A creator economy virou uma roda para hamsters que simula o caos online

Balizado pelo 2023 Creator Report, Linktree questiona a corrida interminável pela atenção e manda um sonoro “F The Algorithm”, destacando a necessidade do rompimento com o “intermediário algorítmico”, que determina o sucesso de uma minoria dentro de uma indústria saturada de conteúdos e abarrotada por 200 milhões de criadores

Eduardo Mendes
7 min readOct 2, 2023

O Top Creators 2023 apresentado pela Forbes na última semana não trouxe surpresas. A lista é encabeçada por MrBeast, cuja arrecadação no ano bateu US$ 82 milhões, seguido por KSI Online e Jake Paul. Juntos, os três primeiros tiveram ganhos de US$ 140 milhões, o que representa 20% do total gerado pela lista composta por 50 nomes.

Os “influenciadores mais poderosos” acumulam 2,6 bilhões de seguidores e levantaram US$ 700 milhões, 20% a mais do que os US$ 570 milhões de 2022.

A relação e seus números estratosféricos endossam o clima de obalização a cerca da creator economy, mas expõe, indiretamente, a verdadeira “roda de hamster”que impede uma maioria de criadores mal remunerada de sair do “caos da internet.”

Com a metáfora do aparato para correr e o movimento que lembra um looping infinito, a Linktree divulgou o seu 2023 Creator Report, expondo a realidade pouco glamourosa desta indústria.

A plataforma de social-linking questiona a corrida interminável pela atenção e manda um sonoro “F The Algorithm”, destacando a necessidade do rompimento com o “intermediário algorítmico”:

“As coisas que os algoritmos de pesquisa priorizam não correspondem ao que os criadores priorizam (…) Nas redes sociais, atender ao algoritmo leva ao ‘colapso do conteúdo’. Em outras palavras, a mesma me%$# é servida continuamente.”

Vejam os principais dados reveladores trazidos pelo Linktree:

Mais de 200 milhões de criadores estão competindo por uma fatia do mercado

2% dos criadores ganharam mais de US$ 50 mil

72% dos criadores receberam menos de US$ 500

40% das pessoas “sentem-se sobrecarregadas com a enorme quantidade de opções na internet”

A capacidade de atenção humana é 1/3 do que era em 2004

Os usuários do Linktree postaram 100 milhões de links para 7,5 milhões de sites diferentes desde o início de 2022

Em média, os usuários de redes sociais têm sete perfis (com o Threads chegarão a 8?)

Os sites mais populares aos quais os criadores têm links são Instagram, Youtube e TikTok

Porém, essas grandes plataformas representam 0% do total de links criados no Linktree desde o início de 2022. Isso mostra a extrema variedade de conteúdo que ainda está competindo por aí

3/4 dos criadores querem diversificar o que produzem, mas sentem pressão para continuar ganhando o que é recompensado pelo algoritmo

0% dos criadores que veem engajamento em seu link do Discord tiveram menos de 1.000 visualizações totais de seu Linktree. Este é um sinal precoce, mas mostra que os pequenos criadores estão otimistas quanto ao valor da criação de uma comunidade

Desde o início de 2022, a receita média mensal paga aos criadores aumentou mais de 25%, indicando que cada vez mais pessoas conseguem ganhar dinheiro direto com seus fãs

Atrelada às estatísticas, foram incorporados ótimos insights que nos levam a refletir sobre o momento de saturação das redes sociais e do seu modelo de alcance baseado em cliques e curtidas. Selecionei alguns deles:

“Alerta de spoiler: não se trata de ‘criar mais conteúdo’”

“Seja dono do seu público. O que você construiu pertence a você, não aos senhores da mídia social”

“Construir uma comunidade permite relacionamentos autênticos com pessoas que farão um esforço extra para se envolver com tudo o que você faz”

“Comunidades leais ajudam você a aproveitar a onda de mudanças nos algoritmos, tornando-o menos dependente deles.Desde o ano passado, vimos as plataformas comunitárias e os recursos que permitem interações diretas com os fãs crescerem substancialmente”

“Você não precisa de muitos seguidores para se beneficiar de uma abordagem focada na comunidade”

“Não ter que depender de fundos de criadores, negócios de marca e verbas publicitárias é um grande passo para o sucesso financeiro a longo prazo”

O cenário caótico abarrotado pelo excesso de conteúdos também impacta diretamente o outro lado do balcão, ou seja, as empresas que impulsionam esta economia.

Segundo dados da Martech , existem 11.038 soluções para este mercado e, acredite, uma parcela significativa delas atua no âmbito da economia criadora. São plataformas comunitárias, agências de marketing de influência e outros serviços e produtos publicitários que atraem os players deste segmento, incluindo o capital privado.

O investidor Ilya Galushin trouxe uma “perspectiva honesta sobre a questão do lado do empreendedorismo”, na tentativa de explicar “por que a economia dos criadores está quebrada” e como é possível “consertá-la.”

Primeiro, ele reforça o que o Linktree mostrou em seu estudo: uma minoria, de fato, é bem remunerada para ocupar-se como um creator 100% do seu tempo.

“Apenas 4% dos criadores ganham mais de US$ 100.000 anualmente. Para oferecer uma referência comparativa, este rendimento anual está alinhado com o de um gestor de marketing de nível médio dentro de uma empresa americana média”, comparou Galushin.

O segundo problema diz respeito à obsessão por criar ferramentas ao invés de soluções. Baseado nas informações da Martech, o insider dir que existem 428.744 agências de publicidade globais e nenhuma empresa detém mais de 5% de participação de mercado.

“Por que isso é ruim? O estado atual da economia criadora é semelhante ao Velho Oeste , onde todos lutam por si próprios. Alguns refinam continuamente recursos insignificantes do produto que não resolvem a raiz dos problemas. Outros aumentam discretamente as porcentagens de comissão. E há aqueles que aumentam silenciosamente o número de seguidores com bots para garantir assinantes iniciais e, esperançosamente, seus primeiros pedidos de publicidade”, justificou.

Conforme lembrou Galushin, já foram transcorridos mais de 20 anos desde que entramos na era da economia criadora, começando com os primeiros dias do YouTube.

Todos os fatos relatados acima endossam o movimento disposto a romper com este modelo extremamente deteriorado. E o Linktree é só mais um a jogar luz sobre a realidade desta indústria, deixando um recado direto e repleto de insatisfação em relação ao atual momento:

“Crie coisas que façam sentido para você e não um algoritmo. Monetize seu trabalho de uma forma simples e significativa para seu público.”

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Eduardo Mendes

Advisor for Culture and Innovation | Co-Founder na The Block Point | Web3 & New Technologies | Strategy, Research & Content | Sports | Entertainment | Media