TODAS AS 148 MÚSICAS DOS PIXIES, DA PIOR À MELHOR.

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
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33 min readOct 5, 2022
O famigerado cartaz “Death to the Pixies”, que a banda espalhou pelas ruas de Boston em 1986. O polegar de Black Francis foi estrategicamente posicionado de modo a parecer que era o pênis do cantor.

“Comparadas às demais pessoas que eu conhecia e que tocavam em bandas, os Pixies não pareciam saber muito de música. Parecia que eles tinham caído de paraquedas na cena, que tinham saído de alguma bolha. Eu não conseguia entender qual era o tipo de música de que eles gostavam.” — J. Mascis*

“Eu gosto de bandas pop, de canções bem resolvidas. Mas também gosto de canções que me choquem de alguma maneira, que não se limitem a seguir uma fórmula, e o que eu ouvi naquele dia foi tipo ‘Jesus amado, o que está acontecendo aqui?!’ (…Os Pixies) pareciam pessoas normais, e ao mesmo tempo estavam ali fazendo aquela coisa de outro planeta.” — Gary Smith, produtor da primeira demo da banda*

“(Os Pixies) não se limitam a soar como os artistas que vieram antes deles — eles forçam o passado a soar como os Pixies.” — Mark Sinker, jornalista do New Music Express*

“Lembro de como aprendi a gritar. O cara que me ensinou era meu vizinho, quando eu era adolescente. Era um cara da Tailândia (…) eu estava tocando ‘Oh! Darling’, dos Beatles, e ele disse “Não, não, grite como se você odiasse a piranha!’ (…Na faculdade) tudo que eu tinha era um Walkman. Um (cassete) dos Ramones, outro dos Talking Heads e as coisas que eu ouvia em Porto Rico, salsa e merengue (…) Quando me mudei para Boston (…) descobri alguns outros discos (…) Zen Arcade, do Husker Dü, Spotlight Kid, do Captain Beefheart, e uns dois discos do Iggy Pop. (…) Esses eram os discos que eu mais ouvia logo antes de formar a banda.” — Black Francis*

*Aspas extraídas do livro Fool the World: the Oral Story of a Band Called Pixies (Josh Frank & Caryn Ganz, 2006). Tradução minha.

Nunca houve uma banda como os Pixies. Mentira. Houve um sem-número de bandas como os Pixies, e ainda há. Porque é fácil copiar os elementos externos mais óbvios — os gritos, as linhas de baixo, o reverb nas guitarras, o timbre vocal, o loud/quiet/loud (às vezes quiet/loud/quiet). Mas os Pixies não são isso, ou nunca foram só isso. As carradas de artistas que se apropriaram da estética apenas arranharam a superfície. A essência do grupo, aquilo que os fazia únicos, é algo inalcançável. Mesmo a fase atual do quarteto não chega a recupera-la. Ou seja, nem os Pixies são (mais) como os Pixies.

Os Pixies foram a última banda de rock realmente original. Talvez. A rigor, em termos de originalidade, o rock já tinha se esgotado em 1985, o ano em que eles surgiram. E novamente, olhando apenas para os elementos mais evidentes do som, é possível detectar fontes e influências. Ainda que J Mascis não tenha conseguido. Mais certo é afirmar que os Pixies foram a última força da natureza no rock. O último grupo capaz de conjurar agressão & ternura, feiura & beleza, brincadeira & papos sérios, morte & renascimento, muitas vezes tudo isso ao mesmo tempo, sempre de forma surpreendente e desordenada, sem esforço ou intenção evidente, sem maldade ou senso moral, 100% imprevisível e instintivo. Depois deles, sobraram apenas os indícios de sua passagem, como o rastro de destruição de um tornado ou o eco de um trovão distante.

Tornados, trovões e outras forças da natureza têm caráter fugaz. Os Pixies duraram de 1986 até 1993, e nem tiveram tempo de tropeçar: uma ascensão fulminante e aclamada de forma unânime (por quem chegou a conhecê-los) e um fim repentino (para quem observava de fora). Tudo neles era fascinante, do vocalista com cara de bebê gigante capaz de dar urros supersônicos e gemidos perturbadores à baixista sorridente que só tocava três ou quatro notas (mas eram sempre as notas certas), passando pelo guitarrista de ar misterioso e a locomotiva humana mais conhecida como David Lovering.

Os quatro LPs (e um EP) que a banda lançou em sua encarnação original representam um raríssimo paroxismo de concisão e de inspiração na história do rock. Simultaneamente conectada à linhagem alternativa ianque e descolada de qualquer escola específica, é uma discografia que resetou os parâmetros qualitativos do indie rock no fim dos anos 1980. É até difícil explicar, para quem não viveu aquela época, a euforia que cada lançamento causava e a sensação de que o quarteto era incapaz de dar um mau passo.

(Euforia e sensação à margem do mainstream, né. Incensados por crítica e público na Europa, os Pixies não fizeram sucesso real nos EUA durante sua primeira vida. Isso contribuiu para a pressão sobre a banda e aumentou a frustração e a discórdia interna. Ao mesmo tempo, o quarteto nunca aceitou se enquadrar nos esquemas mais comercialóides que lhes eram propostos. Quando, em 1991, o Nirvana estourou — a bordo de um som com clara influência do quarteto de Boston — deve ter sido impossível evitar um gostinho de “poderia-ser-a-gente-mas-você-etc.” entre o grupo e sua entourage. Naquele mesmo ano, os Pixies recusaram uma proposta para serem headliners do primeiro Lollapalooza. Era o ano em que o punk rock estourou, eram o tempo e o mercado afinal alcançando os sons alternativos. Mas aí já era tarde demais.)

Os Pixies foram a minha banda. Fato. Há outros nomes mais importantes na minha formação (Smiths, New Order, Jesus and Mary Chain), mas Charles, Kim, Joey & David foram o primeiro grupo relevante que consegui acompanhar do comecinho ao fim; o bonde dos outros eu já peguei andando. Enfrentando a falta de acesso a informação e a grana escassa, me virava para acompanhar a carreira deles. No primeiro número do tosco fanzine que eu fazia na época do secundário — 1989 — estava lá uma resenha de um show deles em Londres, traduzida de um exemplar do Melody Maker. Eu fiz amizades por ser fã de Pixies; era como participar de uma confraria secreta. O primeiro texto que publiquei como profissional, na Rock Press, foi uma bio dos Pixies. Fiquei revoltado quando eles se separaram sem ter vindo ao Brasil. Entrevistei, também para a Rock Press, o então Frank Black. Fiquei mais revoltado ainda quando eles se reuniram, vieram ao Brasil em 2004 e eu não pude ir (mas já os vi ao vivo duas vezes desde então).

