Minuciosa Oração — Capítulo X: Amém

Fellipe Fraga
Saber Teológico
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8 min readJun 9, 2019

Nessa pequena série, estudamos os aspectos da “Oração do Pai Nosso”, que Jesus ensina aos discípulos como modelo, para que sirva como aprendizado sobre nossa forma de orar.

A série foi dividida em dez capítulos, falando de cada trecho da oração e explorando a oração de forma cuidadosa.

Gruta do Pai Nosso — Jerusalém — Texto em Português do Brasil

Chegamos ao nosso derradeiro capítulo. Falar e estudar a respeito da oração do Pai Nosso foi recheado de gratas surpresas e novidades que a Palavra de Deus sempre revela nos seus detalhes. São tesouros escondidos, como dizia o texto de Isaías:

Dar-te-ei os tesouros escondidos, e as riquezas encobertas, para que saibas que eu sou o Senhor, o Deus de Israel, que te chama pelo teu nome. — Isaías 45:3 (ACF)

Falamos, em detalhes, a respeito da Oração em um aspecto geral, Paternidade de Deus, o seu Santo Nome, o Reino de Deus, sua Vontade, o pão de cada dia, o perdão, tentações e o mal. Chegamos ao último capítulo onde falaremos a respeito das palavras finais:

porque teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém. — Mateus 6:13 (NVI)

Essas três expressões são chamadas doxologia, que significa a outorga de glorificação à divindade. E no caso da oração do Pai Nosso, a sua aplicação, ainda que teologicamente correta e irrefutável, textualmente é motivo de polêmica. Isso porque nas versões católicas essa doxologia não existe, sendo a oração encerrada com o “amém” no missal. Contudo, especialmente após Calvino, as versões bíblicas da Igreja protestante contém a inclusão da doxologia. Vejamos algumas diferenças nos textos, além da Nova Versão Internacional já apresentada:

E não nos conduzas à tentação; mas livra-nos do mal; porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém. (ACF)

e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. (Versão Católica)

Não deixes que caiamos durante a tentação, mas livra-nos do mal. Isto te pedimos! (O Livro)

E não nos conduzas à provação severa, e mantém-nos a salvo do Maligno. Porque o Reino, o poder e a glória são teus para sempre. Amen. (Bíblia Judaica)

A Bíblia King James Version (KJV) traz o mesmo sentido da NVI, bem como a Sociedade Bíblica Britânica carrega o mesmo conteúdo da Versão Católica. Algumas versões, quando incluem a doxologia, a fazem dentro de algum atributo gráfico como destaque, como parênteses, colchetes ou chaves. Algumas versões (NVI e Judaica, por exemplo) fazem referência de que a doxologia não é encontrada em todos os manuscritos, sendo que a versão judaica destaca que ela não está presente “nos mais antigos”.

Doxologia parecida encontramos nas falas do Rei Davi, conforme ensinam os luteranos¹:

Cr 29.11. Neste constam preparações para a construção de um santuário. As contribuições voluntárias são abundantes. A alegria é geral. Foi então que o idoso Davi orou perante toda a congregação, iniciando com uma glorificação do Senhor, ‘’Deus de nosso pai Israel’’, dizendo: ‘’Bendito és tu, Senhor, de tempo indefinido a tempo indefinido. Tua, Senhor, é a grandeza, o poder, a honra, a vitória e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu, Senhor, é o reino’’ (vv.10ss). Pertence ainda a esta doxologia a convicção de que Deus prova os corações e se regozija com a sinceridade (v.17). Confessando a permanência divina, Davi relembra que nós, os homens, ‘’não temos permanência .. somos peregrinos como todos os nossos pais; como a sombra são os nossos dias sobre a terra’’(v.15).

Não há, portanto, um consenso. O mais seguro, para falarmos a respeito do que foi dito por Jesus, é encerrar em “livrai-nos do mal”. O restante, incluindo o “amém”, podem ser tão somente acréscimos com base naquilo que era dito nos primeiros anos.

