De barco #9

Café das sete
Revista Passaporte
Published in
7 min readNov 6, 2020

Oi! Esse é um diário de viagem, temos parte 1, 2, 3 ,4, 5 , 6, 7 e 8

13/01/2019

dentro do floresta

Esperamos o outro casal que ia com a gente chegar. Os passeios de Alter são todos na lógica do Rio, pega-se um barco na praia do amor e segue até alguma outra orla que na maioria dos casos terá uma comunidade ribeirinha ou alguma outra praia de Rio doce e as atividades propostas, por serem percursos de barco os barqueiros tentam fazer grupos de 4 a 6 pessoas para que os custos fiquem mais em conta. De qualquer forma os passeios vão de 100,00 (ótimo preço) a 150,00 por pessoa, quanto maior o grupo, mais desconto. Alguns deles ainda incluem gastos durante o passeio, por isso, começo aqui a extrapolar todo meu orçamento.

Tucuxi avisa que casal não vem pq moço está passando mal e com isso o passeio ficará mais caro. Eu e Victor nos entreolhamos desconfiados e chateados, porém atentos ao movimento. Por fim, entre conversas dos barqueiros achamos um outro grupo faltando gente e nos juntamos a eles. É quando conhecemos as paulistas Luísa e sua mãe Helena que é editora de moda e formada em rádio e TV, me apresento como formada em jornalismo pela primeira vez na vida e já criamos uma empatia no olhar, mesmo nome e mesma área de formação. Pegamos barco com Moisés e seguimos por 1hr até a Flona dos Tapajós. Eu nunca vou me esquecer desses percursos de barco pelo tapajós que nos levavam aos passeios, de novo, como sempre nessa viagem, eu me questionava, ainda pode melhorar?

O passeio de hoje chama-se Flona, é uma caminhada pela Floresta Nacional do Tapajós, a região é uma unidade de conservação federal localizada na Amazônia. As comunidades que antigamente faziam a exploração dos recursos da floresta, como extração de latex, hoje fazem a preservação do local, utilizando o turismo como fonte de renda. Ao chegar na região temos que escolher qual será o almoço do grupo, entre as opções de galinha caipira, peixe assado e frito, nosso grupo escolhe o peixe assado. Moisés conversa com a matriarca do local e nós aguardamos o nosso guia, que chega junto de sua cachorrinha, caminhamos com Vavá e Verão a cadelinha que está grávida pela comunidade até a trilha pela floresta.

A esquerda Vavá e no centro Verão

Durante a caminhada Vavá vai nos contando sobre a flora e fauna do local. Curiosa e comunicadora Helena pergunta sobre a vida do guia. Ficamos todos surpresos ao deparar com a informação de que ele tem apenas 27 anos e estudou até o ensino médio. O espanto se dá pois o guia é muito sábio e conversa de forma muito madura. Toda sua sabedoria vem da tradição e da sua família, que sempre viveu na floresta e na beira dos rios e oralmente foi descobrindo e passando as histórias de pessoa a pessoa. Durante as quatro horas e os 9000 metros que caminhamos vemos pele de cobra; árvore que tem a seiva inflamável, que tem propriedades que auxiliam na diabetes e outras propriedades medicinais. Inclusive logo quando chegamos o barqueiro Moisés, que nos levou até lá, pede que Vavá traga uma casca de uma árvore que me esqueci o nome alegando que está com estômago ruim e vai tomar um chá quando chegar em casa.

Determinado momento da trilha paramos para descansar um pouco, a parada escolhida é perto de uma samaúma que tem cerca de 40 metros de altura e mais de 300 anos. É incrível a energia presente nessa floresta, são conexões de outras vidas, são tradições e histórias de um Brasil que eu estudei nos livros que não chega nem perto do que realmente é.

Samaúma ou Sumaúma (Ceiba pentranda) é uma árvore encontrada na Amazônia. É considerada sagrada para ao antigos povos “maia” e os que habitam as florestas. A palavra samaúma é usada para descrever a fibra obtida dos seus frutos. A planta é conhecida também por algodoeiro. Cresce entre 60–70m de altura e o seu tronco é muito volumoso, até 3 m de diâmetro com contrafortes. Alguns exemplares chegam a atingir os 90m de altura, sendo, por isso, uma das maiores árvores da flora mundial. Essa árvore consegue retirar a água das profundezas do solo amazônico e trazer não apenas para abastecer a si mesma, mas também pra repartir com outras espécies. Em determinadas épocas “estrondam” irrigando toda a área em torno dela e o reino vegetal que a circunda. A samaumeira é tipicamente amazônica, conhecida como a “árvore da vida” ou “escada do céu”. Os indígenas consideram-na “a mãe” de todas as árvores.