Quatro álbuns e um EP virtualmente perfeitos e acabou. Black Francis (BF doravante) virou Frank Black, Kim Deal seguiu com as Breeders, Joey tocou com BF, montou sua própria banda e compôs trilhas sonoras, David… virou mágico. Mas o tempo, uma vez mais, os alcançou. Se toda banda é feita para acabar, como eu defendo no texto linkado aqui, toda banda que acaba também é feita para se reunir de novo, como defende o filósofo Marcos Bragatto. E em 2004, a formação original voltou aos palcos, causando comoção em seus contemporâneos e despertando a atenção do público mais jovem. Até aí, tudo bem.

A história começou a se repetir como farsa quando, além das turnês que renderam um merecido conforto financeiro para os quatro (Joey e David estavam na pior), os caras resolveram retomar sua produção em estúdio também. A discografia antes impecável mais que dobrou de tamanho e… deixou de ser impecável. Uma Kim saiu, outra Kim veio e foi chutada (e morreu, coitada), e uma Paz ocupou a vaga. E os Pixies deixaram de ser uma força da natureza indefinível e imprevisível, para se tornarem mais uma banda indie veterana, tentando sobreviver dignamente sem sujar (muito) a lembrança dos anos de glória.

Este ranking, publicado às vésperas de mais uma visita da banda ao Brasil, celebra minha longa história com o quarteto e também serviu de pretexto para ouvir com mais atenção os (inevitavelmente decepcionantes) álbuns pós-retorno. Paradoxal e irônico: os Pixies 2.0 são uma mais uma banda influenciada pelos Pixies originais. A rigor, o mais correto é dizer que são influenciados pela carreira solo de BF. Entre 1993 e o presente, o líder do grupo construiu uma trajetória sólida, mas cuja inspiração veio diminuindo com o passar do tempo — uma curva que coincidiu com sua transformação em um singer-songwriter mais, aham, maduro e conformado às convenções do rock clássico. Os cinco álbuns que o grupo lançou desde 2013 são, na prática, canais para a continuidade da carreira de Frank Black, uma persona que BF diz ter aposentado de vez. Ocasionalmente exibem a energia típica de antanho, mas de um modo meio clínico, quase paródico.

Essas conclusões se refletem no ranking a seguir, que, previsivelmente, se divide em dois blocos bem distintos: as músicas mais novas embaixo, o repertório dos cinco primeiros discos no topo. Todas as músicas lançadas oficialmente pelos Pixies estão incluídas na lista (incluindo as do álbum Doggerel, lançado no fim de setembro). Não entraram quaisquer faixas de Frank Black, Breeders, The Amps ou outros projetos paralelos.

Joey Santiago, Paz Lechantin, David Lovering e Charles Thompson/Black Francis/Frank Black

148) “Been All Around The World” — Creditado como uma canção folclórica, sem autor nomeado, este número country foi gravado pelos Pixies no DVD Acoustic: Live In Newport e também costumava ser tocado por BF em shows solo como Frank Black.

147) “Mambo Sun” — Foi-se o tempo em que os Pixies conseguiam subverter/perverter/reescrever canções alheias. Esta cover do T-Rex, lançada em 2020, soa preguiçosa e pouco inspirada.

146) “Hear Me Out” — Neste single de 2020, cantado pela baixista Paz Lechantin, a banda se contenta em soar como uma autoparódia medíocre.

145) “I Just Can’t Break It to You” — Os Pixies gravaram mais de 20 canções durante a produção de de Beneath the Eyrie. Toda a gordura do repertório foi desovada na edição deluxe do álbum, lançada em 2020. A maior parte das sobras é como esta aqui: uma sobra.

144) “Ready for Love” — É estranho ouvir BF cantando versos românticos sem ironia. A melodia anódina também não contribui.

143) “Blue Eyed Hexe” — Tem toda cara de ter sido composta para um disco solo de Frank Black, e não para os Pixies. Falsamente agressiva, tem uma levada chooga-chooga que não engrena.

142) “Another Toe in the Ocean” — Uma das mais convencionais canções em toda a discografia da banda, tanto em termos de composição quanto de arranjo. Afora o vocal, soa quase irreconhecível. Jayson Greene, do Pitchfork, comparou a faixa a algo feito pelo Weezer na fase Green Album (comparação depreciativa, óbvio), naquela famosa resenha nota 1.0.

141) “Andro Queen” — Uma das canções de Indie Cindy nas quais a banda evita apelar a seus clichês sonoros. Um vocal suave e cheio de reverb, acompanhado por uma batida marcial, são os principais elementos da experiência. Como pitada inesperada de maluquice, uma estrofe cantada em esperanto. Se fosse nos anos 80, seria em espanhol…

140) “Born in Chicago” — Gravada em 1990 para uma coletânea de artistas da gravadora Elektra, esta é uma das mais obscuras no catálogo da banda. A original é da Paul Butterfield Blues Band. Sobra bem pouca coisa ligando uma versão à outra, à parte uma gaitinha desajeitada no começo e no fim.

139) “Death Horizon” — Sonolento número semiacústico de Beneath the Eyrie.

138) “On Graveyard Hill” — Faixa “Pixies-padrão”, lançada em 2019.

137) “All the Saints” — Poderia ser uma das faixas da meíuca de Bossanova. Ou talvez fosse mais adequada a um disco solo de Frank Black. Não chega a ser um dos pontos altos de Head Carrier.

136) “Bird of Prey” — “Você roubou meu amanhã”, canta BF num rosnado subsônico, daqueles que só ele é capaz de dar. A música, um pseudocountry, não fica à altura do vocal.

135) “Bel Esprit” — Funciona no contexto de Head Carrier, com sua melodia simpática e o dueto entre BF e Paz. Mas não merece uma posição mais alta.

134) “This is My Fate” — Adornada por teclados e percussão, esta canção em compasso 3/4 tem ar meio gaiato. A intenção pode ter sido evocar trilhas de faroestes antigos.

133) “Dregs of the Wine” — O mais recente single da banda abre com um verso hilário (“While I prefer the original version of ‘You Really Got Me’/ She will defer to the Van Halen version”). Depois se arrasta, sem direção. Há ainda uma menção ao Brasil (“We done run out of all our tricks / We flew a plane with lion tamers / Back to Brazil in ’66 / End of the world and I don’t blame her”).

132) “Under the Marigold” — A música country é uma das mais antigas referências na gaveta de Black Francis, uma influência que se intensificou durante seus anos solo. Em músicas como esta (incluída na versão deluxe de Beneath the Eyrie), ele se apropria do estilo de modo sutil e pouco inspirado.

