprendeu esta semana”, “conte sobre uma vez em que você percebeu que estava errado”, “conte sobre uma pessoa que te marcou muito”. Não que eu não escreva sobre esse tipo de ideia… É bem o contrário, eu escrevo sim. Escrevo muito. Escrevo mais do que deveria. Só que uma questão sempre me vem à mente quando a personagem central do texto da semana sou eu mesma: quem se importa?

Vejam que não busco aqui entrar em uma espiral autodepreciativa: sei que há quem se importe comigo, e sei que há quem goste das crônicas que escrevo. A pergunta é um pouco mais geral: quem se importa com conteúdo pessoal de estranhos?

Decerto, eu adoro saber das histórias de meus amigos, e adoro contar das minhas para eles. Pelo amor de Deus, sou mineira! Contar causos é quase parte da cultura, que seria de mim sem minhas histórias? Entretanto, é uma coisa sentar na mesa de bar e rir da tragicomédia que foi o dia em que tive apendicite, e outra totalmente distinta contar para todo o mundo desse mesmo evento. Muita gente riu do jeito como tirei sarro de mim mesma no meu texto sobre apendicite, mas, de novo, quem se importa? Será que não fui pessoal demais? Será que não estou expondo minha vida em demasia? Será que não estou tentando massagear meu ego com uma plateia inexistente?

Mas é claro, eu não consigo escrever um texto sem bancar a advogada do diabo, e aqui cito às várias conversas que já tive com o guru deste blog: na internet, há nicho para tudo. Análises de vestuário em séries históricas? Disponíveis. Perguntas sobre cadáveres? Sim, é claro! Pessoas sussurrando nomes de cidades? Sim, também temos. Num ambiente tão bizarro, não é estranho que haja um nicho para as histórias de gente aleatória. E até fora dele! Afinal de contas, a crônica não é um gênero textual que surgiu ontem. Em resposta à pergunta central deste texto: alguém se importa.

De qualquer forma, todas as vezes que decido escrever sobre mim mesma em vez de sobre algum tema de interesse mais geral, surge o conflito: eu deveria mesmo me expor dessa forma? E, mesmo que a exposição por si só não seja um problema, será que esse conteúdo é interessante? Ou será que estou apenas massageando meu ego, fingindo que estou atendendo a um nicho quando, na verdade, estou entregando textos medíocres? E as perguntas deste parágrafo, será que não são íntimas demais?

Contudo, a julgar pelas métricas de crônicas-demasiadamente-pessoais prévias, parece que realmente há alguém que se importa quando eu faço meus overshares, e talvez eu eventualmente me arrependa de tê-los feito. Me esforço sempre para não exagerar na minha exposição, mas pareço ter alcançado um ponto de equilíbrio interessante. A internet é um lugar que só fica cada vez mais bizarro aos meus olhos: onde mais eu poderia encontrar alguém interessado nas minhas intermináveis reflexões, que nem sempre são satisfatoriamente conclusivas?

(Por sinal, talvez semana que vem eu entregue para vocês uma vez em que eu estava errada, ou uma pessoa que me marcou muito. Este blog às vezes surpreende até a mim.)

Obrigada por ler este texto! Se tiver gostado, não esqueça de deixar seus aplausos (de 1 a 50), e me conte nos comentários: você gostou apesar do tom pessoal ou justamente por causa dele?

Escrevo algo novo (com níveis variados de pessoalidade) toda semana, então, se não quiser perder, te recomendo que me acompanhe nas redes sociais. Até a próxima!

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