Nessa parada, além de água, barrinha de cereal e frutas, eu comi tanajuras. Vavá tinha levado num pote para experimentarmos. Para prepará-las os ribeirinhos as colocam vivas na panela que vai tostando e as cozinhando aos poucos. É um aperitivo comum para a comunidade, inclusive mais tarde no fim do passeio encontramos algumas meninas mais novas mexendo uma grande panela num fogareiro cheio das formigas. Vavá colocou um salzinho nas que levou e diz que o mais agradável é comer somente a bunda, me lembra o gosto de um amendoim torrado com sal. Outra coisa curiosa que comi pela trilha foi uma larva que cresce dentro de um coquinho e tem gosto meio gorduroso que não consigo descrever. Eu e Victor nos deliciamos com os insetos, enquanto Luiza e Helena tem certa resistência.

Terminamos a trilha e é a hora do almoço, chegamos e a mãe de Vavá colocou numa mesa longa um maravilhoso tambaqui assado na brasa, alguns potes de arroz, salada e feijão. Tudo estava muito gostoso, comida caseira e feita com afeto. O feijão faz sucesso na mesa, pois além do tempero tem alguns legumes junto ao grão. Depois das horas de caminhada estamos todos famintos e no primeiro momento comemos sem parar. Até que começamos o papo e descubro que nossas amigas viajaram o mundo todo, que Luisa mora na Austrália e Victor fala italiano.

Vavá aparece e nos pergunta se estamos prontos para seguir, consentimos e vamos em direção aos Igapós, um tipo de vegetação que fica submersa pelos rios em alguns períodos do ano na Amazônia, por lá vivem os jacarés e as sucuris, fico em dúvida se quero ou não encontrar com algum deles. Subimos num barco que Vavá rema a mão e vamos passando por lugares incríveis e de certa forma indescritíveis. Tudo nessa viagem é muito magnífico para quem vive numa capital, ainda que Belo Horizonte guarde muito do que são os interiores de minas, o norte é um lugar muito diferente do sudeste. Eu percebi que minha conexão com a água e com os rios é muito forte. Chegamos até Moisés que nos espera na lancha. Nos despedimos de Vavá, minha vontade é dar um abraço apertado no paraense, mas acenamos enquanto o barco dele seguia de volta para dentro da floresta.

Victor, Moises, Luísa e minha xará Helena

Na volta pegamos uma ressaca do rio e o tempo já estava fechado provocando grandes ondas. O barco pula muito, eu e Victor rimos da situação enquanto nos seguramos firme. Paramos numa das ilhas que tem no caminho, entramos na água e ficamos conversando um pouco. Victor e eu contamos sobre as aventuras da viagem de barco Manaus para Alter e eles em conjunto me contam sobre Belém. Que eu não pude conhecer, mas fiquei curiosa para visitar. Moisés nos chama para ir embora, mais um pulos o rio fica um pouco mais tranquilo e paramos em mais uma das ilhas do caminho. Eu entro na água que está quentinha, o guia me conta que quanto mais chove e o tempo está fechado, mais as águas ficam quentes. Voltamos para o centro de Alter e tentamos combinar um passeio para o dia seguinte já que nos demos muito bem. Marlena nos encontra e parece um pouco resistente que as meninas participem do passeio do dia seguinte e eu permaneço calada, mesmo tendo adorado Helena e Luísa. Com os dedos cruzados para que elas continuem com a gente.

Na praça paramos na Sorveteria Paraense e eu escolho o sabor açaí com tapioca, só de lembrar fico com vontade. Uma delicia. Vamos em direção a casa de Marlena, ela e Victor querem tomar um chá e por fim, dispensam mesmo as meninas e com isso o passeio fica mais caro. Paciência! No caminho experimento o bolo de chocolate do bar da Glória, maravilhoso, um pedaço generoso de bolo fofinho com uma calda de brigadeiro. Na volta da casa de Marley para o centro já tarde e passamos numa lanchonete onde compro um Wrap para levar, chamo Ney, meu táxi e volto para casa morta. Tomo meu banho gelado, como meu lanche e sem grandes reflexões, apenas absorvendo a energia do dia adormeço.

… continua em “a vida na beira do rio” — de barco #10

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Café das sete
Revista Passaporte

Por Helena Merlo. MUITOS erros de digitação pq eu escrevo na fritação do sentimento! CATARSE. "A arte é uma confissão de que a vida não basta" F.Pessoa