131) “Thunder and Lightining” — Relâmpagos em falta nesta faixa de Doggerel. Sem uma melodia decente nem vigor na interpretação, parece durar mais que seus 3:19.

130) “Bailey’s Walk” — É apenas um rascunho de canção, tirado da gaveta para ser lado-b de “Here Comes Your Man”. A performance vocal agônica compensa.

129) “Ain’t That Pretty At All” — O cover desta canção de Warren Zevon, original de 1982, foi lançado no álbum-tributo Enjoy Every Sandwich (2004). Os grunhidos de FB são admiráveis, mas o destaque é o vocal de Kim, em uma das primeiras gravações que a banda fez após a reunião.

128) “Plaster of Paris” — Se você algum dia imaginou os Pixies tentando fazer um som à la R.E.M., esta música de 2016 responde a seu anseio.

127) “Please, Don’t Go” — Talvez seja o mais perto que a banda já chegou de fazer uma balada romântica “normal”. A questão é: queremos uma balada romântica normal dos Pixies?

126) “Caught in a Dream” — Conta com uma progressão de acordes meio assimétrica e o tradicional interplay entre a voz masculina e a feminina, resgatando uma sonoridade tradicional. Se fosse realmente boa, teria sido aproveitada em Beneath the Eyrie (a versão lançada, uma demo, consta apenas da edição deluxe do álbum).

125) “Silver Bullet” — Uma quase-balada que se perde em meio ao excesso de canções esquecíveis em Beneath the Eyrie.

124) “Catfish Kate” — Faixa mais quadradinha de Beneath the Eyrie. A levada introdutória remete ao som dos primeiros discos, mas logo involui para uma estrutura convencional.

123) “Nomatterday” — Concedo que a banda abre seu nono álbum, Doggerel, de forma ousada, pesando a mão na ironia autodepreciativa. “Eu sei que você não me odeia de verdade / Mas creio que eu provavelmente te irrite (…) Não desperdice seu tempo comigo”. A música, no entanto, mais confunde que causa indignação. Muda subitamente de andamento e clima no meio, parece ser a colagem de duas canções fracas.

122) “Get Simulated” — As canções dos Pixies pós-2003 são mais elaboradas do ponto de vista formal. Porém, não adianta tentar compensar a falta de vigor com melodias e arranjos mais estruturados, se falta AQUELA fagulha. É o caso aqui.

121) “Head Carrier” — Falta punch à melódica faixa-título do álbum de 2016. Num retorno às alusões religiosas dos primeiros álbuns, aborda a história de São Dênis, mártir cristão que teve a cabeça decepada… e com isso, tornou-se o protetor das pessoas que sofrem de dor de cabeça!

120) “Pagan Man” — Bonita, mas esquecível. BF soa mais esganiçado que o normal ao tentar cantar em falsete. A letra é um nada.

119) “How I Learned to Earn Rewards” — Indie pop bem genérico, abaixo da média para a banda.

118) “Who’s More Sorry Now?” — Feita em modo piloto automático, teria dificuldade para entrar até num disco de Frank Black, não fosse pela melodia do trechinho que começa em 1:18.

117) “There’s a Moon On” — Os timbres são os mesmos do passado, só que sem a dinâmica sonora. Junte a isso uma composição bem tradicionalzona, e o resultado é uma canção nota 5,5.

116) “Vault of Heaven” — É difícil, para o fã antigo, se acostumar com o estilo “maduro” de BF como compositor, cada vez mais próximo dos clichês do classic rock. Esta faixa de Doggerel pelo menos tem um refrão caprichado.

115) “Talent” — Curiosa incursão por uma sonoridade quase new wave. Faltou um capricho maior na melodia e no refrão. A letra, com comentários bem mordazes sobre as maquinações dos bastidores do showbiz, é mais interessante que o som.

114) “Long Rider” — Surf-rock tardio lançado em 2019. Banda e vocalista soam domesticados demais.

113) “Women of War” — Um raro exemplo de arranjo vocal triplo, com BF, Paz e David Lovering se alternando. A letra é bem ridícula (“Leanne, I want you / And your soft army green / Your natural legs / And your militant cuisine”). Poderia ser uma faixa regravada por Frank Black & The Catholics.

112) “Haunted House” — Simpático momento mais melódico do último álbum. O que derruba é a letargia.

111) “What Goes Boom” — Tem “cara de Pixies clássico”. Até demais, se me faço entender: era para ser um retorno autêntico à forma tradicional, ou é apenas um caça-níqueis baseado nos chavões sonoros do passado? Ao menos traz Joey castigando a guitarra sem dó.

110) “Tenement Song” — O começo inesperado, com um riff dissonante, promete. No fim, não cumpre. É perceptível o esforço para dar um “toque Pixie” a uma composição que nasceu quadrada demais.

109) “Los Surfers Muertos” — Prima-irmã de “Long Rider”, vem em sua sequência em Beneath the Eyrie. Parceria entre BF e Paz Lechantin, o que já justifica os versos em espanhol.

108) “Might As Well Be Gone” — Esta canção carece de força e de originalidade. Mais uma das faixas “frankblackeanas” da fase atual.

107) “I Can’t Forget” — Cover de Leonard Cohen lançado no tributo I’m Your Fan (1991), uma das menos conhecidas do álbum, aliás.

106) “Silver Snail” — Lenta e de clima sombrio, conta com uma letra repleta de imagens bizarras (“Ain’t no place for to hide / At an orgy of grooms and brides / At the scene of the suicides”).

105) “The Lord Has Come Back Today” — Apesar de manter o clima meio brochadão de Doggerel, a combinação entre a melodia singelinha e a letra bizarra (“Favorite sign / That the Lord ain’t coming back / You break your mama if you step on a crack”) até que dá uma liga.

104) “Doggerel” — A faixa-título do disco mais recente é o único momento em que os Pixies parecem se esforçar de verdade no álbum. Longa para os padrões da banda (4:39), aposta em um groove quase minimal, sem muitos adornos, e guarda espaço para Joey brilhar no final. A letra se encerra com uma promessa: “Eu vou ficar até o fim aqui com você”.

103) “Human Crime” — É bom ouvir BF cantando em 2022 com o mesmo timbre e extensão dos anos 1990, sem forçar a barra. Mas o vocal é o único traço redentor deste dispensável single.

102) “You’re Such a Sadducee” — Recupera um tiquinho da força de antanho, especialmente na letra desconjuntada (“Your messages to me aren’t bad
You’ve such economy and tact / You’ve such economy like Deuteronomy”). Apenas o suficiente para ser a melhor de Doggerel.

