Autismo em Mulheres: 8 Coisas Que Mulheres Autistas Gostariam Que Você Soubesse

Amanda de Vasconcellos
O Prontuário
Published in
9 min readApr 1, 2020

O post de hoje é um pouco diferente: não é algo que eu escrevi. É, na realidade, uma transcrição (e tradução) desse vídeo:

Como abril é o mês da conscientização sobre autismo, e como 2 de abril especificamente é o dia mundial da conscientização sobre autismo, resolvi trazer um pouco de informação sobre o tema. Eu acho esse um dos vídeos mais honestos sobre as experiências que pessoas autistas vivem na prática — no caso, mulheres autistas. Não é um vídeo técnico, que explica científicamente o autismo, mas sim um relato de 5 mulheres que vivem com essa condição, sendo elas:

  • Kirsten, diagnosticada aos 19;
  • Sybelle, diagnosticada aos 27;
  • Morénike, diagnosticada aos 32;
  • Amy, diagnosticada aos 11;
  • Joan, diagnosticada aos 13.

Quando as pessoas pensam em uma doença, elas pensam em algo que é degenerativo, e que vai te machucar e te matar. Autismo não é uma doença, é uma deficiência do desenvolvimento, se trata de vivermos as melhores vidas possíveis com essa condição — Amy

1. Autismo abrange um espectro amplo

Kirsten: Você sempre ouve aquela coisa de “Você não parece autista”. Autismo é algo interno, não externo. Ninguém “parece autista”.

Autismo não é um espectro linear, de alto ou baixo, é um monte de vários traços que possuem seus próprios espectros. É uma bagunça estranha em 3D.

Sybelle: Quando as pessoas descobrem [sobre eu ser autista], a primeira coisa que elas dizem é tipo “Você não age como autista”. Eu tive que passar por muita coisa para aprender como mascarar minhas idiossincrasias.

Morénike: Autismo é simplesmente uma maneira diferente de ver, pensar, e interagir com o mundo. Eu vejo o autismo como uma experiência de realidade.

Amy: Os termos “alto e baixo funcionamento” são usados por pessoas que estão falando sobre o autismo de uma perspectiva externa, então, em vez de usar esses termos, nós preferimos dizer “altas e baixas necessidades de suporte” para descrever dois diferentes extremos do espectro em que alguém pode se encaixar.

2. Nós temos emoções

Sybelle: Eu definitivamente discordo da ideia de que nós não somos emotivas. Eu acho que nós somos, na verdade, altamente emotivas. Eu acho apenas que, frequentemente, não expressamos isso da maneira como as pessoas esperam.

Nós estamos sentindo, as emoções estão lá, é só que elas às vezes podem não aparecer, e outras vezes podem ser expressadas com exagero.

Kirsten: Eu gosto da comparação com os Vulcanos. No universo de Star Trek, os Vulcanos sentem mais intensamente que os humanos, eles só não demonstram isso.

Joan: Às vezes nós vamos chorar, e pode ser em momentos estranhos… Quer dizer, você pode achar que eles são estranhos, eu não acho que eles sejam estranhos.

Morénike: Pode ser tão pesado, eu sou tão intensa que, para funcionar, tenho que ficar parada, ou desligar um pouco.

Amy: Nós não conseguimos filtrá-las, então nós desligamos para processar todas essas emoções.

3. Interações sociais podem ser desafiadoras

Joan: É preciso muito esforço para que eu mantenha a postura que estou expressando agora. Isso requer muita atenção consciente. Habilidades sociais são como um músculo para nós.

Amy: As pessoas às vezes me dizem “Ah, você é tão funcional, eu nunca ia saber que você tem autismo se você não me dissesse”, e eu digo “Bem, você não vive dentro de mim, você não sabe como às vezes é difícil até mesmo passar por um dia”.

Morénike: É muito esgotante. Eu preciso me preparar para estar até mesmo com as pessoas com quem me importo, e de quem gosto de estar perto.

Kirsten: Pessoas autistas fazem manualmente todas as pequenas coisas que todo mundo faz automaticamente, então isso vai se acumulando.

Eu estou, em certo grau, consciente do que estou fazendo com cada parte do meu corpo, e me esforçando muito para isso.