Contudo, fazendo ela parte das Escrituras Sagradas que até nós chega, é importante falar a respeito do que cada coisa representa.

Arthur Walkington Pink foi um brilhante professor e teólogo inglês. Em um estudo a respeito da doxologia, traz considerações importantes a respeito²:

“Pois Teu é o Reino, e o poder, e a glória”. Que encorajamento há aqui! Especialmente duas coisas inspiram confiança para com Deus na oração: a percepção de que Ele está disposto e de que Ele é capaz. Ambas são indicadas aqui. Que Deus nos manda, através de Cristo, Seu Filho, nos dirigirmos a Ele como o nosso Pai é uma indicação do Seu amor e uma certeza do Seu cuidado por nós. Mas Deus também é o Rei dos reis, possuindo poder infinito. Esta verdade nos assegura da Sua suficiência e certifica a Sua capacidade. Como o Pai, Ele supre os Seus filhos; como o Rei, Ele defenderá os Seus súditos. “Assim como um pai se compadece de seus filhos, assim o Senhor se compadece daqueles que O temem” (Sl 103:13). “Tu és o meu Rei, ó Deus; ordena salvações para Jacó” (Sl 44:4). É pela honra e glória do próprio Deus que Ele manifesta o Seu poder e Se mostra forte em favor dos Seus. “Ora, àquEle que é poderoso para fazer tudo mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera, a Esse glória na igreja, por Jesus Cristo, em todas as gerações, para todo o sempre. Amém” (Ef 3:20, 21). (PINK, p. 32–33)

Nesse trecho, temos a oportunidade de louvar a Deus demonstrando que reconhecemos ser Dele o Reino, o Poder e a Glória. Relembramos que do Senhor precede tudo aquilo que o Rei dos Reis possui, dentro de sua grandeza, destinando a Ele as dimensões majestosas. Reiteramos nossa submissão a esse Deus que é tão maravilhoso.

Em seguida, falamos da eternidade, ao dizer “para todo sempre”. A doxologia nos traz à memória que o Reino de Deus é Eterno e que Ele, somente, detém o poder e a glória por toda a eternidade. É ao mesmo tempo a segurança que lembramos para que amanhã Deus estará da mesma forma sendo detentor do Reino, Poder e Glória.

Arthur Pink assim fala:

Quão notável é o contraste entre o Reino, poder e glória de nosso Pai e o domínio fugaz e a glória evanescente dos monarcas terrenos. O Ser glorioso a quem nos dirigimos em oração é “de eternidade em eternidade … Deus” (Sl 90:2). Cristo Jesus, em quem Ele é revelado e através de quem a oração é oferecida, é “o mesmo ontem, e hoje, e eternamente” (Hb 13:8). Quando oramos corretamente, olhamos para além do tempo na eternidade e medimos as coisas presentes pela sua conexão com o futuro. Quão solenes e expressivas são estas palavras “para sempre”! Os reinos terrestres declinam e desaparecem. O poder da criatura é insignificante e apenas por um momento. A glória dos seres humanos e de todas as coisas mundanas passa como um sonho. Mas o Reino e o poder e a glória de Jeová não são suscetíveis nem a mudança, nem a diminuição, e não conhecerão fim. Nossa bendita esperança é de que, quando os primeiros céus e terra tiverem passado, o Reino e o poder e a glória de Deus serão conhecidos e adorados em sua maravilhosa realidade por toda a eternidade. (PINK, p. 34)

Por fim, encerra-se a oração com o “Amém”. E gostaria de falar em especial dessa palavrinha que faz parte do nosso cotidiano.

A palavra amém aparece 56 vezes em toda Bíblia , sendo 28 vezes em cada Testamento. No Antigo Testamento, a palavra hebraica usada é “amen”, uma afirmação positiva sobre algo dito. Aparece para maldições solenes(Nm 5:22; Dt 27:15) e após hinos de louvor a Deus(1Cr 16:36; Ne 8:6; Sl 41:13).