101) “Um Chagga Lagga” — O single que apresentava Head Carrier soa convincentemente agressivo. Só que falta a demência da juventude, apesar de todo o esforço de Paz nos contracantos.

100) “Hey, Debussy” — Divertida canção que lista as amantes do compositor Claude Debussy. Não chegou a ultrapassar o estágio de demo.

99) “Build High” — Talvez a primeira gravação da banda no estilo “hardcore caipira” aperfeiçoado em Come on Pilgrim e Surfer Rosa. Constava da famosa Purple Tape de 1986.

98) “Bagboy” — Eu QUERIA ter gostado desta música. Muitos fãs antigos se empolgaram; eu não fiquei convencido. A combinação canto falado + baixão em primeiro plano + groove quadrado aproxima a faixa do território do The Fall. O vocal em falsete no refrão NÃO é de Kim, que não é creditada na gravação.

97) “The Good Works of Cyrus” — Tem um simpático groove sessentista, terreno no qual a banda não costuma se aventurar muito. Para não espantar a audiência cativa, Paz Lechantin fornece um backing vocal bem old-school.

96) “St. Nazaire” — Surf rock pesadão no qual o protagonista se depara com um/uma selkie, bizarro ser mitológico que vaga pelo litoral da Escócia.

95) “Snakes” — Performance particularmente vigorosa da banda. O refrão, energético, é um dos melhores de Indie Cindy.

94) “Daniel Boone” — Delicada canção que vai ganhando peso aos poucos. O reverb nas guitarras e a interpretação vocal emprestam um ar onírico ao arranjo.

93) “In the Arms of Mrs. Mark of Caine” — A faixa de abertura de Beneath the Eyrie é um experimento interessante, no qual a banda tenta renovar seu padrão sonoro ao mesmo tempo em que mantém um pé no pós-punk.

92) “Chapel Hill” — Outra das demos lançadas na versão deluxe de Beneath the Eyrie. Curtinha e direta ao ponto, poderia ter entrado na lista final do álbum.

91) “Bam Thwok” — Este foi o single, lançado apenas em formato digital, que marcou a volta oficial da banda, em junho de 2004. Foi feita sob encomenda para a trilha sonora do desenho animado Shrek 2, mas acabou não sendo usada. A ironia inescapável é que se trata de uma música escrita e cantada por Kim, talvez um desagravo pelo modo rude com que a baixista foi tratada em 1993. É legalzinha — e parecida demais com qualquer canção nota 6.5 das Breeders.

90) “Indie Cindy” — Faixa-título do álbum que marcou a volta definitiva da banda, é um exercício de ironia com várias camadas de interpretação. BF pede à Indie Cindy que “o carregue” (uma referência às inúmeras bandas indies que imitam os Pixies?), em meio a citações à mitologia grega e ao hit sessentista “Farmer John” (“I am in love with your daughter”).

89) “Magdalena 318” — Nada inovadora dentro da estética tradicional da banda, agrada por ser redonda e bem-feita.

88) “Oona” — Boa canção de Head Carrier, com uma letra curiosa sobre uma banda que vira noites “compondo de forma automática” e fazendo “jams selvagens”. Autobiográfica?

87) “Baal’s Back” — Curta & grossa, tem pique similar ao dos discos da carreira solo de Frank Black (dos discos bons, digo). Os vocais esganiçados não operam mais no nível original de insanidade, mas funcionam.

86) “Jaime Bravo” — Tem sabor de “Pixies antigo”, com refrão melodioso, guitarras legais e versos em espanhol.

85) “Classic Masher” — Outra simpática faixa de Head Carrier, com melodia caprichada e uma levada empolgante. Bem digna, mesmo não sendo um “classic”.

84) “All I Think About Now” — Uma das mais “old school” de Head Carrier, traz a baixista Paz Lechantin tentando calçar os sapatos de Kim (a quem a canção é dedicada, numa despedida). Não faz feio.

83) “Theme From NARC” — A imprevisibilidade sempre foi parte importante da magia dos Pixies. Em determinados momentos, a característica assumia ares de aleatoriedade completa, como quando eles resolveram (em 1990) regravar a música-tema de um videogame ultraviolento. Por que não, né?

82) “Wild Honey Pie” — A “pior música do White Album” rende uma versão ao mesmo tempo fiel e psicótica.

81) “I’ve Been Waiting For You” — Música de Neil Young de 1968, também gravada por David Bowie e pelo Dinosaur Jr. Kim assume os vocais no cover registrado em 1990.

80) “Manta Ray” — Composição mediana de 1989, feita para o b-side de “Here Comes Your Man”. Há uma versão demo, intitulada “My Manta Ray Is All Right”, na edição de 25 anos de Doolittle. Segundo BF, “manta ray” é seu código para “OVNI”. Não confunda com a (superior) “Dancing the Manta Ray”.

79) “Make Believe” — O protagonista da letra pede para sua namorada fingir que é a cantora Debbie Gibson. Talvez por ser bizarra demais até para seus padrões, BF encarregou David Lovering dos vocais.

78) “I’m Amazed” — O bizarro diálogo entre Kim e BF que ocupa quase 30 segundos, os gritos que parecem ter sido gravados bem longe do microfone, a carreira desabalada da bateria: sintomas de que Surfer Rosa não era um disco normal.

77) “Big New Prinz” — Eu nunca imaginaria ouvir uma das minhas bandas favoritas tocando um cover de OUTRA das minhas bandas favoritas. Os Pixies gravaram este cover do The Fall em sua turnê europeia 2016/2017, e o resultado — bem fiel , aliás— está no álbum ao vivo Live in London.

76) “Mal de Mer” — Uma das melhores demos desencavadas para a edição de luxo de Beneath the Eyrie. Sem dúvida, elevaria a qualidade final do álbum.

75) “Ring the Bell” — Pop song exemplar de Indie Cindy. A melodia é cativante, o arranjo luminoso.

74) “Santo” — Seria o homenageado Santo Farina, do duo Santo & Johnny? Mais certo que não, já que o guitarrista em questão era ítalo-americano e a música é quase toda cantada em espanhol. B-side de “Dig for Fire”.

73) “Dancing the Manta Ray” — O “manta ray” do título seria uma dança — provavelmente, os praticantes deveriam sacudir os braços, imitando as longas nadadeiras do peixe. Só que a letra é pura paranoia com alienígenas. Esquisitice padrão para a safra 1989.

72) “Evil Hearted You” — Outro exemplo da capacidade que o grupo tem (tinha) de se apoderar de canções alheias. A versão original (dos Yardbirds) nem é, na prática, tão diferente do resultado do cover, mas a letra vertida para o espanhol, o suave vocal em falsete e a quebrada acelerada no meio transformam a canção quase em um original de Black Francis.