4. Diagnósticos podem acontecer em qualquer idade

Amy: Muitas mulheres autistas que conheço não foram diagnosticadas até seus 20, 30 anos, ou até mais tarde. Isso é em grande parte porque nós diagnosticamos autismo usando critérios que foram criados observando garotos, e autismo é diferente em garotas.

Morénike: Qualquer um pode estar no espectro, mas as pessoas não esperam ver nele alguém que se parece comigo ou com meus dois filhos mais novos, que também estão no espectro.

Eu só fui diagnosticada no começo dos meus 30 anos, depois que meus filhos receberam o diagnóstico. Eu não acho que teria sido diagnosticada de outra forma. Mulheres são subdiagnosticadas, especialmente mulheres negras, e eu acho que também há essa ideia da mulher negra forte, que tem que ser capaz de sustentar a família e de seguir em frente sem cuidar das suas próprias necessidades, sem priorizar o autocuidado. Nós só vamos sendo deixadas de lado pela maioria de nossas vidas.

Sybelle: Eu descobri sobre a Síndrome de Asperger (N.T.: autismo de alto funcionamento/baixa necessidade de suporte) quando já era uma adulta. Na época, encontrar um médico foi realmente difícil, porque as pessoas diziam “Ah, mulheres não têm isso”, e outras diziam “Bem, você é funcional demais”.

Sabe, agora eu me sinto muito melhor. Eu me sinto tipo “Ok, eu sei por que eu sou assim, eu sei por que as outras pessoas são como são, então agora eu posso cruzar essa barreira”.

Kirsten: Eu lembro nas reuniões de pais, os professores diziam para a minha mãe que eu devia estar na educação especial, que eu era uma candidata ideal para estudar em casa, que tinha “algo errado com o meu cérebro” (eu lembro desse último, foi divertido).

5. As nuances de encontros e de sexo podem ser desafiadoras… Mas nós temos vidas sexuais

Kirsten: Você convida uma garota para o seu apartamento para assistir um filme e ela pensa que vocês estão só assistindo um filme. “Netflix e diversão” não significa literalmente “Netflix e diversão”. Isso acontece frequentemente quando você tem alguém que é inerentemente mais ingênuo, porque nós somos muito literais.

Às vezes pessoas autistas não chegam a receber qualquer tipo de educação sexual, que dirá sobre como se proteger no mundo real, de coisas como estupro em encontros. Esses são tópicos que não são ensinados para adolescentes autistas, porque adultos não querem lidar com isso.

Um dos traços do autismo é não ler as entrelinhas das interações sociais, e é esperado que muito do namoro e da sexualidade seja indireto e súbito, e é inapropriado falar diretamente sobre sexo, mesmo quando você está ensinando sobre isso.

Em educação sexual, a maior parte do que eles ensinaram foi sobre a mecânica, e ninguém ensina os aspectos sociais, e, honestamente, é nisso que os autistas sinalizam para todos que tem algo errado. Ensinar sobre os aspectos sociais da sexualidade ajudaria a todos. Pessoas autistas precisam disso, mas isso beneficia a todos.

Amy: Nós pensamos que pessoas do espectro não estão interessadas em sexo, que não têm nenhum tipo de desejo ou interesse sexual, e isso só não é verdade. Nós podemos precisar de mais suporte para aprender como fazer isso acontecer, porque nós não entendemos naturalmente as nuances que estão envolvidas nisso, e há muitas nuances.

Pessoas no espectro autista, especialmente mulheres, têm mais chances de sofrer assédio sexual ou de passar por algum incidente violento que a população neurotípica (não autista). Nós somos muito vulneráveis, e nós definitivamente podemos confiar mais nas pessoas, porque nós somos honestas e diretas, então nós não pensamos que os outros podem estar sendo desonestos e tentando nos machucar.

Sybelle: Tem essa história em que as pessoas acreditam, de que pessoas no espectro não têm relacionamentos, e que se elas os têm eles nem chegam a um estágio sexual. Ter ou não essas coisas não determina se alguém está ou não no espectro.

Morénike: Algumas das maneiras como eu mostro amor, e que [meu marido] inicialmente pode ter achado estranhas, ele agora entende que são somente a minha linguagem amorosa, meu jeito de me comunicar, e eu sinto que ele funciona como meu intérprete para o mundo.

