A segunda e desconhecida publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1880)

Sérgio Barcellos Ximenes
7 min readJun 3, 2020

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Tema: a publicação dos primeiros nove capítulos do romance de Machado de Assis no Diário de Pernambuco.

Datas da publicação: 3, 5 e 6 de abril de 1880 (na seção Literatura).

Curiosidade: a informação (Conclusão), no início do terceiro episódio, sugeria aos leitores que a história findava no capítulo IX, tratando-se de um conto, e não de um romance.

Origem da reprodução: o início de Memórias Póstumas, publicado na Revista Brasileira em 15 de março de 1880.

Primeira publicação do romance: Revista Brasileira (Rio de Janeiro, RJ), de 15 de março a 15 de dezembro de 1880, em dezessete partes.

Publicação do romance em livro: 1881.

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https://www.amazon.com.br/Posthumous-Memoirs-Brás-Cubas-English-ebook/dp/B081M5RL5S/

A descoberta da publicação, até agora desconhecida, de parte do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas em jornal brasileiro, antes do lançamento do livro, deu-se por acaso.

Em 3 de junho de 2020, a tradutora da mais recente edição americana do romance de Machado de Assis, Flora Thomson-DeVeaux, redigiu um tuíte sobre a natureza da recepção da crítica à época do lançamento do livro: entre fria e hostil. Machado ressentiu-se tanto dessa reação que o cunhado teve de reanimá-lo: “A justiça será feita, mais cedo ou mais tarde, você pode estar certo”.

https://twitter.com/ruivanorio/status/1268168617830559747

O reflexo de pesquisador assumiu o comando, e logo eu estava buscando na Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional as resenhas do livro.

Um macete aprendido bem cedo em pesquisa histórica é o respeito às regras do idioma vigentes na época visada pela pesquisa. Assim, se alguém busca na Hemeroteca o conto fantástico O País das Quimeras, também de Machado de Assis, nada encontrará, porque o título que leva a resultados é O Paiz das Chimeras.

Portanto, a primeira providência nas buscas é saber como os contemporâneos redigiam o título ou o nome do autor. No caso da pesquisa sobre o romance, a forma correta é Memorias Posthumas de Braz Cubas.

Os resultados do primeiro periódico (apenas 6) levaram somente a anúncios, mas o segundo resultado do segundo periódico (o Diário de Pernambuco) levou a uma das experiências mais valorizadas pelos pesquisadores: “Será que eu descobri uma informação importante?”.

Na tela do computador aparecia o início do romance. Conferi a data: 3 de abril de 1880.

Memórias Póstumas de Brás Cubas saiu inicialmente em uma revista, e não em livro. A Revista Brasileira, publicada no Rio de Janeiro, lançou o romance em dezessete partes, de 15 de março a 15 de dezembro de 1880.

Essa obra já fazia parte de três cronologias publicadas por mim no Medium: ficção fantástica, ficção geral (folhetins, novelas e romances) e ficção sobre a escravidão. E a memória não trazia nenhuma informação sobre Diário de Pernambuco.

Uma rápida busca no Google e no Google Scholar (a seção do Google para trabalhos acadêmicos) nada revelou sobre a associação do romance com o periódico. A sensação de ter descoberto algo valioso se intensificava. E era boa.

Pesquisei então a continuidade da publicação de Memórias Póstumas no Diário de Pernambuco. Descobri, surpreso, que somente a primeira parte havia sido publicada, subdividida em três edições: as de 3, 5 e 6 de abril.

Mais: o editor havia incluído o aviso (Conclusão) no início do terceiro episódio, sugerindo aos leitores que a história de Machado de Assis terminava no nono capítulo. Seria, portanto, um conto, e não um romance.

Sem acesso ao texto da tradução de Flora, escrevi um tuíte em resposta ao tuíte original da tradutora:

https://twitter.com/aarteliteraria/status/1268247786392301569

A resposta veio uma hora depois:

https://twitter.com/ruivanorio/status/1268265705411141632

Mesmo quem já viveu essa experiência muitas vezes, graças ao largo âmbito das pesquisas (no meu caso, toda a literatura brasileira do século XIX), comemora. Cada atividade com suas conquistas e prazeres.

A primeira publicação (integral) de Memórias Póstumas de Brás Cubas

No dia 15 de março de 1880, a Revista Brasileira (Rio de Janeiro) começou a publicar o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, sem aviso ou introdução do editor.

http://memoria.bn.br/docreader/139955/3306

A publicação se estendeu até 15 de dezembro do mesmo ano. São estas as datas e as páginas inicial e final de cada episódio ou parte da história:

1. 15 de março (número 3, páginas 353 a 372).

http://memoria.bn.br/docreader/139955/3306

http://memoria.bn.br/docreader/139955/3325

2. 1.º de abril (número 4, páginas 5 a 20).

http://memoria.bn.br/docreader/139955/3390

http://memoria.bn.br/docreader/139955/3405

3. 15 de abril (número 4, páginas 95 a 114).