71) “Velvety Instrumental Version” — Número instrumental de 1990, cujo som (e título) fazem referência ao Velvet Underground. A levada lembra um pouco o trecho instrumental de “Debaser”, só que mais dançante. Anos depois, já como Frank Black, BF gravaria uma versão com letra.

70) “The Navajo Know” — A faixa de encerramento de Trompe Le Monde. A melodia simplória e o arranjo saltitante dão um ar meio pueril à gravação. Sempre me pareceu meio injusto que a última lembrança da banda, por muitos anos, tenha sido esta canção, a menos brilhante do disco.

69) “The Thing” — A “coisa” é a seção final de “The Happening”, separada do resto da canção. Surpreende pelo uso bem conspícuo de programação de bateria, expediente raro (ou mesmo sem precedentes) na carreira do grupo.

68) “Weird At My School” — Outro hardcore caipira. Na letra, um estudante esquisitão pretende enriquecer vendendo drogas na escola (“My father lives in Arabia / And I live right here at my school / I took his plane to Colombia / So I could sell at my school”).

67) “Ed Is Dead” — Bem característica da fase inicial (saiu em Come on Pilgrim), já mostrava vários truques que o grupo repetiria nos próximos 30 e tantos anos.

66) “Into The White” — Em seu auge, os Pixies conseguiam produzir canções como esta de olhos fechados, uma atrás da outra. E ninguém reclamava. Até o retorno da banda, foi a última gravação na qual Kim assumia o vocal principal.

65) “Stormy Weather” — Preguiçosa, ou apenas minimal? Os gritos são adoráveis, só que não sustentam a encheção de linguiça.

64) “All Over the World” — Esta faixa de Bossanova sempre me soou meio esquisita: repetitiva demais, esticada demais, solos de guitarra histéricos e uma melodia sem brilho.

63) “Hang Wire” — Mais notável por incluir o verso que dá título ao terceiro álbum (“Every morning and every day / I’ll bossanova with ya”). No fim das contas, é outra das faixas medianas daquele disco.

62) “Alec Eiffel” — Dedicada ao “pioneiro da aerodinâmica” Alexander Eiffel, o engenheiro francês que projetou a famosa torre que leva seu sobrenome. O uso proeminente de sintetizadores ainda me causa certa estranheza — assim como sua escolha como segundo single de Trompe Le Monde. A melodia da coda, entoada por Kim, foi escrita pelo tecladista Eric Drew Feldman, que seria parceiro de BF em sua primeira fase da carreira como Frank Black.

61) “Tony’s Theme” — Surf rock destrambelhado narrando as aventuras de um super-herói que combate o crime montado em uma bicicleta. Tem um antisolo de guitarra — na verdade, só uma sequência de guinchos bizarros emitidos por Joey.

60) “There Goes My Gun” — Outra das canções “minimais” da fase inicial, cuja letra se limita ao título e alguns berros esparsos. Joey faz um curto solinho de spaghetti-western, dando um brilho a mais ao arranjo.

59) “Rock a My Soul” — Registrada na Purple Tape, esta canção de sabor sessentista não chegou a ser lançada em um álbum oficial de estúdio. É uma das melhores faixas “perdidas” da banda e emprestou seu título ao fanzine do fã-clube de Boston.

58) “Space (I Believe In)” — Momento mais experimental de Trompe Le Monde, com diversas mudanças de clima e de andamento. O “Jefrey com um F” citado no refrão é Jef Feldman, percussionista que batuca tablas indianas no decorrer da canção. Também há uma referência a “Distance Equals Rate Times Time”, outra faixa do disco.

57) “Down to the Well” — Faixa mid-tempo de Bossanova com ótimos vocais passivo-agressivos-choraminguentos. Apesar de só ter saído no terceiro álbum, constava do repertório desde os primeiros shows da banda, em 1986.

56) “In Heaven (Lady in the Radiator Song)” — Mais um cover que o grupo transformou em uma música própria etc. Composta por David Lynch (!) para o filme Eraserhead, já havia sido relida por nomes como Devo, Bauhaus e The Meteors antes de se tornar parte fixa do repertório dos shows dos Pixies. Filme, música e banda nasceram uns para os outros.

55) “Is She Weird” — Tratando-se de uma personagem criada por Black Francis, CLARO que ela é esquisita. Muito representativa da direção que a banda tomou em Bossanova, começa calma e depois se transforma num turbilhão maníaco, por cortesia da performance vocal. De acordo com BF, a levada de guitarra foi inspirada no estilo de Ric Ocasek, do The Cars, que o influenciou nos primórdios.

54) “Isla de Encanta” — Hardcore chicano incluído no EP de estreia. Bom exemplo do potencial que Steve Albini destravaria nas gravações do álbum de estreia.

53) “Nimrod’s Son” — A canção original de “incesto & Bíblia” na produção da banda. Parte de uma estética similar à dos Violent Femmes, influência reconhecida por BF e que seria muito explorada em Surfer Rosa. Claro que o Gordon Gano não berrava daquele jeito, nem usava versos como “You are the son of a motherfucker”.

52) “Head On” — É uma favorita dos fãs, mas nunca vi muita razão para os Pixies terem regravado esse hit do Jesus and Mary Chain. Mais estranho ainda foi tê-la lançado como single, menos de três anos depois do lançamento da original. Ao menos o vídeo ganhou um prêmio da MTV. Pesadinha e divertidinha.

51) “№13 Baby” — Trivia: com 3m51s, é a faixa mais longa de Doolittle. Mas boa parte é instrumental, o que inclui uma coda com quase dois minutos. Apesar de carregar a tradicional alternância de agressão e leveza, é uma das canções menos óbvias do disco.

50) “Planet of Sound” — Furiosa faixa de trabalho de Trompe Le Monde, tem uma pegada que já antecipa os momentos mais agressivos dos discos solo de Frank Black.

49) “Velouria” — Sempre verde, com uma pele de lêmure (Velouria = veludo), a personagem-título é uma alienígena que seduz o narrador durante uma expedição nas montanhas da Califórnia. A história de amor interplanetária ganha um clima adequadamente onírico, com um theremin providenciando sons de outro mundo.

48) “Oh My Golly!” — A canção que apresenta a “surfista Rosa”, que batizou o primeiro álbum. É brutal (soava mais brutal ainda em 1988), mas tem um claro elemento lúdico na letra e na melodia.

47) “The Happening” — Uma das faixas mais complexas de Bossanova (consulte também “The Thing”). Alterna agressividade pós-punk (nos versos) com suavidade pop (no refrão), invertendo a equação tradicional; na conclusão, FB opta por um canto quase falado, ou uma narrativa quase cantada. A narrativa, claro, é sobre aliens, com mais referências explícitas à Área 51.

