Perspectivas para o futuro da mídia: como retomar a qualidade dentro de um modelo de negócio sustentável?

Analista de mídia sob a ótica da inovação diz que há um “impulso em direção à qualidade” sustentado pelos conteúdos de nichos, o que reforça o aumento de empresas menores e mais enxutas

Eduardo Mendes
4 min readJan 2, 2024

Ao destacar o ano brutal para a mídia, Nick Hilton não titubeou em recorrer a expressão em latim Annus Horribilis. Na verdade, o especialista sobre o tema lembrou que o termo definidor de uma sucessão de eventos ruins foi usado recorrentemente para descrever como 2023 sacramentou uma crise sem fim no setor.

Antes de o ano virar, o TheWrap e o Front Office Sports endossaram o coro. Em um discurso que parecia até ter sido combinado, as publicações abordaram exatamente três aspectos cruciais que explicam a quebra da indústria e por que a perspectiva para 2024 é nebulosa:

1- As demissões recordes

2- O cenário de publicidade cada vez mais enfraquecido

3- As incertezas quanto ao uso da AI, vista mais como uma ameaça do que uma solução

O mercado de mídia eliminou 20.324 empregos nos primeiros 11 meses de 2023, de acordo com a empresa de empregos Challenger, Grey and Christmas. Esse é o número mais alto desde 2020, quando 30.211 cortes foram feitos até novembro daquele ano.

Gigantes como Condé Nast, G/O Media, Vice Media e Vox Media cortaram coletivamente 2.681 cargos no último ano, um aumento de 48% em relação a 2022.

O NY Times extinguiu o seu departamento de esportes, delegando a cobertura ao The Athletic, o site que comprou por US$ 550 milhões em 2002.

Até 2026, as editoras de jornais dos EUA devem perder US$ 2,4 bilhões relativos a investimentos em publicidade.

Impulsionada pela pressão de Wall Street e das grandes empresas de tecnologia, a inteligência artificial (AI) invadiu os conglomerados de mídia, levando a controvérsias de seu uso como a compra de escritores fakes pela Sports Illustrated.

Os dados e os momentos emblemáticos de 2023 citados pelas publicações reforçam o cenário de caos, exceto para Ian Silvera.

Ex-jornalista político e analista de mídia sob a ótica da inovação, Silvera foi entrevistado por Nick Hilton para expressar seu otimismo cauteloso e indicar qual caminho poderá ser seguido por esta indústria nos próximos anos:

“Para onde estamos indo é para onde Chris Williams, do Telegraph, me disse há alguns anos: é para a qualidade. E é por isso que as pessoas estão dispostas a pagar.”

A década que promoveu a simbiose entre jornalismo e mídia social e navegou pelo mar infinito de conteúdos, assistirá o fortalecimento dos nichos sustentados pelo “impulso em direção à qualidade” na nova era que está por vir.

“Ainda estamos vendo um aumento das empresas menores e mais enxutas, que eu chamo de ‘jornalismo como serviço’. O Politico nos mostrou o modelo no passado. Então, Axios, Punchbowl foram outros semelhantes quer surgiram. São publicações menores com nichos profundos”, explicou Silvera.

O analista é crente de que “as pessoas ainda querem jornalismo de alta qualidade.” E isso vale também para conteúdos de uma maneira geral.

A retomada de criatividade ( e por que não da inteligência), porém, continuará esbarrando no modelo de negócios:

“O melhor modelo para a mídia de notícias é: lucratividade (…)Você sabe quantas vezes vimos no X pessoas compartilhando um artigo incrível gratuito? (…) Bem, como isso é pago? Como um artigo de jornalismo investigativo profundo, escrito durante 6 meses, é pago?”

Descobrir a difícil resposta para esta pergunta será imprescindível para desbloquear de vez o movimento pró qualidade, mesmo que de forma gradativa. Até por que reverter o processo de enshitificação deflagrado pelas mídias sociais demandará tempo.

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Eduardo Mendes

Advisor for Culture and Innovation | Co-Founder na The Block Point | Web3 & New Technologies | Strategy, Research & Content | Sports | Entertainment | Media