Pense Pequeno: Mecânicas principais e core loop

A base do seu jogo

Thais Weiller
Game Start

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Você já deve ter ouvido falar de core loop. Se não ouviu, ainda dá tempo de fingir o contrário. De qualquer forma, core loop é o fluxo de ações principal que compõe um jogo. É o que você vai fazer do começo ao fim do jogo, com algumas variações. Se você realmente procurou por core loop no google, deve ter visto vários exemplos de cow clickers com plantar recurso > esperar tempo > recolher recurso > comprar mais recurso > plantar recurso e deve estar pensando "que bosta de conceito, só serve pra esses jogos bosta" e é aí que você se engana: o core loop está em todo lugar.

Um exemplo simples de core loop é Shadow of the Colossus: Procurar monstro>achar monstro>matar monstro>procurar monstro de novo. Ou o de um RTS padrão, que é coletar recursos>construir unidades e bases>fazer upgrades nas unidades e bases>aumentar área de controle>coletar recursos.

O core loop é a unidade básica de qualquer jogo e ele precisa representar o leitmotif do mesmo. Se o jogo visa ser divertido, o core loop precisa ser divertido. Se o jogo deve ser trágico, algo no core loop tem que remeter a essa tragicidade. Um bom exemplo de core loop trágico pode ser visto em This War of Mine, onde toda gameplay é baseado em fazer escolhas de gerenciamento para evitar perdas. Entretanto, elas sempre acontecem, pois essa é a mêcanica do jogo. Ao basear o funcionamento principal em uma mecânica de perda, o jogo enfatiza ainda mais para os jogadores a sensação lúgubre e trágica do jogo.

Um jogo precisa ter um core loop que o complemente, faça sentido e seja atraente e divertido o suficiente para o jogador continuar fazendo-o o jogo inteiro. Logo, não saia criando o lore, a história do mundo em cinco gerações pra trás ou todo o sistema de upgrades antes de ter um core loop que funcione. Por isso, mais uma vez: faça um protótipo do core loop. Já fez? Faça mais um, pro santo, pra dar sorte, pra exu, pra crom, pra sagan ou seja o que for que você acredite.

Agora pense no seu jogo. Pense no seu leitmotif. Pense em o que você quer que o jogador faça no jogo. O core loop está enfatizando a sensação que o leitmotif quer passar? Se você não tem certeza absoluta, faça um protótipo. Se você tem certeza absoluta que passa, faça dois protótipos. É sério, não é que eu não confio em você; o que eu não confio é na sua capacidade de julgamento em relação a algo que você está tão apaixonado sobre. E você também não devia.

Vamos falar mais sobre protótipos mais para frente, mas, no momento, pense nele como uma prova que o seu core loop funciona. Da mesma forma, não saia pensando ou fazendo todo o resto do jogo antes de ter feito as decisões relevantes ao core loop. Criar conteúdo ou sistemas antes de fechar essas coisas leva apenas a duas coisas: trabalho jogado fora e a evitar fazer mudanças necessárias por medo do trabalho que vai ser jogado fora. Ou seja, duplo trabalho jogado fora.

Claro, problemas podem ser descobertos a qualquer momento do desenvolvimento, e trabalho vai ser jogado fora em qualquer jogo, mas se temos a possibilidade de diminuir esse desperdicio, por que não?

Muitas coisas podem acontecer assim que você montar o protótipo. Pode não estar ótimo, mas com melhorias fáceis de visualizar. Pode estar estranho, precisando ganhar ou perder parte das funcionalidades. Pode estar um lixo completo que precisa ser repensado do zero.

O que ele nunca, nunca, nunquinha vai estar na primeira implementação é perfeito. Se você acha que está, teste com outras pessoas. Nenhum protótipo nunca estará, em sua primeira implementação, tão bom que não possa melhorar.

Após algumas modificações, pegue o protótipo do core loop, jogue-o. Ele passa seu leitmotif e ao mesmo tempo está interessante? Faz você querer continuar jogando? Se não, volte a fazer algumas mudanças. Se sim, dê para mais pessoas jogarem e perguntem para elas o que elas acharam, como elas se sentiram, como o jogo pareceu para elas. Tente passar o mínimo de informações sobre seu objetivo para o jogo nessa conversa pois você pode acabar contaminando as impressões da sua cobaia/jogador. Você quer saber das primeiras impressões do jogador de forma neutra e não ter as suas impressões repetidas a você por um terceiro.

Não limite iterações e mudanças no protótipo. Não controle sua vontade de testar as coisas mais loucas. Essa é a hora de testar coisas loucas, essa é a hora de mudar e testar várias coisas diferentes. No desenvolvimento, com parte do jogo mesmo pronto, você não tem essa liberdade de mudar de direção ou jogar partes do jogo fora porque muitas horas já foram gastas implementando-as.

No final desse processo, você deve deve ter uma boa idéia de qual é seu core loop, o que funciona com ele e o que pode ser jogado fora. Tente sempre tentar se limitar ao básico, ao essencial para realçar o seu leitmotif. Não importa que a história ou a arte vão falar disso também, seu jogo é um jogo. Se ele tem uma mensagem, ela tem que estar presente também nas mecânicas do jogo.

O core loop é o que resta quando você limpa todos os shennenigans de arte e mecânica, é a base do seu jogo. Dessa forma, você precisa ter um bom entendimento dessa base para tomar suas decisões sobre o que realmente é importante no futuro com mais clareza e serenidade.

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