46) “Boom Chicka Boom” — Microscópica pepita da fase pré-Surfer Rosa que se perdeu no tempo. Nunca foi lançada de forma oficial. Pode ser ouvida no álbum ao vivo Live From the Fallout Shelter, 1986, disponibilizado em streaming em 2018.

45) “Crackity Jones” — Um dos momentos mais descaralhados de Doolittle, tem uma sonoridade compatível com a letra. Conta a história de José Jones, o “gay psicótico e esquisitão” com quem BF dividiu um alojamento universitário em Porto Rico. É um elo perdido entre o primeiro e o segundo álbuns.

44) “Ana” — Outra das canções curtinhas de Bossanova com nome de mulher. Com arranjo de inspiração surf-sessentista, é uma composição de estrutura inusitada, sem refrão e uma melodia que deixa o ouvinte em suspense.

43) “Blown Away” — A melodia é matadora, cantada com inesperada doçura por BF. Vem puxada por uma verdadeira locomotiva composta por baixo + violão + bateria + guinchos guitarrísticos. Até que acaba do nada, dando a sensação de que faltou completar o último refrão.

42) “Cecilia Ann” — Parece uma canção dos anos 60, mas não é: foi gravada pela primeira vez e lançada em 1989, por uma banda fake chamada The Surftones (a história toda está aqui). Os Pixies ouviram a música e resolveram regravá-la como faixa de abertura de Bossanova, seu disco, aham, “mais praieiro”.

41) “Subbacultcha” — A sub-cultura, no caso, é o mundo dos góticos; a letra narra um romance entre dois jovens darks, e é dedicada a Jean Walsh, namorada de FB nos primeiros anos da banda. O groove é insistente, hipnótico. Outra das músicas remanescentes do comecinho do grupo que só foi lançada bem mais tarde.

40) “Distance Equals Rate Times Time” — O título se refere a uma equação para calcular tempo, distância e/ou velocidade em um dado deslocamento. Já a letra (“ I had me a vision / There wasn’t any television / From looking into the sun”) relembra uma falha técnica que impediu a transmissão de imagens durante a segunda expedição da NASA à Lua. A música é uma porrada só, reta e violenta.

39) “Allison” — Uma das mais redondas composições pop da banda, também é a mais curtinha (1:17). Joey alterna solos furiosos e linhas melódicas docinhas, enquanto a cozinha incorpora um galope quase metaleiro no interlúdio instrumental. O título não se refere a uma mulher, e sim ao jazzista Mose Allison.

38) “Dig for Fire” — Escolha inusitada para o segundo single extraída de Bossanova. Black Francis já se referiu à canção como “uma imitação de Talking Heads”. Graaaaaaaande levada de baixo.

37) “Bird Dream of the Olympus Mons” — Momento de respiro do quarto álbum. O baixão de Kim conduz a primeira parte, mas só até as guitarras decolarem — carregando BF nas costas espaço sideral afora, pousando afinal em Marte. O produtor Gil Norton queria que a baixista assumisse o vocal, mas foi voto vencido.

36) “Lovely Day” — Kim deve ter inventado a levada de baixo inspirada em “Head On” (gravada no mesmo álbum). É ela quem impulsiona a louca história da letra, relacionada à de “Bird Dream of the Olympus Mons”: um astronauta se despede da Terra, rumo a Marte, mas promete resgatar a amada (“So you can buy a ticket / You will be my Martian honey all the day”) no futuro.

35) “La La Love You” — Na teoria, era pra ser pouco mais que uma vinheta. Na prática, é a chance para o baterista David Lovering brilhar, assumindo os vocais em uma imitação descarada de Elvis Presley. Passagem mais divertida de Doolittle.

34) “Trompe Le Monde” — Chegando a seu quarto álbum, os Pixies já estavam em contagem regressiva para a dissolução. BF e Kim não se falavam mais, o repertório foi construído às pressas no estúdio a partir de rascunhos e o quarteto não chegou a se reunir nem uma vez durante as gravações. Talvez por isso BF tenha sentido que eles estavam “enganando o mundo”, ao seguirem produzindo em condições tão instáveis. Não que esse sentimento transpareça na faixa-título, combinação brilhante de melodia onírica e punch brutal.

33) “Here Comes Your Man” — Creio que seja a única música que o roqueiro brasileiro médio conhece desta lista. Consta que foi escrita por BF aos 15 anos. Quando foi gravada na Purple Tape era chamada de “a canção Tom Petty”. Por ser tão grudenta, os Pixies relutaram em gravar uma versão definitiva. Só acabou saindo em Doolittle, por insistência do produtor Gil Norton, que enxergou seu potencial radiofônico. Ele estava certo. (De acordo com Ivo Watts-Russell, diretor da gravadora 4AD, existe uma versão ainda mais pop da música, gravada pouco antes das sessões de Doolittle, que nunca foi revelada.) A revista Spin classificou o single como “a mais acessível canção já feita por uma banda underground”, também com toda razão.

32) “Silver” — Definida por BF como “faux-folk”, é uma parceria entre ele e Kim, a última a ser gravada pela banda. Tem um clima inquietante, reminiscente de alguma trilha perdida de western.

31) “Vamos” — Um dos hits no repertório da banda nos primeiros shows em Boston, foi transformada em estúdio em um monstro incontrolável. A contribuição de Steve Albini foi importante: na base do corta-e-cola dos rolos de fita, o produtor reformatou a estrutura da canção e “inventou” solos de guitarra unindo pedaços distintos de performances de Joey Santiago. Sem mencionar a brutal participação de David Lovering.

30) “Wave of Mutilation” — BF leu uma notícia sobre uma onda de suicídios no Japão: executivos deprimidos dirigindo seus carros em direção a precipícios (“Drive my car into the ocean”). Animada e assobiável, apesar do tema sombrio. Trivia surpreendente: de acordo com o Setlist.fm, esta é, com uma margem considerável, a música que os Pixies mais tocaram ao vivo. Há duas versões oficiais, a mais lentinha (“UK Surf”) foi reservada para o lado-B de “Here Comes Your Man”.

29) “The Holiday Song” — Cow-punk acelerado que tem papel importante na história da banda. Além de ter sido uma das primeiríssimas canções que FB apresentou a Joey Santiago, ainda na fase embrionária, também foi a música que eles mostraram a Kim Deal para convencê-la a entrar no grupo.

