Minuciosa Oração — Capítulo X: Amém
Nessa pequena série, estudamos os aspectos da “Oração do Pai Nosso”, que Jesus ensina aos discípulos como modelo, para que sirva como aprendizado sobre nossa forma de orar.
A série foi dividida em dez capítulos, falando de cada trecho da oração e explorando a oração de forma cuidadosa.
Chegamos ao nosso derradeiro capítulo. Falar e estudar a respeito da oração do Pai Nosso foi recheado de gratas surpresas e novidades que a Palavra de Deus sempre revela nos seus detalhes. São tesouros escondidos, como dizia o texto de Isaías:
Dar-te-ei os tesouros escondidos, e as riquezas encobertas, para que saibas que eu sou o Senhor, o Deus de Israel, que te chama pelo teu nome. — Isaías 45:3 (ACF)
Falamos, em detalhes, a respeito da Oração em um aspecto geral, Paternidade de Deus, o seu Santo Nome, o Reino de Deus, sua Vontade, o pão de cada dia, o perdão, tentações e o mal. Chegamos ao último capítulo onde falaremos a respeito das palavras finais:
porque teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém. — Mateus 6:13 (NVI)
Essas três expressões são chamadas doxologia, que significa a outorga de glorificação à divindade. E no caso da oração do Pai Nosso, a sua aplicação, ainda que teologicamente correta e irrefutável, textualmente é motivo de polêmica. Isso porque nas versões católicas essa doxologia não existe, sendo a oração encerrada com o “amém” no missal. Contudo, especialmente após Calvino, as versões bíblicas da Igreja protestante contém a inclusão da doxologia. Vejamos algumas diferenças nos textos, além da Nova Versão Internacional já apresentada:
E não nos conduzas à tentação; mas livra-nos do mal; porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém. (ACF)
e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. (Versão Católica)
Não deixes que caiamos durante a tentação, mas livra-nos do mal. Isto te pedimos! (O Livro)
E não nos conduzas à provação severa, e mantém-nos a salvo do Maligno. Porque o Reino, o poder e a glória são teus para sempre. Amen. (Bíblia Judaica)
A Bíblia King James Version (KJV) traz o mesmo sentido da NVI, bem como a Sociedade Bíblica Britânica carrega o mesmo conteúdo da Versão Católica. Algumas versões, quando incluem a doxologia, a fazem dentro de algum atributo gráfico como destaque, como parênteses, colchetes ou chaves. Algumas versões (NVI e Judaica, por exemplo) fazem referência de que a doxologia não é encontrada em todos os manuscritos, sendo que a versão judaica destaca que ela não está presente “nos mais antigos”.
Doxologia parecida encontramos nas falas do Rei Davi, conforme ensinam os luteranos¹:
Cr 29.11. Neste constam preparações para a construção de um santuário. As contribuições voluntárias são abundantes. A alegria é geral. Foi então que o idoso Davi orou perante toda a congregação, iniciando com uma glorificação do Senhor, ‘’Deus de nosso pai Israel’’, dizendo: ‘’Bendito és tu, Senhor, de tempo indefinido a tempo indefinido. Tua, Senhor, é a grandeza, o poder, a honra, a vitória e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu, Senhor, é o reino’’ (vv.10ss). Pertence ainda a esta doxologia a convicção de que Deus prova os corações e se regozija com a sinceridade (v.17). Confessando a permanência divina, Davi relembra que nós, os homens, ‘’não temos permanência .. somos peregrinos como todos os nossos pais; como a sombra são os nossos dias sobre a terra’’(v.15).
Não há, portanto, um consenso. O mais seguro, para falarmos a respeito do que foi dito por Jesus, é encerrar em “livrai-nos do mal”. O restante, incluindo o “amém”, podem ser tão somente acréscimos com base naquilo que era dito nos primeiros anos.
Contudo, fazendo ela parte das Escrituras Sagradas que até nós chega, é importante falar a respeito do que cada coisa representa.