http://memoria.bn.br/docreader/139955/3480

http://memoria.bn.br/docreader/139955/3499

4. 1.º de maio (número 4, páginas 165 a 176).

http://memoria.bn.br/docreader/139955/3549

http://memoria.bn.br/docreader/139955/3560

5. 15 de maio (número 4, páginas 231 a 242).

http://memoria.bn.br/docreader/139955/3617

http://memoria.bn.br/docreader/139955/3626

6. 1.º de junho (número 4, páginas 292 a 305).

http://memoria.bn.br/docreader/139955/3678

http://memoria.bn.br/docreader/139955/3688

7. 1.º de julho (número 5, páginas 5 a 20).

http://memoria.bn.br/docreader/139955/3938

http://memoria.bn.br/docreader/139955/3953

8. 15 de julho (número 5, páginas 125 a 138).

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4058

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4071

9. 1.º de agosto (número 5, páginas 195 a 210)

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4128

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4143

10. 15 de agosto (número 5, páginas 253 a 272).

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4185

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4204

11. 1.º de setembro (número 5, páginas 391 a 401).

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4322

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4332

12. 15 de setembro (número 5, páginas 450 a 462).

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4381

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4392

13. 1.º de outubro (número 6, páginas 5 a 17).

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4455

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4467

14. 15 de outubro (número 6, páginas 89 a 107)

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4539

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4557

15. 1.º de novembro (número 6, páginas 193 a 207).

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4643

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4657

16. 1.º de dezembro (número 6, páginas 357 a 370).

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4806

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4819

17. 15 de dezembro (número 6, páginas 430 a 439).

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4877

http://memoria.bn.br/docreader/139955/4887

A segunda publicação (parcial) de Memórias Póstumas de Brás Cubas

Nos dias 3, 5 e 6 de abril de 1880, portanto ainda no início da publicação de Memórias Póstumas pela Revista Brasileira, o Diário de Pernambuco ofereceu a seus leitores, em sua inteireza, a primeira parte da história, referente à edição de dia 15 de março do periódico do Rio.

Diário de Pernambuco (Recife, PE), 3/4/1880, número 76, página 8, última coluna — http://memoria.bn.br/DocReader/029033_06/608
Diário de Pernambuco (Recife, PE), 5/4/1880, número 77, página 8, da primeira à sexta coluna — http://memoria.bn.br/DocReader/029033_06/616
Diário de Pernambuco (Recife, PE), 6/4/1880, número 78, página 8, primeira coluna — http://memoria.bn.br/DocReader/029033_06/624

Repare que o terceiro episódio traz o aviso (Conclusão), utilizado naquela época para indicar o final de uma publicação seriada de história de ficção (geralmente, um folhetim).

O nome do autor também só costumava aparecer no final da publicação de histórias breves.

Assim, os leitores do Diário de Pernambuco foram levados a pensar naquela história como um conto, e não como um romance, de autoria de Machado de Assis.

A edição em livro (1881)

A edição do romance em livro, que gerou decepção em Machado devido à receptividade fria ou hostil dos críticos, saiu em 1881.

https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/4826

Essa reação não incomodou somente o autor. No ano seguinte (1882), o também romancista Aluísio Azevedo aproveitou uma de suas colunas sobre teatro para recriminar o comportamento dos críticos de jornais.

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Machado de Assis, um dos mais graduados oficiais da nossa literatura, lança ao público um mimo de concepção, de graça e de arte — as Memórias Póstumas de Braz Cubas, um trabalho de au jour le jour, não é um conto improvisado para encher o rodapé de uma folha diária, mas sim um livro meditado, escrito metodicamente, no qual o autor pagou uma grande soma de seus estudos e uma grande soma de seu talento. Não é um romance de enredo, é um livro de filosofia, de observação e de estilo.

Pois bem, como foi que a imprensa recebeu esse livro, que em qualquer país civilizado representaria um grande acontecimento literário?! O que foi que ela lhe dispensou? Quais as críticas que se levantaram em torno dessa obra excepcional?

Nada de valor! A imprensa constituída expressou-se a declarar que recebeu e que agradeceu o volume do Sr. Machado de Assis, e, para arredondar a frase, disse condescendentemente que a obra está bem impressa e que o autor tem talento…

Gazeta da Tarde (Rio de Janeiro, RJ), 8/11/1882, número 256, página 2, última coluna — http://memoria.bn.br/DocReader/226688/2396

O trabalho histórico é um processo sem fim. Caso a descoberta revelada nesta página já tenha registro em texto de algum estudioso do Bruxo do Cosme Velho (uma situação nada rara em pesquisa histórica), a retificação será realizada prontamente e o mérito alheio reconhecido sem ressalvas.

Links

Para ler o texto atualizado do romance:

http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2038

Para comprar a tradução de Flora Thomson-DeVeaux:

https://www.amazon.com.br/Posthumous-Memoirs-Brás-Cubas-English-ebook/dp/B081M5RL5S/

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Sérgio Barcellos Ximenes

Escritor. Pesquisador independente. Focos: história da literatura brasileira e do futebol, escravidão e técnica literária.