28) “Caribou” — “REEEEEEEEEEEEPEEEEEEEEEEEEEEEEEEENT!” A primeira faixa do primeiro EP da banda era um cartão de visitas impressionante, causando fascínio e estranheza ao mesmo tempo. Black Francis diz que não se lembra de ter composto a canção, mas ainda assim é uma de suas favoritas no catálogo.

27) “I’ve Been Tired” — A métrica é toda desconjuntada, a letra tem imagens bizarras (“Why don’t you tell me one of your biggest fears? / I said, ‘Losing my penis to a whore with disease’”), o refrão explode do nada. Pura magia pixie: esta canção de Come on Pilgrim é feita de elementos incongruentes que funcionam bem juntos, na pura força da tensão sexual.

26) “Gouge Away” — Doolittle se encerra com outra das faixas mais arquetípicas da discografia do grupo. A letra retoma a fixação com o Velho Testamento, narrando o episódio no qual os filisteus arrancaram os olhos de Sansão. BF alterna sussurros e urros sem nunca deixar de soar ameaçador, e Kim faz uma linha de baixo digna dos Sisters of Mercy.

25) “I Bleed” — “Lindamente estruturada, muito poderosa, assombrosa, assustadora, e muito tocante” (P.J.Harvey). Pixies de almanaque, com a linha simplória de baixo desenhando a melodia e o dueto entre BF & Kim. Joey quase incorpora um Kevin Shields chicano. Acho que essa também dava pra tocar em rádio…

24) “Palace of the Brine” — Que riff. Que refrão. Que berros (“BENEATH REFLECTIONS IN THE FOUNTAIN!!!”). E só dura um minuto e meio. O “brine” é a água salgada do Great Salt Lake, em Utah; o palácio é o Great Saltair, suntuoso centro de convenções que fica às margens do lago.

23) “Something Against You” — Ninguém estava preparado para isso em 1988. Surfer Rosa começa com um nível de agressividade bem mais alto que a média do rock alternativo da época, e aí vem esta música, a terceira do lado A… e dali em diante ficava claro que os caras não estavam de brincadeira. Até hoje soa avalassaladora, com uma violência quase caricata.

22) “Levitate Me” — Os berros de Black Francis soam sempre impressionantes, mas seus gemidos são igualmente perturbadores. Na última faixa de Come On Pilgrim (de cuja letra saiu o título do EP), ele tira partido dessa habilidade única. É uma das raras composições na qual BF divide os créditos, incluindo até o nome de Jean Walsh (sua namorada na época) entre os autores.

21) “Bone Machine” — Se você estava lá, em 1988, você lembra: o impacto de ouvir esta faixa, a abertura de Surfer Rosa, pela primeira vez. O primeiro choque era a bateria: como pode ser TÃO ALTA? Parecia um taco de beisebol na testa! Depois, os vocais. Que porra esse cara tá cantando? E entra uma garota também pra ajudar? O “refrão”. E o grito depois do “refrão”. Se você estava lá, você lembra.

20) “Broken Face” — O narrador tem o “rosto quebrado” (sem lábios, sem língua, buracos no lugar dos olhos). A deformação é natural, já que se trata de mais uma canção sobre incesto. Ou seria o fruto da relação mãe-filho cantada em “Break My Body”? O pique é tão violentamente vigoroso, que chega a causar certa desorientação.

19) “Brick Is Red” — A última música de Surfer Rosa é mais uma daquelas que pegam o ouvinte de surpresa: antes que se dê conta, já se foi. Há uma explicação: a composição original tinha uma estrofe a mais no começo, que não chegou a entrar na versão de estúdio. A (des)harmonia vocal dá um charme especial à gravação, que contém também uma fina performance de Joey Santiago.

18) “Letter to Memphis” — Maravilha power-pop do quarto álbum. A cidade citada no título não é a morada de Elvis Presley, e sim Mênfis, no antigo Egito. Uma versão instrumental foi incluída na coletânea Complete B-Sides.

17) “Motorway to Roswell” — Um dos melhores refrães desta lista. A narrativa se passa na cidade-sede do infame “incidente no Novo México” em 1947, um tema obviamente caro a Black Francis.

16) “Tame” — Talvez o exemplo mais extremo da tão falada dinâmica sonora da banda. BF sussurra os versos; no refrão, rasga as cordas vocais sem dó. Também é, entre tantas músicas que tratam de sexo, uma das mais explícitas, cortesia dos gemidos masculinos e femininos em harmonia — ainda que a letra não traga imagens diretas. O refrão final, particularmente vulcânico, representaria o orgasmo… depois de menos de dois minutos.

15) “Cactus” — Notável dentro do repertório do primeiro disco, ao imprimir uma mudança no esquema loud/quiet/loud, apostando em uma levada retilínea e vocais menos agressivos. Ainda assim, o efeito de desconforto presente no resto no álbum permanece: o ouvinte espera que ALGO vá acontecer com a música mas… não acontece. Regravada em 2002 por David Bowie.

14) “Rock Music” — YOUR MOUTH’S A MILE AWAY YOUR MOUTH’S A MILE AWAY YOUR MOUTH’S A MILE AWAY YOUR MOUTH’S A MILE AWAY YOUR MOUTH’S A MILE AWAY YOUR MOUTH’S A MILE AWAY YOUR MOUTH’S A MILE AWAY YOUR MOUTH’S A MILE AWAY YOUR MOOOOOOOUTH YOUR MOOOOOOOUTH YOUR MOOOOOOOUTH

13) “Mr. Grieves” — Deliciosa bizarrice que abria o lado B do vinil de Doolittle, começa como reggae, vira punk e termina hard rock, em pouco mais de dois minutos. Mas há também um quê de showtune na melodia, parece algo composto para um musical da Broadway do mundo invertido. É uma canção sobre a morte, mas no final Francis espera que “tudo esteja bem”.

12) “Where Is My Mind?” — Surfer Rosa saiu na Inglaterra em 1988 e levou quase um ano para o álbum ganhar edição brasileira. Mas a rádio Fluminense FM começou a tocar esta música bem antes, e foi assim que os alternativinhos locais (eu incluso, aos 14 anos) ouviram a banda pela primeira vez. Lembro de achar a voz de FB parecida com a do cara do Gene Loves Jezebel (!), mas, tirando isso, não era possível encontrar nenhuma outra referência, nenhum outro ponto de comparação. O fim abrupto da faixa também surpreendia; na verdade, a música termina daquele jeito porque a fita usada pelo produtor Steve Albini acabou de repente. Com o tempo, tornou-se um dos grandes clássicos do repertório da banda, especialmente depois de ser usada em uma cena crucial do filme Clube da Luta. De acordo com Fool the World, é a canção dos Pixies mais regravada por outros artistas, com pelo menos 18 versões lançadas.