Arthur Walkington Pink foi um brilhante professor e teólogo inglês. Em um estudo a respeito da doxologia, traz considerações importantes a respeito²:
“Pois Teu é o Reino, e o poder, e a glória”. Que encorajamento há aqui! Especialmente duas coisas inspiram confiança para com Deus na oração: a percepção de que Ele está disposto e de que Ele é capaz. Ambas são indicadas aqui. Que Deus nos manda, através de Cristo, Seu Filho, nos dirigirmos a Ele como o nosso Pai é uma indicação do Seu amor e uma certeza do Seu cuidado por nós. Mas Deus também é o Rei dos reis, possuindo poder infinito. Esta verdade nos assegura da Sua suficiência e certifica a Sua capacidade. Como o Pai, Ele supre os Seus filhos; como o Rei, Ele defenderá os Seus súditos. “Assim como um pai se compadece de seus filhos, assim o Senhor se compadece daqueles que O temem” (Sl 103:13). “Tu és o meu Rei, ó Deus; ordena salvações para Jacó” (Sl 44:4). É pela honra e glória do próprio Deus que Ele manifesta o Seu poder e Se mostra forte em favor dos Seus. “Ora, àquEle que é poderoso para fazer tudo mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera, a Esse glória na igreja, por Jesus Cristo, em todas as gerações, para todo o sempre. Amém” (Ef 3:20, 21). (PINK, p. 32–33)
Nesse trecho, temos a oportunidade de louvar a Deus demonstrando que reconhecemos ser Dele o Reino, o Poder e a Glória. Relembramos que do Senhor precede tudo aquilo que o Rei dos Reis possui, dentro de sua grandeza, destinando a Ele as dimensões majestosas. Reiteramos nossa submissão a esse Deus que é tão maravilhoso.
Em seguida, falamos da eternidade, ao dizer “para todo sempre”. A doxologia nos traz à memória que o Reino de Deus é Eterno e que Ele, somente, detém o poder e a glória por toda a eternidade. É ao mesmo tempo a segurança que lembramos para que amanhã Deus estará da mesma forma sendo detentor do Reino, Poder e Glória.
Arthur Pink assim fala:
Quão notável é o contraste entre o Reino, poder e glória de nosso Pai e o domínio fugaz e a glória evanescente dos monarcas terrenos. O Ser glorioso a quem nos dirigimos em oração é “de eternidade em eternidade … Deus” (Sl 90:2). Cristo Jesus, em quem Ele é revelado e através de quem a oração é oferecida, é “o mesmo ontem, e hoje, e eternamente” (Hb 13:8). Quando oramos corretamente, olhamos para além do tempo na eternidade e medimos as coisas presentes pela sua conexão com o futuro. Quão solenes e expressivas são estas palavras “para sempre”! Os reinos terrestres declinam e desaparecem. O poder da criatura é insignificante e apenas por um momento. A glória dos seres humanos e de todas as coisas mundanas passa como um sonho. Mas o Reino e o poder e a glória de Jeová não são suscetíveis nem a mudança, nem a diminuição, e não conhecerão fim. Nossa bendita esperança é de que, quando os primeiros céus e terra tiverem passado, o Reino e o poder e a glória de Deus serão conhecidos e adorados em sua maravilhosa realidade por toda a eternidade. (PINK, p. 34)
Por fim, encerra-se a oração com o “Amém”. E gostaria de falar em especial dessa palavrinha que faz parte do nosso cotidiano.
A palavra amém aparece 56 vezes em toda Bíblia , sendo 28 vezes em cada Testamento. No Antigo Testamento, a palavra hebraica usada é “amen”, uma afirmação positiva sobre algo dito. Aparece para maldições solenes(Nm 5:22; Dt 27:15) e após hinos de louvor a Deus(1Cr 16:36; Ne 8:6; Sl 41:13).
