A queda da Pitchfork

Tradicional publicação musical dos anos 2000 é mais uma a integrar lista de negócios de mídia que tornam-se insustentáveis financeiramente por não encontrar a receita da monetização na era do conteúdo abundante e gratuito — e carente de inteligência e qualidade — via redes sociais

Eduardo Mendes
4 min readJan 23, 2024

O anúncio da incorporação da Pitchfork à GQ ganhou ares de uma catástrofe para os millennials que cresceram nos anos 2000 e tinham a publicação como o guia essencial para aqueles que consideravam o bom gosto musical como um pilar da identidade.

Em uma época em que a Rolling Stone já exercia uma influência notória, a Pitchfork conquistou seu devido espaço movida por suas críticas obsessivas, audaciosas e muitas vezes desagradáveis. Em 28 anos, distribuiu um 10 para álbuns lançados somente 11 vezes, conforme lembrou Casey Newton.

Para o blog Decential Media, a decisão tomada pela Condè Nast , que adquiriu a marca independente em 2015, derruba uma das balaustradas da era da música na Internet ( e uma das últimas do género).

Este é mais um caso que integra a lista de negócios de mídia que tornam-se insustentáveis financeiramente por não encontrar a receita da monetização na era do conteúdo abundante e gratuito — e carente de inteligência e qualidade — via redes sociais.

Bandcamp Daily , MTV News , NPR , Vox Media e Los Angeles Times são alguns que sucumbiram-se nos últimos 12 meses.

O desfecho lamentável da história da Pitchfork carrega um enredo de crueldade pelo o que representou a publicação em quase três décadas: um lugar que assumiu o papel crucial na curadoria, na elevação de nichos e na valorização da arte acima da celebridade.

A visão da insider Tatiana Cirisano endossa o que representou a revista para a geração do milênio e para o mercado musical, como uma ferramenta para promoção e descoberta.

No ano passado, o Midia Research revelou que, embora o YouTube e TikTok sejam fontes mais populares para achar músicas, aqueles que encontram através de blogs e sites gastam mais dinheiro.

Um lugar que entrega contexto, história e análise, certamente, irá gerar conexões mais genuínas com o fandom.

A destruição da essência da Pitchfork é comparada por Cirisano à perda do terreno fértil para aquilo em que muitas empresas deveriam agora basear o seu futuro: nichos e superfãs.

Em 2024, veremos mais fusões como esta, sem dúvidas. Apesar da crise no setor, há um apetite de grandes corporações por empreendimentos criativos de propriedade coletiva.

Na semana passada, apresentei o case da Mundial e como pode funcionar o negócio das editorias de nicho: crescimento orgânico através de relações diretas em grupos privados.

O Decential Beat cita o estudioso Nathan Schneider e sua tese da saída para a comunidade como uma solução: startups geridas por pessoas que têm um interesse emocional, e não apenas financeiro, para o sucesso.

Na década das redes sociais, a mídia não soube se reinventar e, no fim, o dinheiro ainda é quem manda.

Basta ver o exemplo mais recente nos esportes: a Sports Illustrated foi praticamente dizimada no último fim de semana. Amanhã, trarei mais informações sobre a derrocada de uma das publicações esportivas mais tradicionais dos EUA.

É uma derrota dura para um movimento tímido de retomada da qualidade que desponta.

Em maio do ano passado, a The Block Point analisou detalhadamente a crise da mídia a partir da quebra da Vice e alertou: derrocada acontecia na sequência de quebras no setor, expondo saturação do modelo de alcance e cliques. Contra ditadura algorítmica, formato centrado na comunidade pode ser bote de resgate desta indústria

O pedido de falência é resultado de um período desafiador para muitas empresas de tecnologia e mídia que vêm cortando custos para sobreviver a um mercado publicitário fraco em meio à desaceleração do crescimento econômico.

Na corrida infinita pelo clickbait, a escala de audiência em detrimento da qualidade e otimizada para as plataformas algorítmicas das big techs criou um ciclo vicioso que coloca esta indústria contra a parede.

Projetando o futuro deste mercado a partir da distinção entre audiência e comunidade, mostramos como recompensar a participação dentro de grupos impulsiona a criação de valor.

--

--

Eduardo Mendes

Advisor for Culture and Innovation | Co-Founder na The Block Point | Web3 & New Technologies | Strategy, Research & Content | Sports | Entertainment | Media