11) “Monkey Gone to Heaven” — No segundo álbum, os Pixies perceberam que havia espaço para refinar sua estética sem abdicar da insanidade. Este clássico é um exemplo perfeito dessa abordagem. As guitarras altas ganham o contraponto de um quarteto de cordas, e os berros (contidos até a última estrofe) se encaixam bem na melodia grudenta. Por outro lado, a letra segue na veia críptica/surreal do primeiro álbum, combinando protesto ambiental, reflexões metafísicas e mitologia. Lançada como música de trabalho de Doolittle, foi eleita “single do ano” de 1989 pelo semanário britânico Melody Maker.

10) “Havalina” — A mais delicada das baladas da banda, e a mais explicitamente influenciada pelas ondulantes guitarras do duo Santo & Johnny. Os acordes menores são de doer.

9) “Break My Body” — Algumas das melhores músicas desta lista parecem começar do nada e acabar do nada. É o caso desta canção de Surfer Rosa, que já se inicia em quarta marcha e se encerra de modo abrupto pouco mais de 2 minutos depois, quando parecia que ia mudar de direção. O protagonista apela para que lhe “quebrem o corpo”, um pedido ainda mais sinistro diante das alusões a um incesto edipiano (“I’m the horny loser / You’ll find me crashing through my mother’s door / I am the ugly lover / You’ll find us rolling on the dirty floor”).

8) “Dead” — Muito se fala sobre a “dinâmica” do som dos Pixies. Em “Dead”, a banda dá uma aula de como elevar a tensão a um limite quase insuportável, liberando-a não no refrão (“DEEEEEAD!”), e sim logo depois (“Hey, what do you know?…”). Perceba também as sutis diferenças entre os dois solinhos de Joey, que parecem idênticos (mas não são).

7) “Winterlong” — Uma inusitada favorita pessoal. Apaixonei-me à primeira audição, maravilhado com a capacidade dos Pixies de abandonar a grosseria e a insanidade e abraçar a doçura. Traz o dueto mais fofo entre BF e Kim, que cantam em uníssono durante quase a música inteira, e encerram com um contracanto de cortar o coração. Trata-se de uma cover de Neil Young gravada para o tributo The Bridge, e, uma vez mais, a banda supera em muito a versão original.

6) “The Sad Punk” — Glorioso retorno ao caos da fase inicial, em meio ao som mais polido de Trompe Le Monde. É o tipo de canção que emprega a agressão para causar catarse e, enfim, emoção genuína —sua audição já me levou às lágrimas, mais de uma vez. Creio que seja a performance vocal mais furiosa de FB. No auge da loucura, pisam no freio e apresentam a melodia mais meiga de toda essa lista… e retornam à loucura.

5) “U-Mass” — FB exorciza/ironiza o tempo que passou na Universidade de Massachusetts, onde conheceu Joey e idealizou a banda. O riff, que o vocalista descreve como inspirado pelos Yardbirds (!), foi criado bem antes da letra ser escrita. Trompe Le Monde é o melhor disco dos Pixies pra se cantar junto. E esta é a melhor canção do disco pra se cantar junto. Há um real senso de liberação quando se berra “IT’S EDUCAAAAAAAAATIONAL” junto a FB. Experimente!

4) “River Euphrates” — Surfer Rosa é um disco repleto de sexo, sangue, perversão e agressividade. Mas também há na mistura um inegável componente lúdico, uma energia juvenil que se manifesta de forma quase inocente. A última faixa do lado A é um bom exemplo, com seus versos hipnóticos que nos convidam a descer o Rio Eufrates usando um pneu como boia. O “HUH!” que BF solta aos 1:11 é inesperado e impagável.

3) “Gigantic” — O momento de Kim (ou melhor, Ms. John Murphy) sob o spotlight em Surfer Rosa, de cara se tornou em uma favorita dos fãs, indispensável nos setlists e o primeiro single lançado pela banda na 4AD. (A versão do compacto difere, em alguns detalhes, da gravação do álbum, numa tentativa de torna-la mais radiofônica.) É, sob muitos aspectos, A arquetípica canção dos Pixies: baixão repetitivo à frente + melodia doce e gritada + vocal feminino & masculino + estrofe leve + refrão barulhento. De acordo com BF, o título se refere à extensão da música, uma das mais longas do primeiro disco, apesar de não chegar aos quatro minutos. A letra, que narra um intercurso entre um homem negro (“A big, big love…”) e uma garota branca, veio depois…

2) “Hey” — Pausa para uma memória. Quando gravei o Doolittle direto do programa Novas Tendências, da rádio Fluminense (que tocou o álbum na íntegra poucas semanas de seu lançamento), usei uma fita de 90 minutos que já tinha algumas músicas registradas. Dei o REC e fiquei ouvindo. EXATAMENTE NO FIM de “Hey”, a fita acabou e as duas últimas faixas do disco, “Silver” e “Gouge Away”, ficaram de fora. Então, por mais de um ano (o LP só saiu no Brasil em 1989), Doolittle para mim acabava em “Hey”. E acho mesmo que era o jeito perfeito de encerrar o álbum. Até hoje, acho estranho quando soa o último guincho da guitarra e o disco continua por mais duas músicas.

1) “Debaser” — A melhor música dos Pixies — a melhor faixa de abertura de álbum da história do rock — quase não entrou em Doolittle. BF não levava fé na canção, e precisou ser convencido por Gil Norton. Doolittle sem “Debaser” seria como Raw Power sem “Search and Destroy”, ou Selvagem? sem “Alagados”. Quando se lê por aí o clichê que alude ao “surrealismo” das letras, a culpa é dessa música, com suas alusões a Buñuel e olhos rasgados (o excelente site Slicing Up Eyeballs tirou seu nome daqui). FB já havia berrado mais alto, ou de forma mais assustadora, mas nunca de um jeito tão resoluto. É como se ele nos agarrasse pela lapela e gritasse na nossa cara até perder o fôlego. (Se você nunca ouviu a versão à capela, vai lá ouvir AGORA.) A coda instrumental, com cerca de 50 segundos, é uma avalanche em forma de som, na qual o quarteto soa rejubilante, indomável — e mais afiado que em qualquer momento de Surfer Rosa. Não foi lançada como single na época e no entanto é a mais amada pelos verdadeiros fãs. A destilação ideal do poder da banda.

A playlist quase completa (144 faixas), na ordem, vai logo aí abaixo. Apenas uma ou outra raridade não estão disponíveis no Spotify.

https://open.spotify.com/playlist/68Bz6lhDLxRBpu0yW8tqDt?si=545fcbe72abe4766

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Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)