O estudioso Hans Bietenhard traz um significado profundo no seu Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento³:

“Através do ‘amém’, aquilo que foi falado é afirmado como certo, positivo, válido e obrigatório” . (BIETENHARD, p. 110)

O amém é um acrograma, ou seja, uma palavra que no hebraico equivale a “AMN”, ou Adonai Melech Neeman, que significa “Deus, Rei, Fiel”. Quando pronunciamos o “amém” dotamos do significado de concordância, de “assim seja”, mas ao mesmo tempo carregamos de louvor a Deus. A palavra, assim, é extremamente firme e poderosa.

Falar assim em nome de um Deus Rei e Fiel, acabamos por concordar com aquilo de mais poderoso que existe. Por isso falar “amém” a uma oração entoada por terceiro precisa ser feito de forma extremamente consciente.

Ainda Arthur Pink:

“Amém”. Esta palavra sugere as duas coisas exigidas na oração, a saber, um desejo fervoroso e o exercício da fé. Pois a palavra hebraica “Amém” (geralmente traduzida por “em verdade” ou “verdadeiramente” no Novo Testamento) significa “assim seja” ou “assim será”. Este duplo significado de súplica e expectativa é claramente sugerido no duplo uso do Amém no Salmo 72:10, “E bendito seja para sempre o Seu nome glorioso; e encha-se toda a terra da Sua glória. Amém e Amém” (Sl 72:19). Deus determinou que assim será, e toda a Igreja expressa o seu desejo: “Assim seja”. Este “Amém” pertence e se aplica a cada parte e cláusula da oração: “Santificado seja o Teu nome. Amém”, e assim por diante. Expressando o Amém, tanto em orações públicas como particulares, expressamos nossos anseios e afirmamos nossa confiança no poder e fidelidade de Deus. Em si mesmo é uma petição condensada e enfática: crendo na veracidade das promessas de Deus e descansando na estabilidade do Seu governo, tanto nutrimos como reconhecemos nossa confiante esperança em uma resposta graciosa. (PINK, p. 34)

Quando oramos o Pai Nosso, o “amém” ganha muita importância, já que a oração ensinada por Jesus é irretocável e perfeita. Nela encontramos glorificação a Deus, reconhecimento a respeito dEle, e petições daquilo que para nós é mais importante.

Conclusão

Ao longo de dez estudos falamos de forma minuciosa a respeito da Oração do Pai Nosso, ou a Oração do Senhor, como é conhecida por alguns. Amplamente repetida no cotidiano dos países cristãos, é na sua maioria das vezes rezada de forma pouco diligente, em formato de mantra, sem a percepção das dimensões que essa oração carrega, nem contudo tomá-la por referência para as demais orações que fazemos.

Espero que o leitor, que até aqui acompanhou, consiga ter plena consciência em seus momentos de oração sobre como tem sido feita sua conversa com o Eterno.

É fundamental lembrar que muito além dos pedidos para aquilo que nos é referente, devemos exaltar o Rei dos Reis e Senhor de nossas vidas, por tudo aquilo que lhe é devido. Sendo Ele nosso Pai dos Céus, cujo nome é Santo e cujo Reino deve a nós chegar. Reconhecer que Dele é a vontade perfeita. Após, sim, clamar por aquilo que nos é mais urgente: as necessidades básicas da vida física, o perdão dos nossos pecados e total compreensão disso, bem como proteger-nos do Inimigo.

A esperança deste escriba é que possamos aprimorar nossa Fé mediante a palavra, mediante o estudo dos referenciais ora indicados, capacitando melhor nossa oração como importante ferramenta de relacionamento nas nossas vidas.

Non nobis, Domine, sed nomini tuo ad gloriam.

Em Cristo,

Fellipe Fraga.

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Referências:

¹ Portal Luteranos, “O Pai Nosso: a Doxologia”. Disponível em: http://www.luteranos.com.br/textos/o-pai-nosso-a-doxologia

² PINK, Arthur M. “A oração do Senhor”. Providence Baptist Ministries, traduzido por Rodrigo Reis de Faria. 2013.

³ BIETENHARD, Hans. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vol. 1. São Paulo: Vida Nova, 2007. p. 110.

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