O estudioso Hans Bietenhard traz um significado profundo no seu Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento³:
“Através do ‘amém’, aquilo que foi falado é afirmado como certo, positivo, válido e obrigatório” . (BIETENHARD, p. 110)
O amém é um acrograma, ou seja, uma palavra que no hebraico equivale a “AMN”, ou Adonai Melech Neeman, que significa “Deus, Rei, Fiel”. Quando pronunciamos o “amém” dotamos do significado de concordância, de “assim seja”, mas ao mesmo tempo carregamos de louvor a Deus. A palavra, assim, é extremamente firme e poderosa.
Falar assim em nome de um Deus Rei e Fiel, acabamos por concordar com aquilo de mais poderoso que existe. Por isso falar “amém” a uma oração entoada por terceiro precisa ser feito de forma extremamente consciente.
Ainda Arthur Pink:
“Amém”. Esta palavra sugere as duas coisas exigidas na oração, a saber, um desejo fervoroso e o exercício da fé. Pois a palavra hebraica “Amém” (geralmente traduzida por “em verdade” ou “verdadeiramente” no Novo Testamento) significa “assim seja” ou “assim será”. Este duplo significado de súplica e expectativa é claramente sugerido no duplo uso do Amém no Salmo 72:10, “E bendito seja para sempre o Seu nome glorioso; e encha-se toda a terra da Sua glória. Amém e Amém” (Sl 72:19). Deus determinou que assim será, e toda a Igreja expressa o seu desejo: “Assim seja”. Este “Amém” pertence e se aplica a cada parte e cláusula da oração: “Santificado seja o Teu nome. Amém”, e assim por diante. Expressando o Amém, tanto em orações públicas como particulares, expressamos nossos anseios e afirmamos nossa confiança no poder e fidelidade de Deus. Em si mesmo é uma petição condensada e enfática: crendo na veracidade das promessas de Deus e descansando na estabilidade do Seu governo, tanto nutrimos como reconhecemos nossa confiante esperança em uma resposta graciosa. (PINK, p. 34)
Quando oramos o Pai Nosso, o “amém” ganha muita importância, já que a oração ensinada por Jesus é irretocável e perfeita. Nela encontramos glorificação a Deus, reconhecimento a respeito dEle, e petições daquilo que para nós é mais importante.
Conclusão
Ao longo de dez estudos falamos de forma minuciosa a respeito da Oração do Pai Nosso, ou a Oração do Senhor, como é conhecida por alguns. Amplamente repetida no cotidiano dos países cristãos, é na sua maioria das vezes rezada de forma pouco diligente, em formato de mantra, sem a percepção das dimensões que essa oração carrega, nem contudo tomá-la por referência para as demais orações que fazemos.
Espero que o leitor, que até aqui acompanhou, consiga ter plena consciência em seus momentos de oração sobre como tem sido feita sua conversa com o Eterno.
É fundamental lembrar que muito além dos pedidos para aquilo que nos é referente, devemos exaltar o Rei dos Reis e Senhor de nossas vidas, por tudo aquilo que lhe é devido. Sendo Ele nosso Pai dos Céus, cujo nome é Santo e cujo Reino deve a nós chegar. Reconhecer que Dele é a vontade perfeita. Após, sim, clamar por aquilo que nos é mais urgente: as necessidades básicas da vida física, o perdão dos nossos pecados e total compreensão disso, bem como proteger-nos do Inimigo.
A esperança deste escriba é que possamos aprimorar nossa Fé mediante a palavra, mediante o estudo dos referenciais ora indicados, capacitando melhor nossa oração como importante ferramenta de relacionamento nas nossas vidas.
Non nobis, Domine, sed nomini tuo ad gloriam.
Em Cristo,
Fellipe Fraga.
___________
Referências:
¹ Portal Luteranos, “O Pai Nosso: a Doxologia”. Disponível em: http://www.luteranos.com.br/textos/o-pai-nosso-a-doxologia
² PINK, Arthur M. “A oração do Senhor”. Providence Baptist Ministries, traduzido por Rodrigo Reis de Faria. 2013.
³ BIETENHARD, Hans. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vol. 1. São Paulo: Vida Nova, 2007. p. 110.