6. Nós temos vários interesses diferentes

Joan: Tem esse estereótipo de que todo mundo com autismo gosta de ciência e matemática, como em Rain Man, mas muitas pessoas com autismo, mulheres especialmente, gostam das artes. Eu recentemente cantei no Carnegie Hall, eu sou uma escritora…

Kirsten: Na minha experiência, garotas autistas são tão obsessivas quanto garotos autistas, elas só são obcecadas com livros de fantasia, ou com suas bandas favoritas, ou algo desse tipo, e não com aviões, trens, ou carros.

Morénike: Eu sou mais uma pessoa da literatura e das ciências sociais, e eu conheci muitas outras pessoas no espectro que gostam de linguagens, música, ou arte, e eu acho que nós somos excelentes em algumas dessas áreas menos tradicionais.

Sybelle: Eu definitivamente comecei com o interesse na astronomia, e eu acabei sendo uma das finalistas do Mars One, mas isso tende a ser um estereótipo, e eu caí nesse estereótipo.

Amy: Quando eu era mais nova, não tinha nenhum escape, ninguém queria me ouvir falar, então eu senti que não podia ser eu mesma, e decidi escrever.

7. Bullying é um saco

Sybelle: As pessoas pegavam no meu pé por uma porção de coisas, e eu não sabia por que, eu não sabia o que eles viam em mim que era diferente, ninguém me contava. Era como alguém fazendo piada com um cego, só que nesse caso eu era cega socialmente.

É muito difícil passar por muitos e muitos anos, especialmente como criança, sem nenhum amigo, sem ninguém para estender uma mão amiga para você. Finalmente ter amigos é algo tão, tão especial!

Morénike: Eu me senti estragada, eu me senti estranha, eu me senti diferente, tudo era tão simples para as outras pessoas, eles entendiam tudo tão facilmente, e eu não conseguia compreender, eu não conseguia fazer. Eu só não entendia o que tinha de tão errado comigo.

Amy: Eu vivi percalços e dificuldades com o bullying e com pensamentos suicidas desde nova. Eu diria que todos começamos de algum lugar, mas esse não é necessariamente onde vamos terminar, e você tem que acreditar que vai haver um futuro. Eu não acreditava naquele ponto, eu não sabia que eu ia sequer ter um futuro.

Joan: À medida que fiquei mais velha, e fui passando pelo ensino médio, pela faculdade, pelo trabalho, fui vendo tanta gente mal encaixada, tanta gente que irritavam na infância, então você finalmente encontra sua tribo.

8. As coisas estão melhorando

Amy: Eu acho que se aquela garotinha de dez anos pudesse ver como sua vida ia ser agora, ela não ia acreditar, ela ia pensar que era algum tipo de conto de fadas, ou algo tirado de um filme. Eu mal consigo acreditar, porque às vezes parece um sonho que eu cheguei onde estou, que eu tenho um mestrado, que eu abri minha própria empresa, e eu ao mesmo tempo eu consigo acreditar, porque eu trabalhei por isso, então estou disposta a dar para mim mesma o crédito que eu acho que eu mereço, o que também é algo com que batalhei.

Eu adoraria ver cada pessoa autista desenvolvendo seu potencial completo, qualquer que seja ele. Sucesso se trata do seu filho crescer para se tornar a melhor versão de si mesmo, seja ela qual for.

Morénike: Eu queria poder voltar para aquela pequena Morénike e dar a ela um abraço, e dizer para ela que ela é boa o bastante do jeito que ela é, e que vai ficar tudo bem com ela.

Joan: Eu acho que as coisas vão ser muito melhores para a próxima geração. Eu estou, na verdade, muito esperançosa. Vão dar mais diagnósticos às crianças e vai haver mais aceitação social.

Kirsten: Seu filho pode estar ficando para trás agora, mas ele não vai ficar atrás para sempre. Seu filho é um ser humano completo, que vai crescer e mudar como qualquer outro.

Obrigada por ler esse texto! Eu adoraria saber o que você achou nos comentários, e, se gostou, por favor, dê seu “aplauso” (de 1 a 50) aqui embaixo. Me diga também se gostou da proposta diferente de hoje, de trazer uma tradução em vez de conteúdo original. Clique aqui para me encontrar nas redes sociais e não perder os próximos posts :)

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