Sobre “Notícias de um tempo ausente”

Como surgiu a coletânea e um pouco do nosso processo criativo

Abreu Ferreira
Notícias de um tempo ausente
5 min readJul 13, 2020

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Inicialmente, a página Notícias de um tempo ausente foi concebida como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de três estudantes de jornalismo — eu, Elisa Dias e Giovana Valadares. Optamos por este formato porque, embora desejássemos ardentemente ter em formato físico a coletânea que escrevemos com tanto carinho, percebemos que o importante mesmo era divulgar nosso trabalho, e que aqui teríamos, além da facilidade, a liberdade de preservar a integridade dos textos.

SOBRE A COLETÂNEA

Em formatos que variam entre o jornalístico e o literário, entre o factual e o ficcional, as crônicas de Notícias de um tempo ausente abordam o fenômeno da perda em diversas expressões, variando entre a infância e a morte, entre o banal e o extraordinário. Pode ser, por exemplo, a perda de uma parte do corpo, como em O olho do Sucesso; ou a perda do controle, na forma do sonambulismo, como em O dia que eu não sonhei; ou a perda de alguém amado, como em Galáxia 187.

É difícil retratar na escrita a totalidade do que a perda representa, em suas várias formas, para as bilhões de pessoas que já vieram e que ainda estão por vir. Mas é exatamente aí que reside a graça, na tentativa.

Embora a jornada de escrever as crônicas tenha passado por muito companheirismo, cada um escolheu uma abordagem própria na produção dos seus textos, condizente com a própria estética e as próprias questões que precisava enfrentar.

B. A. Ferreira escreveu crônicas baseadas em suas experiências, ou em pessoas que ele viu na rua, ou histórias que ele ouviu; mas sempre acrescentando um toque de fantasia. Escreveu também duas pequenas fábulas, inspiradas nas de Esopo. É autor de Crônica de uma viagem à borda do universo, O olho do Sucesso, As chuteiras velhas e as novas, Vó Augusta, As pombas e a velha e A moça das bolhas.

O universo criado por Elisa Dias em suas crônicas é voltado à oralidade e se baseia, principalmente, em sua cidade-natal no sul de Minas Gerais, Itanhandu, onde viveu sua infância e adolescência. É autora de Porque não devo mais comprar rosquinhas às duas da tarde de um domingo, Laranja com sal, Sapos amarelos pomposos, Garrafa de vela, Farinha a vácuo e O dia que eu não sonhei.

Giovana Valadares, por sua vez, empreendeu uma jornada em busca de entender a morte sob diversos prismas. No processo entrevistou pessoas que haviam passado pela perda, a cujos relatos costurou com muita sensibilidade as malhas de sua própria vivência. É autora de Eu e o pássaro, A última ligação, Saturno vai perder seus anéis, Objeto perdido, As cúmplices, Galáxia 187 e Piscina quase vazia.

HISTÓRIA DO PROJETO

Era início de 2019. No campus da Unesp em Bauru, a maioria dos estudantes de jornalismo da turma de 2016 ainda estava às voltas, procurando um jeito de se formar no período ideal. Além de ser preciso cursar todas as 2.670 horas de matérias obrigatórias, os pré-requisitos eram fazer 210 horas de estágio e entregar um TCC, que podia ser ou uma monografia ou um projeto experimental (um livro-reportagem, uma reportagem multimídia, um documentário etc). Nós três estávamos no barco dos que precisavam do TCC. Nenhum dos três estava muito inclinado a fazer uma monografia; cada um tinha um projeto individual em mente, mas, precisamente naquele ano, implementaram novas diretrizes no curso, definindo que os projetos só poderiam ser feitos em grupos de dois ou mais.

Em uma conversa em março, num ponto de ônibus do campus próximo ao food-truck do tio Guerreiro, Giovana e Elisa trocavam figurinhas sobre o curso, e foram notando uma sintonia: ambas queriam fazer algo relacionado à escrita, e que não necessariamente seguisse os moldes do jornalismo tradicional. Resolveram fazer juntas, e chamaram para participar desse projeto ainda inexistente o B., que também já havia demonstrado um interesse por uma escrita mais livre que a comumente estimulada no curso.

Como orientador escolheram o professor Mauro Ventura, com quem a Elisa já havia travado conversas preliminares acerca do TCC. O professor teve a gentileza de acolher os três, apesar de já estar com bastantes orientandos. Juntos discutiram sobre como seria o tal projeto, que poderia ser literário como os três gostariam, desde que tivesse algo de jornalístico — aquele era, afinal, um curso de jornalismo. Acabaram chegando na ideia de fazer uma coletânea de crônicas. A partir daí o Mauro foi soltando suas mãos aos poucos, até perceber que o projeto caminhava na direção certa, e que estavam prontos para seguir sozinhos em frente.

O B., a Elisa e a Giovana foram fazendo reuniões em diversos lugares: no bosque da Unesp (um quarteirão bem arborizado, com vários quiosques, localizado em frente à biblioteca), pelo Mundo Perdido (que é a alcunha que receberam as salas, um tanto isoladas, onde os alunos podem usar computadores com programas da Adobe) e ocasionalmente em suas próprias casas. Dependia apenas de onde estivesse disponível e fosse mais conveniente para todos. No começo, os encontros eram esparsos, e foram aumentando em frequência e seriedade conforme se aproximava o garrote da deadline.

As reuniões eram principalmente para se manter produtivos (o B. e a Giovana se entupiam de café). Cada um trabalhava nos próprios textos, mas estavam juntos para se motivar mutuamente, para ler e comentar o trabalho uns dos outros, e para dar aquela boa e velha desopilada de vez em quando, sem a qual até o trabalho mais gostoso pode se tornar maçante. O projeto foi ganhando forma naturalmente; as lacunas em seu planejamento foram se preenchendo e ideias que a princípio pareciam certas foram perdendo espaço, conforme outras melhores apareciam — o que constitui forte evidência anedótica de que o mais importante completar um projeto é pôr a mão na massa dia após dia, de forma consistente, até ele estar pronto. Foi uma jornada bastante catártica para os três, porque, apesar de já nutrirem desde cedo o gosto pela escrita, nenhum deles havia produzido um trabalho em prosa tão extenso. Tudo que foi preciso foi uma xícara de companheirismo, uma colher de pressão externa e uma pitadinha de vergonha na cara.

Por fim, quando tinham os textos e o relatório todos prontos, precisavam ainda cuidar da parte gráfica, para que a coletânea tivesse uma cara reconhecível. Eles tinham alguma alguma noção de InDesign, programa usado para diagramar revistas, livros e afins, e o B. desenhava mais ou menos, mas queriam um trabalho mais profissional. Então contrataram um designer amigo seu, o Gleisson Cipriano, para cuidar disso. Ele fez um trabalho belíssimo, como a imagem que abre este artigo.

No dia da apresentação do TCC a sala lotou, o que não é terrivelmente usual— só evidenciando interesse e a carência de literatura por parte dos alunos de jornalismo.

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